Por José Eduardo Bernardes
Vera Lúcia Bezerra, 43 anos, moradora do bairro de São Mateus, na zona leste de São Paulo, está desempregada há 11 meses. Ela trabalhava como cozinheira em uma metalúrgica, mas foi demitida no último corte de funcionários da empresa. “Fica difícil, eu pago aluguel. Aí vem os gastos, tem gás, despesas, água, luz. Eu tenho três profissões na carteira, sou porteira, sou ajudante de cozinha e sou da área da limpeza, mas eu não consigo um emprego”, conta.
Assim como Vera Lúcia, outras 12,9 milhões de pessoas em todo o país sofrem com o desemprego, segundo pesquisa divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta semana. A pesquisa revela ainda que mais de 4,8 milhões de pessoas desistiram de procurar emprego - um recorde na pesquisa que teve início em 2012 -, uma categoria de trabalhadores que tem sido denominada “desalentado”.
O levantamento também explica que os empregos formais, ou seja, pessoas que trabalham com carteira assinada e asseguram seus direitos trabalhistas, seguem caindo. Pouco mais de 32,9 milhões de pessoas preenchem essa categoria, uma queda de 1,1%, em relação ao número registrado em 2017.
A falta de uma colocação no mercado de trabalho é apenas uma das facetas de um Brasil mergulhado em uma crise política e econômica, que alcançou níveis alarmantes após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em agosto de 2016, que completa dois anos nesta sexta-feira, 31.
A data marca o dia em que o Senado Federal aprovou, por 61 votos favoráveis e 20 contrários, a perda do mandato da presidenta. Em seu lugar, assumiu o golpista Michel Temer, que nos últimos dois anos sancionou uma série de medidas que retiraram direitos dos trabalhadores e agravaram a vida dos brasileiros.
O golpe de 2016 ainda alcançou novas proporções ao aprovar emendas como a PEC 95, que congelou investimentos em áreas essenciais como saúde e educação e a reforma trabalhista aprovada em julho do ano passado pelo governo golpista de Michel Temer.
A medida precarizou ainda mais as relações de trabalho, com maiores jornadas, fim da remuneração com base nos pisos das carreiras, trabalhos intermitentes e barreiras para o trabalhador que precisa recorrer à justiça para garantir direitos trabalhistas.
Para o sociólogo Jessé Souza, a derrubada da presidenta Dilma Rousseff teve por objetivo dar ainda mais força ao capital financeiro no Brasil, que por princípio, não tem qualquer interesse no aumento da renda do trabalhador, ou mesmo na formação de um mercado interno.
“O golpe é exatamente isso, é a entrada da fração financeira do capital, a fase mais destrutiva do capitalismo. Se o mercado interno fosse importante para essa falsa burguesia industrial, que nós não temos, ela teria interesse que os trabalhadores tivessem, ao menos, uma remuneração decente, porque senão, ninguém compraria o que ela produz. Mas o financismo não tem isso, ele esta aí só para explorar”.
E isso, segundo Souza, é um dos resquícios da escravidão no Brasil, que aparta cada vez mais os mais pobres do mercado de trabalho. “O fato de você ter uma população que mais da metade dela exerce trabalho desqualificado, ou semiqualificado, esse padrão produtivo é uma óbvia continuação da escravidão. A classe dos mais pobres está fora do mercado competitivo de trabalho, porque o que o capitalismo explora é o conhecimento incorporado no trabalhador, não é a energia muscular, como no caso da escravidão”.
Claudinei Maurício Gonçalves, morador do bairro São João Climaco, no Ipiranga, procura emprego há 2 anos, na área de eletrotécnica. “Trabalhava com carteira assinada e fui desligado da empresa em julho de 2016”, diz.
As promessas da oposição à presidenta Dilma Rousseff e dos grupos hegemônicos de mídia, que espalhavam notícias de um Brasil repactuado, que sanaria a economia e a crise política, não chegaram aos trabalhadores, pelo contrário.
“Depois dessa transição com o Temer não aconteceu nada. Disseram que iria melhorar, mas por enquanto nada. Nesses dois anos eu consegui me manter com o fundo de garantia, agora a partir desse segundo ano, não tem mais jeito”, explica Claudinei.
Além do desemprego, o país retornou ao mapa da fome. Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística aponta que o número de pessoas em situação de extrema pobreza chegou a 14,8 milhões entre 2016 e 2017. Na última pesquisa, o número era de 13,3 milhões.
Na esteira da extrema pobreza, outros problemas alcançam níveis alarmantes: a mortalidade infantil, que apresentava seguidas quedas, voltou a crescer e agora atinge 11% das crianças entre um mês e quatro anos de idade, o que significa 12,7 mortes por mil nascidos vivos em 2016.
“A maior dificuldade é ver um filho pedir um pão e não poder comprar. Ou precisar de R$ 4,00 para pagar o ônibus e não ter”, explica Vera Lucia Bezerra. Ela conta que, como outros tantos trabalhadores, tem se ancorado no trabalho informal para garantir as necessidades básicas de sua casa.
“Para sobreviver eu faço bico. Entrego panfleto, vendo água, vendo limão. Tem que trabalhar na rua, é o jeito”, diz.
O déficit de moradia
Aliado ao alto índice de desemprego e a consequente queda na renda, outro indicador também surge e demanda cada vez mais atenção: o déficit de moradia no país é de 6,3 milhões de domicílios.
O número engloba famílias que comprometem grande parte de sua renda com o pagamento de aluguéis, casas que estão em estado precário e precisam de reforma para se adequarem à habitação e também o adensamento excessivo de moradores em um só imóvel.
Para Carmen Silva, coordenadora do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), a crise tem afetado os mais pobres e o número de trabalhadores sem moradia são alarmantes.
“A austeridade que o país está passando afeta primeiramente os trabalhadores de menor renda. E esse trabalhador perde direitos, perde o direito à moradia, o aluguel é muito alto. Nós vivemos em uma capital que a especulação imobiliária é dominante. Nós temos um déficit habitacional de mais de 396 mil famílias em São Paulo”, afirma Carmen Silva.
Silva é responsável por um dos mais exitosos projetos de ocupação habitacional do Centro da cidade de São Paulo. O antigo Hotel Cambridge foi ocupado em 2012 pelo MSTC, virou filme e agora assinou contrato com a Caixa Econômica para uma reforma que adequará o prédio aos seus moradores.
Uma das moradoras da ocupação Cambridge, que aguarda a reforma contratada pela Caixa Econômica, Selma de Jesus Oliveira, 43 anos, tinha um apartamento em Itaquaquecetuba, interior do estado, que havia comprado por cerca de R$ 4.000. Mas desistiu de sua moradia, por não conseguir chegar ao trabalho, na capital, todos os dias.
“Para mim, não era viável estar em Itaqua e todo dia vir para São Paulo. Aqui era o meu trabalho, eu também fazia um curso e saia às 22h. Era muito cansativo. A condução era horrível e no interior não há uma condição de trabalho”, explica.
O Cambridge e sua história de sucesso, no entanto, ainda é uma exceção. Somente na cidade de São Paulo, 133 imóveis estão ocupados e nem todos conseguem garantir a segurança aos seus moradores. Em maio deste ano, o edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, no Centro de São Paulo, desabou e deixou, segundo o Corpo de Bombeiros, nove mortos - os moradores contabilizam mais pessoas desaparecidas após o acidente.
Muitos dos moradores do Wilton Paes de Almeida perderam o seu lar e permaneceram nas ruas. Eles se juntaram a aproximadamente outras 20 mil pessoas, que moram nas ruas da cidade de São Paulo. Os dados são de uma pesquisa encomendada pela Prefeitura do município em 2015 e divulgada em abril deste ano.
Este é o caso de Maria Antonia de Paula, 64 anos, que está em situação de rua desde 2016. Ela chegou a juntar, com seu companheiro, Jorge, o valor do aluguel (R$ 1.200), de uma pensão na rua Marta, mas foi expulsa pelo proprietário, segundo, Maria, por conta de seu trabalho com bijuterias e sua aparência.
“Já tentamos alugar vários cômodos no Brás também, mas sempre expulsam a gente, porque somos velhos, dizem que somos um casal feio de velhos e que não somos iguais a eles. Para não perder a vida viemos para a rua”.
Paula lembra ainda do sofrimento e o preconceito que acompanham os moradores em situação de rua. “Já dormimos na estação Barra Funda, na Santa Cecília, agora estamos na Casas Bahia, na Praça Ramos. Forramos o chão e deitamos lá. Não é brincadeira, não. É muito sofrimento. Para não perdermos nossas coisas, enquanto ele cochila, eu fico acordada, quando eu cochilo, ele fica acordado.
Dois anos após o golpe, o Brasil se vê novamente de frente com a pobreza. Segundo Carmen Silva, do MSTC, "o maior atingido (com o golpe) é o trabalhador de menor renda. Em nome de recuperar a economia, se retira direitos e quem vai ser atingido, é o rico? Não, é o pobre. É uma classificação que é assim: quem tem dinheiro, tem todos os recursos, quem não tem, fica sem. Não há uma igualdade, um equilíbrio”.
Coordenação de Jornalismo: Nina Fideles Coordenação de Multimídia: José Bruno Lima Texto e Fotografia: José Eduardo Bernardes Edição: Katarine Flor Edição de vídeo: Marcelo Cruz Ilustrações: Lucas Milagres