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Voto: a vítima pode ser você

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Progressistas, democratas, social-democratas. A sigla ostenta algo que partidos não praticam
Progressistas, democratas, social-democratas. A sigla ostenta algo que partidos não praticam - Arte: JB
Muitas siglas guardam pouca ou nenhuma correlação com o nome que ostentam

Como uma destas feras que deslizam pelas sombras, há um perigo que ronda o eleitorado. Sem que ele perceba. E, tudo indica, o predador levará a melhor mais uma vez. Chama-se eleição proporcional. Se decidir quem será o próximo presidente nessa campanha tão esdrúxula e tão manchada de violência institucional, também é crucial a eleição para o Congresso. É nele que se gesta a ingovernabilidade dos governos populares. E onde se criam as crises. 

Num sistema eleitoral com 35 partidos, como distinguir aqueles mais afinados com o trabalhador, o desempregado, a pequena classe média, o agricultor familiar, o campesinato, o estudante pobre, ou seja, com o conjunto da maioria dos eleitores?

O quadro fica ainda mais cinzento quando se sabe que muitas siglas guardam pouca ou nenhuma correlação com o nome que ostentam. Pior: não raro a denominação segue na contramão da sua história e da ação parlamentar. Seguindo-se esta lógica, não é possível levar a sério a graça do Democratas. Sob a ditadura, as forças que hoje se intitulam “democratas”, serviam de biombo político para um regime despótico e cruel. Era então a Arena, a Aliança Renovadora Nacional, e depois foi PDS, o Partido da Democracia Social. Não renovou nada, não defendeu a nação, tampouco a democracia, muito menos aquela permeada pelo social.

Seu gêmeo univitelino, o PP, Partido Progressista, é engodo ainda maior. Afina-se, frequentemente, com as teses mais retrógradas em oferta no mercado. Conservador ou mesmo reacionário, megafone do latifúndio no Sul: foi Arena, trocou para PDS, converteu-se em PPR, depois PPB e transformou-se em PP na mais recente reencarnação.

“Democratas” e “progressistas” carregaram nas costas o andor da ditadura. Faceiramente.

Um dos casos mais trágicos é o do PSDB. Forjado pela seção paulista do então PMDB, nasceu com todos os pruridos, repudiando e condenando os métodos do cacique do partido, Orestes Quércia, e do neologismo por ele gerado, o quercismo. Mirava-se no espelho da social-democracia europeia, ansiando ser o farol da terceira via nos trópicos. E deu no que deu. Da social-democracia só restou o nome. O restante se liquefez na função de tarefeiro do neoliberalismo mais feroz.

Depois de criticar a corrupção do quercismo, viu suas cabeças coroadas chafurdarem na própria corrupção. Instigador de golpes, replicou o DNA da velha UDN, a União Democrática Nacional, de Carlos Lacerda, que levou Getúlio Vargas ao suicídio e à derrubada de João Goulart. A própria UDN carregava uma mentira na sua certidão: nunca foi “democrática” e sim golpista; nunca foi “nacional” e sim entreguista. Há quem sustente que sequer foi “união”, devido às quizilas internas. 

A rigor, o Partido Popular Socialista, PPS, não poderia ser frequentado por seus dirigentes. Rasgou sua fantasia, tornando-se mero apêndice da direita, apoiando suas pautas no Congresso. Votou pela reforma trabalhista e pela PEC que congelou os gastos em saúde e educação por 20 anos. Após descrever-se, no manifesto de fundação em 1992, como “um partido socialista, humanista e libertário”, inspirado nas “lutas dos trabalhadores” e, a cereja do bolo, “contrapondo-se aos modelos neoliberais”.

O Partido Trabalhista Brasileiro é outro que, a julgar pela graça, também deveria bater de frente com os “modelos neoliberais”. Nada mais falso. O antigo PTB de Getúlio, Jango e Brizola é outro penduricalho daquilo que existe de mais antipopular na cena política. Votou maciçamente pela terceirização, a PEC dos Gastos e a reforma trabalhista. Nada que possa lembrar e honrar o deputado Rubens Paiva, eleito pelo PTB, cassado em 1964 e sequestrado, torturado e assassinado pela ditadura em 1971. 

O Movimento Democrático Brasileiro, embora a profissão de fé expressa no nome, chegou à presidência através de um golpe de Estado. Novidade nas eleições presidenciais, o Partido Novo é, na verdade, um bibelô de antiquário. Seu discurso usa polainas e pincenê e exala um odor de mofo. Vem do arcaico liberalismo do século 19. Pelo menos, não se esconde, afirmando-se como “de direita”. 

É um fenômeno ao qual a esquerda não está imune – e o Partido Socialista Brasileiro está aí para não nos deixar mentir – mas ocorre mais frequentemente em legendas que se moveram para a direita. Ou, ainda, em partidos de direita que permanecem onde sempre estiveram mas nunca permitiram que assim fossem identificados.

Diante disso, como o trabalhador irá descobrir naquele bufê de caras, sorrisos, bordões e promessas que inundam a TV quem merece sua confiança? Não é fácil. Mas uma providência é fácil de tomar: não votar naquele seu parente, amigo, colega ou vizinho que concorre por um partido que se apresenta como o que não é – alguns exemplos estão acima. Vale atentar para onde vai o seu voto. Ele ainda é uma arma e a vítima pode ser você.

*Ayrton Centeno é jornalista.

Edição: Daniela Stefano