Eleições 2018

Depois de sofrer ataques virtuais, mulheres reforçam mobilização contra Bolsonaro

Candidato não cita questões de gênero no plano de governo, mas tem histórico de discursos violentos contra mulheres

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Manifestações de rua foram convocadas em todo o país para o próximo dia 29
Manifestações de rua foram convocadas em todo o país para o próximo dia 29 - Arquivo/Agência Brasil

O candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL) tem um histórico recente de insinuações de estupro e discursos agressivos contra mulheres. Não à toa, é o presidenciável que ostenta os maiores índices de rejeição em quase todas as pesquisas de intenção de voto.

Às vésperas da eleição de outubro, essa rejeição motivou a criação de um grupo no Facebook para reunir mulheres indignadas ou que se sentem ameaçadas pelo discurso de ódio manifestado pelo candidato do PSL. Intitulado “Mulheres unidas contra Bolsonaro”, o grupo reúne mais de dois milhões de usuárias.

Depois de sofrer uma série de ataques virtuais, no último final de semana, as mulheres passaram a divulgar mensagens com a hashtag #meubolsominionsecreto, que chegou a ser o termo mais citado nas redes sociais do Brasil. As mensagens denunciam homens que têm discursos moralistas e práticas machistas e fazem alusão ao apelido "Bolsominions", dado a apoiadores do parlamentar.

Em seu plano de governo, o candidato não especifica nenhuma ação que pretende implementar em relação às mulheres, nem menciona temas relativos à questão de gênero. No entanto, em pronunciamentos públicos, Jair Bolsonaro se manifesta contra o aborto e é solidário aos empresários que pagam menores salários para mulheres do que para homens que exercem a mesma função.

Em entrevista recente ao Jornal Nacional, da TV Globo, a jornalista Renata Vasconcellos mencionou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apontam que as mulheres recebem salários em média 25% menores do que os homens. Em seguida, ela lembrou que Bolsonaro defende que o presidente não interfira esse quadro de desigualdade. O candidato do PSL mostrou-se irritado e atribuiu novamente a responsabilidade às mulheres. “Por que o Ministério Público do Trabalho não age? Eu não tenho ingerência sobre isso. É só as mulheres denunciarem”, respondeu.

A polêmica sobre a diferença salarial entre homens e mulheres começou em 2014, em uma entrevista concedida por Bolsonaro ao jornal gaúcho Zero Hora. “Eu sou liberal. Defendo a propriedade privada. Se você tem um comércio que emprega 30 pessoas, eu não posso obrigá-lo a empregar 15 mulheres. A mulher luta muito por direitos iguais, tudo bem. Mas eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso país, com tantos direitos trabalhistas. Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? ‘Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade…’ Bonito pra c..., pra c...! Quem que vai pagar a conta? O empregador. No final, ele abate no INSS, mas quebrou o ritmo de trabalho. Quando ela voltar, vai ter mais um mês de férias, ou seja, ela trabalhou cinco meses em um ano”, afirmou Bolsonaro.

Para Nalu Faria, que integra a coordenação da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), o argumento do presidenciável não se sustenta. “Primeiro que é direito das mulheres terem seu trabalho reconhecido com isonomia, ou seja, para igual trabalho o salário deve ser igual”, afirma. A psicóloga ressalta que a maternidade não é uma questão individual e também tem uma função social. “É obrigação do Estado e das empresas garantir o direito das mulheres quando elas são mães”, avalia.

Desprezo

A trajetória do candidato do PSL é marcada por discursos de ódio contra negros, indígenas, quilombolas, população LGBT e grupos de esquerda. No que diz respeito às mulheres, Bolsonaro é reconhecido por frases como "tenho cinco filhos. Quatro foram homens e na quinta dei uma fraquejada e veio uma mulher", dita em 2017, e “não te estupro porque você não merece”, esta última direcionada para a deputada Maria do Rosário (PT), em 2014.

Em 2011, o militar da reserva participou do programa CQC, da TV Bandeirantes, e respondeu a uma pergunta da cantora Preta Gil, questionando o que faria se seu filho se apaixonasse por uma negra. "Preta, não vou discutir promiscuidade com quer que seja", disse. "Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu".

De acordo com o jornal O Estado De S. Paulo, no dia internacional da mulher deste ano, Bolsonaro participou de ato em Minas Gerais e foi questionado se trabalharia para aumentar a participação feminina na política caso fosse eleito. “Respeito as mulheres, mas alguém aqui quer a volta da Dilma por acaso?”, respondeu. “Não é questão de gênero. Tem que botar quem dê conta do recado. Se botar as mulheres vou ter que indicar quantos afrodescendentes?”, afirmou Jair Bolsonaro.

Para Nalu Faria, o discurso de ódio de Bolsonaro e suas atitudes “realmente fascistas de pregar a violência” são incompatíveis com a democracia. “Além de tudo, é reforçado pelo tipo de visão dele como [a defesa] das mulheres receberem menos e o desprezo que têm da participação da política das mulheres”, avalia.

Ataque ao grupo 

O grupo do Facebook “Mulheres unidas contra Bolsonaro” foi atacado no último final de semana. O nome chegou a ser alterado para “Mulheres com Bolsonaro” e as administradoras do grupo tiveram seus perfis invadidos.

No sábado, a página oficial de Jair Bolsonaro no Twitter publicou uma imagem do grupo, após ser invadido e ter o nome alterado, com a descrição “Obrigado pela consideração, Mulheres de todo o Brasil!”.

Para Patrícia Cornils, do coletivo Actantes, que defende a privacidade e segurança online, o ataque mostra que os apoiadores do Bolsonaro tentam silenciar o debate público. “Não é fácil fazer isso, as administradoras foram hackeadas por alguém que entende disso. E foi dentro do Facebook, isso é importante ressaltar, porque o que entendo dessa história é que a plataforma não oferece segurança para seus usuários”, afirma.

O grupo já foi recuperado pelas administradoras originais na tarde de ontem e foi transformado em grupo secreto por questão de segurança. “Todo mundo, principalmente as mulheres, precisam tomar cuidados com sua segurança online”, afirma Cornils. Ela recomenda não usar a mesma senha em diferentes redes sociais. “Também é necessário habilitar uma autenticação em duas etapas, e assim, toda vez que entra na rede social recebe um aviso no celular para confirmar se é você que está entrando. É bacana estar atenta a segurança, porque os ladrões que capturaram o grupo de Mulheres contra Bolsonaro invadiram a conta da administradora, o celular dela, enfim, não tem limites e são muito agressivos”, afirma.

Mobilizações em 29 de setembro

As mulheres que iniciaram manifestações nas redes sociais articulam-se para tomar as ruas de várias cidades do país no próximo dia 29. "A mobilização é muito importante não só nas redes, mas também nas ruas. Vamos fazer uma grande mobilização no dia 29 buscando uma conscientização e afirmação geral de que nós não aceitamos alguém como essa pessoa para governar o Brasil, porque nós não aceitamos ser governadas por quem não nos respeita", afirma Nalu Faria.

Em São Paulo, o ato será no Largo da Batata a partir das 14h. Em Recife, será na Praça do Derby a partir das 14h. No Rio de Janeiro, a mobilização será na Cinelândia a partir das 16h.

Edição: Daniel Giovanaz