A violação de direitos dos povos indígenas segue uma constante no Brasil. Os casos de violência contra o patrimônio, por exemplo, saltaram de 907 para 963 entre os anos de 2016 e 2017. O número engloba ocorrências como exploração ilegal de recursos naturais e conflitos relativos a direitos territoriais.
Outra faceta da violência está exposta na atuação do Estado brasileiro: o ano passado registrou 143 ocorrências de violência por omissão do poder público, que inclui desassistência nas áreas de saúde e educação, entre outros.
Os dados são do relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil – 2017”, divulgado na tarde desta quinta-feira (27), em Brasília (DF). Produzido anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário, órgão da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o documento traz ainda outras estatísticas.
Em 2017, houve 702 casos de mortalidade infantil e 132 de violência contra a pessoa – categoria que inclui ocorrências de ameaça, abuso de poder, violência sexual, lesão corporal, tentativa de assassinatos, entre outras.
Já o número de assassinatos foi de 110 no ano passado. Embora não tenham registrado aumento em relação a 2016, esses três últimos índices são considerados alarmantes pelos especialistas do Cimi que produzem o relatório.
O coordenador da Regional Sul do Cimi, Roberto Liebgott, afirma que todos os tipos de violência acompanhados pelo Conselho têm sua centralidade na histórica disputa pela terra. Ele destaca que são cada vez mais comuns as investidas de grileiros e outros atores contra terras da União que, por lei, deveriam ser destinadas a comunidades indígenas.
“Em certos lugares, os proprietários [grileiros] estão transferindo as terras pra empresas explorarem. Depois que você consuma essa situação, dificilmente vai reverter”, alerta.
Liebgott acrescenta que o avanço de fazendeiros e empresas sobre esses territórios tem sido no sentido de favorecer diferentes atividades econômicas, como a criação de gado e o plantio voltado ao agronegócio, além da exploração de recursos naturais e ambientais, como madeira e minerais.
Direitos
O indígena Laércio Akroá-Gamella, liderança atuante no Maranhão, conta que o cenário de violência impulsiona o avanço do racismo e a dificuldade de acesso aos direitos sociais. Segundo ele, muitos indígenas têm atendimento negado em postos de saúde por conta do preconceito com as comunidades tradicionais.
“Eles dão as costas pra você, como se não tivesse ninguém ali, como se você não tivesse o direito de ter aquela oportunidade. É difícil demais. Pra gente sair, tem que vestir roupas pra cobrir partes do corpo que a gente pinta, pra não ficar vulnerável [à violência]. A gente está sofrendo bastante”, desabafa.
Suicídio
Também é considerado grave por parte de lideranças e especialistas o índice de suicídio registrado nas comunidades. Em 2016, foram 106 casos e, em 2017, o número saltou para 128, segundo o relatório do Cimi. A assessora antropológica da entidade, Lúcia Rangel, aponta que o problema resulta das situações de conflito, que costumam abalar também a saúde mental dos indígenas.
“Isso gera [consumo de] bebida alcoólica, vontade de ir trabalhar fora da aldeia pra pegar dinheiro e beber, enfim. Você tem um contexto social de pressão muito forte”, afirma.
Segundo a assessora, todas as estatísticas divulgadas no relatório são parciais, podendo sofrer alteração futura. Além disso, os pesquisadores estimam que haja uma situação de considerável subnotificação dos casos de violência, que tendem a ser mais numerosos.
O relatório do Cimi é produzido a partir de dados colhidos pelo Cimi nos estados e também junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde.
Congresso
Paralelamente ao lançamento do relatório de 2017, o Cimi lançou também a publicação “Congresso Anti-indígena”, que traz uma espécie de perfil dos parlamentares do Poder Legislativo federal que mais têm atuado contra os direitos das comunidades nos últimos anos.
Entre os destaques, estão os deputados federais Tereza Cristina (PSB/MS), Luis Carlos Heinze (PP/RS) e Jerônimo Goergen (PP/RS) e os senadores Antonio Anastasia (PSDB/MG), Simone Tebet (PMDB/RS) e Kátia Abreu (PDT/TO).
Segundo a pesquisa do Cimi, os seis são os parlamentares que mais receberam verba de empresas ligadas ao agronegócio. São montantes de R$ 2,6 milhões; R$ 1,6 milhão; R$ 1,5 milhão; R$ 4,4 milhões; R$ 2,8 milhões; e R$ 2,4 milhões, respectivamente.
O Conselho destaca a quantidade de pautas anti-indígenas colocadas em tramitação pela bancada ruralista, que reúne mais de 200 parlamentares. Somente em 2017, foram 23 novos projetos de lei que propõem retirada de direitos.
O secretário-executivo da entidade, Cléber Buzatto, destaca a necessidade de renovação dos membros do Congresso e o receio da entidade em relação à próxima legislatura.
“Uma eventual eleição de um parlamento com hegemonia igual ou maior que [essa] dos setores anti-indígenas aumentará e muito o risco de que ocorram efetivamente retrocessos do ponto de vista legal e factual”, afirma.
O Congresso Nacional tem pelo menos 17 propostas legislativas que preveem, por exemplo, a alteração nos processos de demarcação de terras indígenas.
Edição: Diego Sartorato