ESCÂNDALO

Suspeita de falso negativo provoca revisão de 44 mil exames pré-câncer em Pelotas

Confirmada a negligência, estará em xeque a competência do ex-prefeito Eduardo Leite (PSDB), candidato ao governo gaúcho

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
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Ilustração - Hals

Vinte e cinco mil lâminas e laudos de exames de pré-câncer realizados em Pelotas serão revisados pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HPCA), outros dois mil laudos estão sendo refeitos pelo Hospital de Piratini e mais 17 mil amostras devem ser analisadas pelo Instituto Geral de Perícias (IGP), na capital gaúcha. 

Esta é uma das consequências das suspeitas de fraude que pairam sobre os testes de detecção do câncer de colo do útero (Papanicolau) efetuados no município. Gerou-se um quadro de aflição entre milhares de mulheres que se submeteram ao procedimento nos últimos seis anos diante da denúncia de que os testes estariam liberados como “negativos” apenas “por amostragem”.

Até agosto de 2018, os exames eram realizados pelo laboratório Serviços Especializados de Ginecologia (SEG), encarregado pela prefeitura local para efetuar a tarefa. Caberia, portanto, à administração do município cobrar qualidade e fiscalizar o serviço. 

Hospital detecta 17 casos positivos

Dos primeiros 150 laudos reexaminados pelo Hospital de Piratini foram detectados 17 casos com resultados positivos, incluindo um caso de adenocarcinoma, ou seja, um tumor maligno, espécie de câncer bastante agressivo e, geralmente, de complicada remoção cirúrgica. Os demais casos constatados são de atipias – termo que indica que as células de determinado tecido apresentam aparência distinta das normais -- que necessitam de observação médica.

A informação é da farmacêutica Beatriz D’Ávila, responsável pelo laboratório do Hospital de Piratini, ao vereador Marcus Cunha (PDT). Cunha assumiu a titularidade da CPI que investiga as irregularidades nos exames de pré-câncer realizados pelo laboratório contratado pela prefeitura.

Segundo a farmacêutica, o Departamento da Saúde da Mulher, que integra a Secretaria Municipal da Saúde de Pelotas, já encaminhou ao laboratório 18 lotes com lâminas de cerca de 30 mulheres em cada lote.
Agora, por determinação judicial, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre ficará encarregado da reanálise das lâminas e laudos dos testes citopatológicos colhidos ao longo de 2015 e 2016.  A decisão foi do juiz da 6ª Vara Civil de Pelotas, Luís Antônio Saud Teles. As lâminas e laudos são aqueles apreendidos em agosto no SEG. 

São 25 mil amostras e laudos referentes retiradas do SEG e entregues ao cartório do Fórum de Pelotas. O laboratório está sendo investigado por supostamente realizar análise por amostragem.
Outras 17 mil amostras, correspondentes ao período de janeiro de 2017 a junho de 2018, foram retiradas do SEG pelo Ministério Público ainda em julho e devem passar por análise no Instituto Geral de Perícias.
Pela gravidade do assunto, o Brasil de Fato RS, acompanha de perto o que acontece em Pelotas. O “escândalo dos exames” ganhou repercussão na imprensa nacional. O teste tem papel fundamental na saúde feminina. É usado para prevenir o câncer de colo de útero, o terceiro mais frequente entre as mulheres. 

Caso confirmada a negligência, estará colocada em xeque não só a competência administrativa da atual prefeita Paula Mascarenhas, do PSDB, mas também a do ex-prefeito Eduardo Leite, do mesmo partido. Leite é candidato ao governo gaúcho.

Se é verdade que seus adversários têm usado politicamente o problema, também é fato que o PSDB não tem feito outra coisa senão esconder o escândalo do eleitor. 

493° lugar em investimento na saúde

Nos últimos anos, a saúde dos pelotenses não sofre apenas com a suspeita que paira sobre os exames de pré-câncer. A superlotação do Pronto Socorro, a falta de leitos nos hospitais, a longa espera por atendimento nas unidades básicas de saúde são outras preocupações.  

Pelotas ocupa o 493° lugar, entre os 497 municípios gaúchos, em investimentos na área da saúde. Os números mostram que, desde 2013, quando Eduardo Leite assumiu, a saúde pública não tem sido prioridade. O município gastava 21% de sua arrecadação em saúde; em 2013 baixou para 19,59%; em 2014, para 17,16%; em 2015, para 15,86% e em 2016, para 15%, o mínimo do mínimo constitucional. 

PSDB faz “operação abafa”

Após a denúncia, uma "operação abafa" foi desencadeada pela tropa de choque tucana e seus aliados. O que incluiu "congelar" a ação da CPI criada para investigar as denúncias. A manobra impediu que o ex-prefeito fosse ouvido pela CPI. Pelo menos até o final da campanha eleitoral.

Ao final de uma reunião confusa marcada por muitos protestos do público e a derrubada do requerimento que pedia o comparecimento de Leite, o vereador Marcos Ferreira, o Marcola (PT), que presidia a CPI, entregou o cargo. Foi sua resposta à decisão da maioria de manter como relator o vereador Enéias Clarindo (PSDB), integrante da tropa de choque da prefeita.

A suspeita de fraude existe há cerca de seis anos. É um caso macabro. De lá para cá, os índices de casos de câncer, antes similares ao restante do país, praticamente zeraram em Pelotas. Profissionais da rede pública de saúde desconfiaram quando perceberam que mulheres portadoras de lesões aparentes, recebiam laudos com o resultado normal. Mais grave ainda: mulheres começaram a chegar ao Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) já no estágio de metástase, mas seus exames apontavam normalidade. Desconfia-se que, de cada 500 exames apenas 5 eram, de fato, analisados como deveriam.

Funcionários da UBS do bairro Bom Jesus suspeitaram da situação e enviaram memorando à Secretaria Municipal de Saúde em julho de 2017. Também registraram em ata e comunicaram suspeição de exames por amostragem em março deste ano. Após a denúncia vir a público, a secretária municipal, Ana Costa, admitiu ter recebido o documento. Mas alegou que se tratava de uma denúncia informal e que providenciaria a troca do laboratório em nova licitação. Também surgiram relatos de mulheres e familiares que foram vítimas, inclusive com casos de óbito.

Na CPI, o pedetista Cunha critica a preocupação dos vereadores governistas em proteger o Eduardo Leite. Segundo ele, o ex-prefeito “veio às pressas à Pelotas, quando surgiram as denúncias, para se explicar. Por que não vem se explicar aqui (no Legislativo)? ”Acentua que “muito mais importante do que o período eleitoral são as mulheres que estão em casa e querem entender o que a administração fez desde 2014, quando a suspeita de problemas nos exames foi levantada pela doutora Júlia Recuero, pelo doutor Túlio (Resende) e pela enfermeira Aline (Geppert) da Rede Bem Cuidar”.


Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 6) do Brasil de Fato RS. Confira a edição completa.

 

Edição: Marcelo Ferreira