Antonio Caetano de Paula Junior, conhecido como Pai Caetano de Oxóssi, foi o único líder religioso a visitar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) duas vezes, na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde o ex-presidente está mantido preso há 181 dias.
Em sua primeira visita, no dia 1º de julho, Pai Caetano presenteou Lula com uma imagem de Xangô, o orixá da justiça. Na segunda visita, três meses depois, o umbandista disse que trabalhou novamente a simbologia do orixá, pedindo para que a verdade seja mostrada e que seja feita justiça ao ex-presidente.
O programa Democracia em Rede, produzido pela Rede Lula Livre e Rádio Brasil de Fato, entrevistou Pai Caetano, após a visita a Lula. O líder religioso falou sobre a situação do ex-presidente e o cenário político atual.
Brasil de Fato: Como foi o segundo encontro com o ex-presidente Lula?
Pai Caetano: Eu tive a dádiva de poder estar aqui pela segunda vez. A impressão que todos nós temos é a impressão que eu tive na primeira vez: é o exemplo de um guerreiro, o exemplo de uma pessoa que o tempo inteiro se olha e fala “eu não mereço estar aqui e, apesar de eu não merecer estar aqui, eu estou melhor do que muitos brasileiros. E, a cada dia que passa, eu sinto que tem mais brasileiros em situação de calamidade, a miséria volta. Então, eu vou lutar com todas as minhas forças para que eu possa um dia ajudar a reverter esse quadro.
Parece, pelo que você está contando, que o ex-presidente não ficou obscurecido por essa conjuntura.
Eu acredito que não existe nenhuma personalidade no Brasil, hoje, que paute tanto a vida social e política como o Lula. Você pode ser a favor ou ser contra, mas é impossível falar de política ou de história do Brasil sem falar nele. E ele tem essa grandeza, ele sabe dessa importância.
Uma liderança que iniciou um partido que talvez seja um dos maiores partidos de esquerda do mundo e liderou o Brasil por tantos anos. Ainda, ele não só participa, como eu acredito piamente que é o mentor, ou seja, ele pensa e reflete isso para a chapa e para todos aqueles que vão visitá-lo.
Na primeira vez que você fez a visita, houve certa animosidade. Como você tem sentido essa reação, e o que você tem visto mudar na conjuntura nesses 90 dias?
Nesses 90 dias, o que nós vimos no Brasil é um agravamento muito grande em relação ao ódio e à violência. Antes, a gente tinha até conversado sobre essas manifestações contrárias, um antipetismo, anti-lulismo que vinha numa escalada. Hoje, nós estamos vivendo uma situação polarizada, que me preocupa.
Eu acredito que nós não devemos fazer nada na nossa vida com ódio. Tudo que a gente faz com ódio, a gente faz mal feito e de forma negativa, ou seja, aciona energias que não são divinas.
E o que eu assisti naquela vez, quando eu saí daqui, foram agressões, comentários e ameaças. Mas isso só demonstra que a gente está do lado certo. Porque Jesus, quando esteve na Terra, nos disse: eu não vim para trazer a paz, mas o conflito. E o conflito de Jesus não é o conflito do ódio, não é o conflito da violência, mas é o conflito de ideias.
Na sua primeira visita, marcou muito a simbologia que você trouxe em relação a uma arte de Xangô, que representa justiça e que é a demanda que temos em relação à situação do ex-presidente Lula. Você também trabalhou desta vez as simbologias que a umbanda tem?
Quando nós trouxemos Xangô da primeira vez, foi uma entidade que falou "leve, que é o que ele mais está precisando". O que eu falei para o presidente Lula é que Xangô representa a verdade, a justiça, então vamos pedir para que ele traga a justiça.
Quando a gente fala isso, as pessoas pensam que eu estou defendendo o Lula. Não, eu estou pedindo que Deus mostre a verdade.
Hoje, ele [Lula] me apontou o dedo e falou: “eu fico olhando pra ele, às vezes eu fico meio bravo, sabe, Caetano, porque a justiça está meio tarda”. Eu falei: “ela tarda, mas não falha, presidente”.
A gente está vivendo uma semana também bastante forte com as mobilizações do #EleNão, organizadas pelas mulheres em diferentes estados. A comunidade da umbanda tem simpatia por essas mobilizações do #EleNão?
É difícil responder por todos. O que eu sinto é que muitas pessoas tem colocado o perigo que é termos no poder uma pessoa que fale abertamente, por exemplo, que um quilombola tem que ser medido por arrobas ou que não serve nem para procriar.
Naquele dia, eu vou lhe confessar, eu chorei. Porque eu estava do lado de um representante da comunidade judaica de Curitiba. Ele estava profundamente indignado e me falou que aquilo representava todas as sombras que o judaísmo tinha. Veja que ele não estava falando de negros. Ele associou isso ao nazismo. Isso mostra que é um perigo real, não só para negros.
Quantas pessoas morreram nos navios? Quantas pessoas morreram nas senzalas, no pelourinho?
Imagina o que é entregar uma imagem de Xangô para um presidente da República? Se até pouco tempo atrás isso era impensável porque nós éramos pretos. Então, não é um preconceito religioso, é racismo religioso. Pra nós, ele não, ele jamais, ele nunca. E não pra mim, eu acredito que para todos aqueles que têm essa consciência.
Na Vigília Lula Livre, todo domingo tem ato inter-religioso. Para vocês que estão na construção dessas matrizes religiosas, é importante ver um espaço onde se busca ter essa convivência entre o diferente?
É bonito poder estar diferente. Eu assisti você pegar, por exemplo, um monge budista, um padre e um pastor pentecostal e todos estarem dando as mãos para abençoar o público. É um exemplo de que nós construímos um Brasil para todos.
O fato de ter todo domingo um evento ecumênico mostra como essa é uma cultura de paz e o que nós mais precisamos no mundo é uma cultura de paz.
O que você leva no coração dessa conversa com o ex-presidente, e o que você vai contar para o seu povo lá no Bairro Alto?
O que eu vou contar para o meu povo é a importância de nós mantermos a fé. O que mais me marca é que precisamos continuar fazendo aquilo que a gente pode. Muitas pessoas me perguntam o que eu posso fazer? Eu falo: se você não consegue ver nada ativo, reze, ore, que você já vai estar fazendo alguma coisa.
Quer fazer mais do que isso: passe para o seu colégio, para seu clube, para seu trabalho. E se cada um de nós buscarmos essa relação de convivermos de forma solidária, pacífica e lutarmos por um mundo onde há respeito, nós estaremos encontrando o Brasil que estamos sonhando.
O que mais me marca é uma frase que ele [Lula] me falou na primeira vez e me falou agora: “eu não posso desistir, porque enquanto eu souber que uma pessoa está sofrendo, eu não consigo dormir em paz”. Isso é inspirador, que a gente possa fazer isso, buscar justiça social.
Nesse espírito da justiça social, frente a esses tempos que virão, a gente sabe que há grande possibilidade da vitória da chapa Haddad e Manuela, apoiada por Lula. E isso vai exigir talvez mais entrega, mais organização porque virão períodos turbulentos em que se tem que consolidar essa vitória.
Nós temos, no primeiro turno, o voto naquilo em que acredita. Essa história que está se propagando de fazer o voto útil é um risco. No segundo turno, nós temos a clareza entre aquilo que a gente quer e aquilo que a gente não quer, aquilo que é possível aceitar e aquilo que é impossível aceitar.
Então, no primeiro turno, meu apelo seria para que a gente faça um voto de consciência. Busque seu candidato, estude, olhe as propostas, o histórico de cada candidato, o que significa justiça social, quem é que realmente pode lutar por igualdade racial, por igualdade de gênero, quem tem uma política consolidada sobre justiça econômica e social.
Edição: Daniel Giovanaz