Mesmo com a decisão da Justiça Federal de anular a patente do Sofosbuvir, medicamento que aumenta as chances de cura da hepatite C, para especialista em Propriedade Intelectual a solução mais definitiva seria a emissão de licença compulsória do Ministério da Saúde.
De acordo com a nota da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a hepatite C é uma epidemia global, responsável pela morte de milhares de pessoas anualmente. No Brasil, a enfermidade representa 70% dos óbitos e atinge cerca de 50 mil pacientes, que dependem do tratamento para viver.
Em 18 de setembro, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu a patente do medicamento Sofosbuvir para a empresa farmacêutica Gilead Sciences, o que inviabilizaria a fabricação do medicamento genérico a um custo mais baixo pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), unidade da Fiocruz. Após dois dias foi ajuizada uma ação na 14ª Vara Federal Cível do Distrito Federal pedindo a quebra da patente em caráter liminar. No domingo (23), a Justiça Federal deferiu o pedido e anulou o ato administrativo do INPI.
Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual (GTPI) da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), considera que a decisão liminar da Justiça Brasileira deve ser mantida, mas avalia que a medida mais acertada para ampliar o acesso ao medicamento seria o posicionamento do governo Federal.
“Uma solução muito mais permanente e definitiva para o caso do Sofosbuvir seria emissão da licença compulsória pelo Ministério da Saúde, porque mostraria, de uma vez por todas, que o Ministério da Saúde estaria determinado a erradicar a hepatite C do Brasil até 2030. Estaria comprometido com a universalidade do acesso ao medicamento e que quer colocar, de fato, o interesse público e a garantia do direito à saúde à frente do privilegio de uma empresa transnacional”, reforça Vilardi.
O licenciamento compulsório de patente pode ser solicitado por governos para atender e garantir o acesso a medicamentos essenciais que visam a necessidade da saúde pública, mesmo que o detentor da patente não autorize. A emissão deste tipo de licença prevê remuneração ao detentor. Em 2007, o Brasil adotou licença compulsória para o medicamento Efavirenz usado no tratamento a pessoas que vivem com HIV/AIDS.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em matéria publicada no site, informa que o tratamento para a doença com o Sofosbuvir custa para o governo brasileiro R$ 35 mil por paciente.
A produção do medicamento genérico seria realizada pelo Farmanguinhos em convênio com o consórcio BMK — três empresas do setor privado de capital nacional, a Blanver, Microbiológica Química e Farmacêutica, e Karin Bruning Consultoria. Após estudos, o fármaco foi registrado junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em julho deste ano, a um custo para a pasta de US$ 8,50 o comprimido, o equivalente hoje a R$ 33,93.
O preço de cada tratamento (84 dias) sairá por pouco mais de R$ 5 mil. O custo por paciente já chegou a US$ 84 mil, o que restringia o acesso de quem precisa do antiviral.
A reportagem do Saúde Popular procurou o INPI, por meio de sua assessoria de comunicação, mas não houve retorno do contato.
Outros caminhos
Como a liminar é uma ordem judicial provisória existe a possibilidade da empresa deter novamente o monopólio da produção do remédio, mas de acordo com Jorge Mendonça, diretor da Farmanguinhos, está em verificação o pedido de patente concedido pelo INPI à empresa. "Não foi a molécula final do medicamento que foi concedido no pedido de patente, e sim o intermediário químico, que leva à molécula final”. Ele explica que este seria um caminho para se chegar a essa molécula.
“O que a gente está estudando é que a forma como a gente obtém o nosso Sofosbuvir, que é diferente da forma que a empresa descreve a obtenção da Sofosbuvir dela”.
Se o estudo mostrar que é possível produzir o medicamento de modo diferente ao que a empresa alega ser inovador, talvez haja possibilidade de produzi-lo mesmo que a liminar seja cassada, esclarece o diretor da Farmanguinhos. No entanto, a proposta ainda está em análise, para não haver nenhum problema judicial.
De acordo com a nota da Fiocruz, o Brasil é signatário do Plano de Metas apresentado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para a eliminação da hepatite C até 2030. Conforme o Ministério da Saúde, a meta é tratar 19 mil pessoas este ano, e 50 mil pacientes a partir de 2019 até 2024. Em 2025, o número passaria a 32 mil ao ano, com estimativa de reduzir em 65% a mortalidade pela doença até 2030.
Abrasco e GTPI pedem intervenção do Ministro da Saúde no caso hepatite C
Edição: Cecília Figueiredo