Discurso de Bolsonaro se restringe ao eleitorado duro e não assusta no Nordeste
Há um ano, em uma praça de Goiana, mata norte de Pernambuco, esperava um ônibus para voltar ao Recife e ouvia a conversa dos condutores e cobradores de vans. O papo era sisudo e sobre política: em quem votar, se Lula era culpado, se Marina era mesmo candidata. Um deles quis quebrar o clima com uma piada: "Eu vou é votar em Bolsonaro para ele dar revólver pra todo mundo", disse, conseguindo seu objetivo de fazer todos caírem na gargalhada.
A imagem desse diálogo expressa o que as pesquisas de opinião comprovam cientificamente. No nordeste, Bolsonaro não tem vez. Muitos são os motivos, mas o maior deles é que seu discurso violento e preconceituoso é uma facada no estômago do povo pobre nordestino, fiel eleitor de Lula e beneficiado direto pelas políticas sociais e econômicas dos 13 anos de governos petistas.
Também há um ano, um vídeo publicado nas redes sociais, onde Bolsonaro oferecia capim aos "eleitores de Lula" bastou para que centenas de nordestinos se sentissem diretamente ofendidos e descarregassem milhares de mensagens e vídeos atacando o candidato da extrema-direita.
Ao medir o peso do "afrodescendente" por "arrobas", em palestra no Clube Hebraica (RJ), referindo-se a membros de uma comunidade quilombola, esqueceu-se de que é no nordeste onde o movimento para regulamentação fundiária dessas comunidades é mais forte.
Também é no nordeste brasileiro onde as diferenças salariais entre homens e mulheres são mais discrepantes, principalmente para as mulheres negras. Não deve ser por acaso que o sucesso do grupo no Facebook "Mulheres unidas contra Bolsonaro", hoje com mais de 1,7 milhão de participantes, tenha entre as idealizadoras militantes feministas recifenses.
Mas como é possível afirmar que o extremista não vai passar dos seus atuais índices de eleitores no nordeste, que giravam em torno de 8 e 15% quando Lula ainda figurava nas pesquisas? Porque quando o eleitor de Lula reconhecer Fernando Haddad como seu candidato, este vai suplantar seu principal concorrente em pouco tempo. Aliás, por isso a chiadeira da direita como a pesquisa da Vox Popolli dessa semana, que já colocou o petista em primeiro lugar e por um único motivo: o instituto associou o candidato como o "ungido" por Lula para substitui-lo na chapa presidencial.
Mesmo em menos de 30 dias de campanha, Fernando Haddad ficará conhecido como o "candidato de Lula" no Nordeste. Além do reforço do guia eleitoral, cujo foco dos últimos programas é essa transmutação de Lula em Haddad, as candidaturas do arco de alianças do PT estão entre as primeiras colocações nas pesquisas em todos os estados do nordeste. Todos. Diversas projeções dão como eleitos no primeiro turno os governadores do PT (Piauí, Ceará, Bahia) e em algumas pesquisas a candidata a governadora no Rio Grande do Norte, a senadora Fátima Bezerra. Também é provável que o governador do PCdoB no Maranhão e aliado do PT, Flávio Dino, ganhe de primeira.
Na Paraíba e Alagoas, candidatos a governo do MDB que estão em primeiro lugar nas pesquisas declararam informalmente e oficialmente voto no PT. Em Sergipe, o PSB e PT estão em coligações diferentes, mas Lula era primeiro lugar em todos os cenários. Em Pernambuco, o governador do PSB aderiu à campanha de Haddad depois de conseguir, em acordo com o PT nacional, a retirada da candidatura da vereadora do Recife, Marília Arraes. Ou seja: cenário adverso para o extremismo de direita.
O futuro da campanha de Bolsonaro é incerto e ele talvez, sequer, possa estar presente fisicamente no segundo turno. Seu vice não vai repetir o fenômeno de militância espontânea. Bolsonaro arrastou multidões por onde passou, ganhou manchetes de jornais, beneficiou os candidatos a deputados que o carregaram no andor, mas seu discurso se restringe ao seu eleitorado mais duro, não tem vez e não assusta no Nordeste.
Jonatas Campos é jornalista, ex-repórter de jornais locais, da Revista Caros Amigos e ex-correspondente na Venezuela pelo Opera Mundi e Brasil de Fato.
Edição: Daniela Stefano