Coluna

Eles queriam interditar o futuro

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O veto do JN à divulgação dos programas é uma seta de neon piscante apontando a estrada que o rentismo abomina porque serve ao povo.
O veto do JN à divulgação dos programas é uma seta de neon piscante apontando a estrada que o rentismo abomina porque serve ao povo. - Ricardo Stuckert
Vasconcellos&Bonner, sem querer, colaboraram com as candidaturas do Progresso

As birras da dupla dinâmica do Jornal Nacional ao sabatinar Fernando Haddad, repetindo em tom maior o que já haviam feito com Ciro Gomes, poderiam ser interpretadas como mera empáfia de “cabeças falantes” com grande audiência ou pura arrogância de quem se vale da credencial de “jornalista profissional isento” para fazer campanha eleitoral negativa. Ambas componentes existem, mas quero destacar outro aspecto que me parece mais decisivo e que tem rebates na atuação das forças progressistas envolvidas na batalha pelo voto popular.

A bateria de interrupções (mais de cinquenta, segundo quem andou contando), o repisar monocórdio de críticas, o estilo pseudoindignado, tinham meta: manter a atenção dos telespectadores em uma versão falsificada do passado. E mais: só do passado anterior ao golpe de 2016. Para além de martelar a associação do candidato petista com temas espinhosos – particularmente a corrupção nas relações Estado X empresários e os maus resultados da opção econômica liberal de 2015 – o que os dirigidos de Ali Kamel intentavam era inibir qualquer divulgação do que se propõe para o futuro dos brasileiros.

O amanhã é letal para a direita, porque ela é fiel transeunte da “Ponte para o Futuro”, a pinguela do liberalismo antropófago cujo maior arauto é o popularíssimo Michel Temer. Falar no futuro a partir dos esteios dessa ponte é defender “taxa mínima de desemprego”, é regozijar-se com a absoluta precarização das relações de trabalho, é passar a foice nos desembolsos estatais com saúde, educação, saneamento, moradia e transporte coletivo.

O futuro proposto por Bolsonaro, Alckmin, Marina, Amoedo, Álvaro e Meirelles – neste ano o cardápio de iguarias oferecido pela banca aos eleitores é nada variado e muito dividido – não tem atratividade e é pleno de vida ruim para quem não possui aplicações financeiras significativas. Leva à queda contínua da produção industrial por força da repressão da demanda das famílias – pouco emprego, pouco salário, muito imposto sobre consumo, juros de agiota e completa insegurança dos contratos de trabalho - acompanhada por baixa competitividade nas exportações de manufaturados, fruto de tributação que onera a produção somada a taxa de câmbio que estimula importações até de manteiga e fronhas.

Demole o mercado interno e coloca barreiras no acesso aos mercados mundiais, trava os setores produtivos e reforça o círculo vicioso de alto desemprego, baixa arrecadação tributária, primarização da economia e expansão mambembe de um setor de serviços de baixa produtividade que paga mal, lucra pouco e disfarça como “empreendedorismo” o subemprego estrutural.

Os âncoras do passado sabem bem de tudo isso, daí sua ânsia de impedir que qualquer menção a propostas e iniciativas fosse verbalizada por Fernando Haddad. Que tenham optado pela morte do jornalismo e pela má educação frente a dezenas de milhões de brasileiros, ao falarem quase aos gritos e mais do que o entrevistado, é demonstração cabal da preocupação que tinham e têm com a resposta dos eleitores a uma opção de futuro muito distinta do deserto que oferecem.

Involuntariamente, no entanto, Vasconcellos&Bonner colaboraram muito com as candidaturas do Progresso. As coordenações das campanhas de Boulos, Haddad e Ciro receberam um sinal adicional de que a insistência na apresentação de propostas claras, objetivas, mensuráveis, de geração de empregos, de ampliação do poder de compra dos salários, de retomada da capacidade do Estado em prover bons serviços públicos, de recuperação dos investimentos públicos e privados e de aceleração da produção industrial é rota certeira para coletar votos. O veto do JN à divulgação dos programas é uma seta de neon piscante apontando a estrada que o rentismo abomina porque serve ao povo.

Toda a bateria de pesquisas de intenção de votos, publicada nos últimos dias, converge em dupla indicação: acelerada transferência de votos “lulistas” para Haddad e forte resiliência da candidatura Bolsonaro. O choque frontal entre Ordem e Progresso tende a ser o quadro em 7 de outubro e é nas migrações de eleitores das candidaturas menos viáveis de cada um dos campos em direção ao “voto útil” que se definirá a força relativa com que cada campo contará para a batalha decisiva do segundo turno.

O que as campanhas já sabiam – a maioria dos brasileiros tem fortes memórias positivas de um passado recente, ojeriza ao presente do golpe e muito interesse na “volta dos bons tempos” – a bancada do Jornal Nacional fez o favor de reforçar, adicionando um ingrediente-chave: quem traduzir esses sentimentos, desejos e interesses latentes em propostas firmes e compreensíveis contará com o voto de multidão, superando o apelo da Ordem.

A sabatina do candidato tentou se agarrar ao passado para interditar qualquer ideia de futuro que não seja o mais da mesma “ponte”. As candidaturas progressistas só têm a ganhar propondo aos eleitores a travessia do rio em outro barco, o do desenvolvimento com distribuição, para reabrir o ciclo de progresso que nos leva a um Brasil do futuro para todos. 

Edição: Daniela Stefano