A proposta de fusão da Embraer, companhia brasileira do ramo de aviação, com a Boeing, multinacional estadunidense, vem sendo alvo de críticas em diferentes áreas.
O negócio foi anunciado em julho deste ano, com a criação de uma joint venture, que consiste no surgimento de uma nova companhia, com vistas à divisão dos resultados.
Pelas informações oficiais, a Embraer teria direito a 51% do capital, mas um memorando – anteriormente sigiloso – assinado entre as duas empresas indica que a brasileira contaria apenas com 20% do total e não teria poder de decisão nos rumos da nova companhia, previamente batizada de NewCo, que teria a Boeing como controladora social e administrativa.
Além disso, as ações resultantes desse documento firmado entre as partes ficariam a cargo da Justiça dos Estados Unidos, e não do Judiciário brasileiro.
O memorando veio à tona nas últimas semanas, após iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), que abriu um inquérito civil para apurar possíveis consequências trabalhistas no âmbito da Embraer. A suspeita do órgão é de que a Boeing tenha a intenção de transferir a produção de aeronaves comerciais brasileiras para o exterior. Matéria do Estado de S. Paulo desta terça-feira (2) aponta que as empresas pretendem incluir a instalação de uma linha de montagem nos Estados Unidos do cargueiro militar KC-390, um dos projetos mais promissores da empresa brasileira.
A Embraer se constitui como uma empresa privada de capital aberto, mas tem o governo brasileiro como acionista especial com direito a veto, o que faz com que a fusão entre as companhias precise ser aprovada pelo chefe do Executivo. Apesar de ainda não ter sido oficialmente avaliada, a medida já levanta polêmicas e preocupações.
Em São Paulo, nos últimos meses, um grupo de advogados ingressou com uma ação popular na Justiça Federal pedindo que a União vete o acordo. Uma das justificativas apresentadas é a de que a medida é inconstitucional porque fere os interesses nacionais.
“Do jeito como as coisas estão sendo colocadas, não há garantia alguma de que a gente não vá ter interferência direta na nossa soberania, e num momento geopolítico extremamente conturbado pro mundo inteiro, especialmente pra América do Sul”, argumenta o advogado Rodrigo Salgado.
A polêmica segue em meio a um contexto nebuloso. Do ponto de vista dos trabalhadores, sindicalistas se queixam que os funcionários não têm tido acesso à informação no que se refere à nova operação.
De acordo com Herbert Claros, da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (Sindmetal-SJC), os trabalhadores temem que haja uma demissão em massa, especialmente se a companhia norte-americana transferir o polo de produção local para os Estados Unidos.
A Embraer tem cerca de 18 mil funcionários, dos quais 16 mil no Brasil, e promoveu mais de 400 demissões desde janeiro deste ano, segundo informações do Sindicato. O avanço recente das negociações entre as companhias aumentou a tensão entre os funcionários.
“Os trabalhadores, vendo agora informações vindas da imprensa, e não só do Sindicato, estão começando a ficar com ainda mais medo dessas operações, estão convivendo com muito mais desconfiança. O clima de apreensão dentro da fábrica é muito forte”, conta.
A reportagem procurou a assessoria de imprensa da companhia para ouvir a empresa a respeito desse e de outros aspectos que envolvem a fusão, mas as ligações não foram atendidas.
Tecnologia e Economia
Outra frente em que surgem faíscas em torno da fusão da Embraer com a Boeing é a da esfera tecnológica e desenvolvimentista. O professor Marcos Barbieri, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, destaca que a fabricante brasileira tem grande importância como produtora de tecnologia de ponta. Por conta disso, é referência nacional e mundial.
A empresa ocupa o terceiro lugar no ranking global de fabricação de jatos comerciais, sendo líder no segmento de aeronaves de até 130 assentos. Também produz peças e oferece serviços em unidades distribuídas em quatro continentes – América, África, Ásia e Europa. Os produtos da Embraer alcançam mais de 60 países, segundo dados oficiais da companhia.
“O único setor em que o Brasil tem uma inserção ativa, [em que ele] se destaca e realmente desenvolve tecnologia é no setor aeronáutico. Nos outros, temos um grau de dependência muito grande. Países como Coreia, que nós admiramos pela tecnologia da inovação, e Japão não têm uma indústria aeronáutica como a Embraer”, afirma.
O professor ressalta ainda que a companhia atua como vetor no desenvolvimento de diferentes tecnologias, o que resulta num outro elemento importante: os saldos comerciais. A Embraer é a terceira maior exportadora do Brasil, sendo superada apenas pela Petrobras e a Vale.
Em 2017, por exemplo, a companhia fechou o ano com lucro líquido de R$ 795,8 milhões, uma alta de mais de 35% em relação ao ano anterior, segundo dados oficiais da fabricante.
Ao todo, cerca de 4,5 mil engenheiros de alta qualificação trabalham na empresa, não só no desenvolvimento de projetos, mas também na busca por novos mercados. Barbieri projeta que uma eventual perda dessa mão de obra poderia trazer alto risco para o país em termos de posicionamento internacional e econômico.
“Existe um conhecimento técnico, mas também um conhecimento mercadológico fantástico. Se essa operação for concretizada do jeito como está colocada, a Embraer como nós conhecemos deixa de existir. É uma perda muito grande”, considera.
O acordo entre a companhia brasileira e a Boeing será avaliada pelo governo brasileiro até o dia 5 de dezembro deste ano.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque