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Herança sem herdeiros: Quem pode conquistar os votos de Lula?

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Se é fato que o herdeiro preferencial é Fernando Haddad nem por isso é razoável supor que seja herdeiro único.
Se é fato que o herdeiro preferencial é Fernando Haddad nem por isso é razoável supor que seja herdeiro único. - Ricardo Stuckert
Mesmo com o peso de redes sociais, os meios tradicionais tem papel decisivo

Aprendi pelo caminho mais doloroso – perdendo eleições “ganhas” – que resultados de pesquisas antes de pelo menos uns dez dias seguidos de veiculação da propaganda eleitoral em rádio e televisão aberta podem ser péssimos indicadores do que acontecerá nas urnas.

Mesmo com o crescente peso de redes sociais em um país como o nosso, os meios tradicionais ainda jogam papel decisivo e campanhas eleitorais podem alterar substantivamente a metamorfose da intenção de voto em voto efetivo. 

Se há uma unanimidade entre os que se dedicam a analisar o quadro eleitoral deste ano é a constatação de que se trata de um pleito completamente atípico: 

O candidato da preferência de forte maioria do eleitorado não é oficialmente candidato; o judiciário, com suporte da comunicação de massas, resolveu ser “árbitro da nação”, tutelando o voto com “legislações” e sentenças escandalosamente enviesadas; a “taxa de transferência de votos” é a incógnita que todos buscam calcular sem nenhuma base empírica ou comparativa consistente; os cortes tradicionais para identificação de grandes blocos estão imersos na tensão entre a ordem e o progresso, que os sobredetermina.

Há uma herança sólida, substantiva, decisiva, em disputa: o voto em Lula. Este é um fenômeno real, identificado cada vez mais conforme se auscultam as ruas e se sucedem as pesquisas quantitativas e qualitativas, telefônicas ou presenciais. 

Seus lastros são a memória muito positiva do “tempo bom” dos mandatos de Lula e a experiência negativa com os resultados do golpe de 2016. Há uma enorme vontade de votar pelo progresso, ainda que o desejo de ordem alimente com força candidaturas oriundas do golpe.

Frente à situação mais provável – a manutenção da ilegal e antidemocrática interdição de Lula – é na definição de quem será (ou serão) o herdeiro (ou herdeiros) de tal patrimônio político que se desenhará o resultado das eleições. E, se correta a premissa da “fugacidade” das pesquisas antes da percolação da propaganda eleitoral, as tentativas de projeção desse resultado deveriam fiar-se mais em análise de componentes políticas e sociais do que no revolver das tabelas dos institutos.

Minha opinião: se é fato que o herdeiro preferencial é Fernando Haddad – por ser o indicado de Lula; por ser filiado ao PT; por ter o número 13 na urna – nem por isso é razoável supor que seja herdeiro único. 

A primeira e decisiva “prova de habilitação à herança” pela qual tem que passar Haddad é ser efetivamente conhecido e reconhecido como o “Andrade do Lula”, nos moldes da “Vilma” de 2010. Um segundo requisito é estabelecer-se, aos olhos do eleitor, como um “campeão do Progresso”, apresentando soluções objetivas para os principais problemas dos trabalhadores, brutalmente agravados pelo período Temer. O terceiro, ser candidato de fato e de direito.

A opção adotada por Lula até o presente momento – manter sua candidatura até esgotados todos os recursos jurídicos possíveis – me parece prejudicar bastante a “habilitação” de Haddad, pois não o apresenta claramente ao eleitorado como candidato à presidência, não permite a exposição da chapa com Manuela como vice e cria sérias dificuldades na operação da propaganda eleitoral (materiais gráficos de candidatos aos governos estaduais e ao legislativo; participação em debates e sabatinas; identificação nas pesquisas; formatação da publicidade em rádio e TV, entre as mais óbvias).

É uma tática eleitoral baseada, principalmente, na expansão da intenção de voto em Lula que seria objeto de transferência para Haddad em tempo e volume recordes. Adicionalmente, compõe essa linha a baixa prioridade na divulgação das propostas do candidato que simbolizem, para o eleitor, a retomada do progresso, já que é fundamental manter o foco no combate à prisão e à interdição eleitoral de Lula.

Se não houvesse outros herdeiros à espreita, o risco dessa operação seria suficientemente baixo frente a seus benefícios potenciais: a construção de um tal “reservatório” de votos que o dirigir seu fluxo à urna pelo “vertedouro” da candidatura Haddad viabilizaria até uma vitória em primeiro turno. Só que esse há, sim, herdeiros potenciais no aguardo de uma “extravasão espontânea”, por falta de consolidação de Haddad em tempo hábil.

Desde Ciro e Boulos – candidaturas que também se situam explicitamente no campo antigolpe e enfeixam os temas do progresso – até Marina - a dubiedade eterna que pode se valer de seu passado para mascarar seu presente – há a possibilidade real de dispersão da herança, com séria redução da “taxa de transferência” com que conta a coligação PT/PCdoB/PROS. 

Também não é desprezível o potencial de atração de eleitores de Lula com fraco vínculo com o PT e/ou com Haddad em direção às candidaturas da ordem, notadamente a de Bolsonaro, ao não verem claramente contemplados, no candidato e na propaganda eleitoral, seus interesses no progresso.

É mais do que chegada a hora da “passagem do cetro” a Haddad, para que não se cumpra uma paródia do vaticínio de Dom João VI e outros herdeiros lancem mão dele antes que Fernando o tome todo para si.

*Artur Araújo é administrador hoteleiro, ex-Diretor da EMBRATUR , é consultor em gestão pública e privada.

Edição: Daniela Stefano