Nesta semana ouvi um diário de notícias sobre as eleições exclusivamente comentado por jornalistas mulheres pela primeira vez na vida e fui instigada a refletir sobre essa questão do quão as mulheres estão sendo vistas como decisivas para os rumos das eleições presidenciais em nosso país em 2018.
Como se tivessem descoberto “a grande novidade”, campanhas têm feito de tudo para “ganhar” as mulheres, que predominam entre indecisos que definirão seus votos no último momento. Ao mesmo tempo, as mulheres têm sido o elemento dinamizador e novo nestas eleições ao, de forma suprapartidária, se somarem na campanha #EleNão, que aglutina cada vez mais mulheres contrárias à eleição de Jair Bolsonaro – muitas sairão às ruas com esse mote no próximo sábado (29).
Além de diversas militantes feministas de esquerda, a campanha já tem o apoio de artistas como Daniela Mercury, Anitta e até a apresentadora assumidamente de direita Raquel Sherazade. Mas o que é importante refletir e ponderar sobre estes dois movimentos, duas semanas antes das eleições?
O poder das mulheres
Um primeiro elemento a levar em consideração: mulheres são as responsáveis pela sobrevivência das famílias no nosso país; são as principais responsáveis financeiras de 40% das famílias – percentual que mais que dobrou entre 2001 e 2015. São decisivas na reprodução da vida, não somente pensando no sentido maternal do termo – ter filhos – mas no sentido do amparo coletivo e uma rede de apoio (ou de delegação) que se desenvolve entre as mulheres para dar conta de trabalhar, estudar, cuidar de filhos e familiares idosos e também para terem algum respiro e momento de lazer.
Alguns homens têm modificado o seu papel tradicional na divisão sexual do trabalho e vêm adentrando à repartição das tarefas domésticas e de cuidados, mas a reprodução da vida segue sendo uma tarefa fundamentalmente partilhada entre mulheres. Além disso, elas já constituem ao menos metade da força de trabalho assalariada.
Mulheres são, assim, decisivas na sustentação cotidiana da economia. Portanto, diferente de muitas posturas que são reproduzidas em campanhas eleitorais, o que as afeta não diz respeito exclusivamente às políticas sociais, como mais creches, ou políticas “remediadoras”, como mais segurança “para seus filhos” ou o combate à violência sexista.
Mulheres, sobretudo negras, integram significativamente a parcela da população que pôde nos últimos anos (sim, sob os governos petistas) alcançar estudos técnicos ou universitários, que saíram do emprego doméstico para efetuar outras funções no setor de serviços ou na indústria, que de modo geral alcançaram empregos melhores que os anteriores e que hoje enfrentam o aumento do desemprego e a piora das condições de trabalho, isto é, empregos com menos direitos e proteções.
O que significa que políticas econômicas relacionadas ao trabalho (emprego e os direitos a ele associados, valorização de salário mínimo) são fundamentais – porque estruturais – para as mulheres.
Não adianta ter creche onde deixar os filhos para trabalhar se não houver empregos com salários suficientes para que sustentem ou co-sustentem suas famílias. Não adianta combater violência doméstica contra as mulheres com medidas protetivas e de acolhimento às vítimas sem enfrentar as desigualdades materiais que mulheres sofrem em relação aos homens, ganhando menos que eles e desprovidas de autonomia econômica para tomar decisões como uma separação.
Motivos econômicos para apoiar #EleNão
Por essas razões, proponho uma reflexão no sentido de agregar elementos à campanha #EleNão. É preciso que saibamos que Jair Bolsonaro não é somente o candidato explicitamente machista, misógino, racista, homofóbico, pró violência, saudoso da ditadura, que desrespeita todas as brasileiras, inclusive as de direita, ao integrar em sua campanha músicas que associam mulheres a cadelas. Essa seara do “comportamento bruto” parece ser de certo modo confortável para ele porque provoca adesões, em especial masculinas.
É preciso também adentrar ao campo no qual ele consegue ser tão ou mais perigoso: o campo econômico. Ele tem apresentado, por meio de seu economista Paulo Guedes (“posto Ipiranga”), propostas ultra-neoliberais, como aumentar os impostos da população trabalhadora para 20%. Hoje quem é pobre já paga proporcionalmente mais imposto do que quem é rico no país – porque paga muito imposto no consumo, sobretudo de alimentos.
Pensando nas mulheres como prioritariamente preocupadas com a comida nas bocas de seus familiares, uma medida dessa natureza significaria aumentar o abismo entre pobres e ricos no país e um retrocesso para as mais pobres, já que mulheres predominam entre quem ganha até 1 salário mínimo e paga este percentual maior de imposto com relação ao que ganha.
Enquanto há candidaturas preocupadas em isentar os/as mais pobres de impostos – quem ganha até 5 salários – ou lidar com seu endividamento, Bolsonaro tem políticas que contribuiriam no seu maior endividamento e incapacidade de compra.
O mais fiel ao governo Michel Temer
Além disso, enquanto deputado, teve uma atuação nula no sentido propositivo – mas foi bem ativo em apoiar projetos federais do governo Temer que cortaram ou degradaram direitos – seu partido, o PSL, chegou a ser considerado, em pesquisa publicada pela Gazeta do Povo, como o mais fiel às votações de propostas do governo Michel Temer, mais que o próprio MDB.
Bolsonaro votou a favor da reforma trabalhista, que retira direitos dos trabalhadores e piora significativamente a qualidade dos empregos – o que é avassalador para as mulheres trabalhadoras que já predominam no setor de serviços com vínculos de trabalho instáveis e pouca remuneração.
Todo o processo de estruturação do mercado de trabalho, que começou a avançar na última década, com redução do desemprego e aumento do emprego formal e valorização do salário mínimo, entram em desmonte.
Bolsonaro votou também a favor da “PEC do teto”, um projeto que congelou por 20 anos o investimento público em saúde, educação, assistência e outros serviços públicos tão necessários a toda a população, mas cuja retirada é sentida sensivelmente pelas mulheres. Na prática, falta de verbas e piora do serviço nas escolas e no SUS só crescerão, sobretudo considerando que, com os anos, a população usuária desses serviços no país cresce, mas encontrará equipamentos públicos com o orçamento congelado.
E ainda, dizer #EleNão precisa mostrar seu lado corrupto ao empregar funcionária fantasma denunciada em 2018, além de já ter tido um irmão também empregado como funcionário fantasma em 2016 – ambos exonerados após a descoberta.
Mulheres por todos os direitos
Como mulheres, sejamos muitas vozes a dizer #EleNão. Mas reivindiquemos ser reconhecidas em nossa relevância cotidiana e nas nossas necessidades amplas, que vão além de sermos vistas como mães ou vítimas de violência.
Somos trabalhadoras, somos estudantes, “não queremos só comida, mas diversão e arte”, almejamos autonomia sobre nossos corpos, queremos respeito e dignidade e temos sonhos que hoje, para cada vez mais mulheres, não mais deixam de lado a questão da igualdade – o que tem total relação com cada vez mais mulheres se reconhecerem como feministas.
Enquanto feminista, trabalhadora, pesquisadora e preocupada com o futuro do país eu me somo a campanha #EleNão.
* Thaís de Souza Lapa, socióloga do trabalho, doutoranda em Ciências Sociais pela Unicamp, é da Marcha Mundial de Mulheres.
Edição: Daniela Stefano