Na esteira dos acontecimentos das eleições de 2018, a polarização política entre forças conservadoras e progressistas surge, novamente, como pano de fundo dos debates. Mais que isso, tal configuração se anuncia também como delineadora dos rumos da disputa.
Nos últimos dias, a despeito da existência de 13 candidatos que concorrem ao cargo máximo do país, o discurso polarizador tomou as rédeas do debate na corrida rumo ao Planalto. Diferentemente das eleições anteriores, em que o jogo político tinha PT e PSDB como os dois grandes pólos ideológicos do tabuleiro, em 2018, é a extrema direita que ocupa a ala mais conservadora do xadrez.
Diante do cenário apresentado pelas últimas pesquisas de intenção de voto, o país tende a viver um acirrado segundo turno envolvendo o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL).
O novo cenário destoa do histórico de eleições presidenciais no Brasil pós-ditadura militar, em que a direita liberal tradicional disputava o primeiro lugar no pódio. Diante disso e da emergência da extrema direita, a socióloga Monalisa Soares, do Laboratório de Estudos em Política, Eleições & Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), destaca a preocupação com o avanço do discurso de ódio em meio à polarização.
“Neste momento, temos um cenário mais complexo, que é o fato de que um dos polos é mais prejudicial ao próprio jogo democrático, revela uma possibilidade de colocar em xeque a própria dinâmica da disputa politica”, afirma.
A novidade se soma ainda ao contexto de uma campanha midiática de repúdio à esquerda, numa caçada que tomou fôlego durante os governos do PT. Como consequência desse caldeirão, a socióloga ressalta a falta de um debate político mais voltado ao conteúdo das propostas das diferentes chapas concorrentes.
“Há uma polarização menos programática, que se converteu menos no debate sobre as problemáticas do país e mais exclusivamente sobre a ideia de rechaço de um grupo político. É por isso que, nesse sentido, é tão fácil pros candidatos do centro dizer que eles [Haddad e Bolsonaro] são lados da mesma moeda, [argumento] de que discordo”, afirma.
O discurso de existência de uma terceira via tem sido utilizado especialmente por candidatos como Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede). Os dois primeiros estão tecnicamente empatados em terceiro lugar e a candidata da Rede ocupa a quarta posição no ranking de intenções de voto, segundo a última pesquisa Datafolha, divulgada nessa terça-feira (2).
Os três têm surfado na onda da polarização entre Haddad e Bolsonaro para tentar emplacar a ideia de que representariam uma força inédita e mais voltada a uma proposta de conciliação nacional.
“[Esse discurso] tem se mostrado uma estratégia inviável porque essas candidaturas não decolam, não saem do lugar e, em alguns casos, oscilam negativamente. O fato de criticar a polarização nos termos em que eles têm feito, que é colocar o PT e o Bolsonaro na mesma vala, prejudica enormemente o PT, mas não o Bolsonaro”, analisa a socióloga.
Histórico
Como antecedente do atual cenário, especialistas destacam, em geral, o peso das articulações que levaram ao golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff (PT).
O tensionamento político entre PT e opositores – estes, com destaque para o PSDB, embalados especialmente pela não aceitação da derrota nas urnas em 2014 – favoreceu o surgimento e a proliferação de grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o “Vem pra rua”, ambos surgidos no seio da direita.
“A grande novidade neste ano é o PSDB caminhando pra ficar fora [da disputa]. Quem soube capitalizar em cima disso foi a candidatura do Bolsonaro. Até por isso o PSDB perdeu muito terreno eleitoral na região onde ele sempre foi majoritário, que é a Centro-Sul”, aponta o cientista político Rafael Moreira, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).
Com a desidratação da candidatura do PSDB, a polarização se alimenta, então, da disputa entre Haddad, que tem consigo parte das forças progressistas, e Bolsonaro, que aglutina apoios como os de atores com discurso armamentista, ruralistas, setores evangélicos mais conservadores, entre outros.
Análise
A socióloga Esther Solano, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destaca que a polarização, no cenário político, não necessariamente é um fator negativo para a democracia.
Organizadora do livro “O ódio como política – a reinvenção da direita no Brasil”, lançado no mês passado, ela ressalta, no entanto, que a concentração da disputa em duas forças majoritárias difere do que tem sido observado no Brasil, especialmente no pleito nacional.
“Uma coisa é você ter de fato adversários políticos – e a democracia se constrói justamente a partir dos conflitos políticos e dos contrários –, mas outra coisa é ter uma polarização que se constrói na ideia da negação e da aniquilação do outro”, pontua, mencionando a candidatura de Jair Bolsonaro.
Ao se debruçar sobre o tema, a socióloga, vê relação entre os temas da antipolítica, do antipetismo e do antiesquerdismo como aspectos que se comunicam, entre outras coisas, a partir de uma rejeição a pautas identitárias, como as bandeiras LGBTs, feministas e da igualdade racial.
Esses pontos, juntos, teriam sido o motor do avanço do ódio no país – que impulsiona não só movimentos de direita como o MBL, mas também candidaturas como a de Jair Bolsonaro (PSL).
“Você tem, na verdade, uma conjunção de vários fatores: a frustração com a política tradicional; a negação do PT e da esquerda, que tem muito a ver com uma questão de classe, de raiva e ódio ao pobre; e a negação conservadora aos movimentos [populares]. Basicamente, é uma agenda antidemocrática, de exclusão do outro”, finaliza.
Edição: Diego Sartorato