A socióloga Esther Solano lançou, no dia 1º de outubro, às vésperas do primeiro turno das eleições gerais marcadas pela liderança do candidato Jair Bolsonaro (PSL), o livro: "O ódio como política. A reinvenção das direitas no Brasil". A obra, impressa pela Editora Boitempo, traz análises de 15 pesquisadores sobre o papel e consequências da intolerância e do ódio em diferentes áreas sociais.
Solano é professora adjunta de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e professora do Mestrado Interuniversitário Internacional de Estudos Contemporâneos da América Latina da Universidade Complutense de Madrid, e tem como principal área de estudo os movimentos sociais e políticos. Desde 2017, ela entrevistou 25 eleitores de Bolsonaro, de diferentes contextos sociais, na tentativa de entender os argumentos e a linha em comum nas justificativas de escolha de candidato. A socióloga chegou à conclusão de que o fenômeno que denomina como "rebeldia conservadora" está presente nos discursos dos eleitores de Bolsonaro.
"A rebeldia é porque veem no Bolsonaro uma renovação, algo novo, anti-sistêmico, contra a política. Tem a esperança de que ele vai mudar algo. Mas são conservadores porque têm esse discurso da ordem, da tradição, da família", explicou. Ela destaca que a maior parte dos eleitores do capitão reformado do Exército não compram todo o pacote machista, racista e homofóbico dos discursos do candidato. "Não acreditam que ele seja tudo isso, mas que é muito exagerado na fala. Ou minimizam a importância desses discursos", contou.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Solano afirmou que considera "injusta" a teoria amplamente disseminada de que o Partido dos Trabalhadores (PT) funciona como cabo eleitoral do candidato, devido ao chamado "antipetismo". Ela destacou também que considera "falaciosa" a tentativa de colocar a candidatura de Fernando Haddad (PT) como um extremo oposto à de Bolsonaro. "Não gostar de Lula, do PT ou do Haddad é uma coisa, mas é um partido democrático, que não tem nada a ver com o que Bolsonaro propõe", afirmou. Na opinião da socióloga, é necessária a união de uma Frente Ampla democrática para impedir a eleição do candidato do PSL.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato -- Você identificou o que chama de "rebeldia conservadora" como um denominador comum entre eleitores de Bolsonaro. Acredita que esse fenômeno ainda pode convencer mais eleitores?
Esther Solano -- Acho que sim, uma coisa que vimos nas pesquisas é que muita gente vota no Bolsonaro não porque compra todo o pacote do discurso dele, mas porque vê no Bolsonaro uma renovação, algo novo, anti-sistêmico, contra a política. Tem a esperança de que ele vai mudar algo. E [é um movimento] conservador porque tem esse discurso da ordem, da tradição, da família. É um discurso ainda forte porque é o discurso de pessoas que, como são conservadoras, poderiam votar no PSDB, mas não votam porque o têm como um partido corrupto também, mais do mesmo, que rejeitam. Além disso, ao lado desse discurso antipolítica da rebeldia, há também um antipetismo muito forte. Nesse turno e no segundo, votam no Bolsonaro porque não querem o PT no poder.
A maior parte dos eleitores de Bolsonaro se identificam com os discursos racistas/machistas/homofóbicos e xenófobos?
Tem gente que não, porque dizem que não acreditam que ele seja tudo isso, mas que a imprensa age contra ele, ou que no fundo o problema é que ele é muito exagerado na fala. Tem muitos que minimizam esse discurso machista, homofóbico; as pessoas veem isso como uma consequência de ele ser uma pessoa sincera, honesta, que não se deixa levar pelo politicamente correto, muito espontâneo, e que acaba exagerando. Também há pessoas que acreditam nisso, são machistas, racistas, homofóbicos, mas muitos minimizam o discurso dele, dizendo que não é um discurso de ódio, que é exagerado dizer isso.
Tem sido muito divulgado o argumento de que o próprio Partido dos Trabalhadores (PT) foi e é cabo eleitoral de Bolsonaro, e que o partido, e o antipetismo, foram os principais responsáveis pela onda de ódio. A Rede tem esse argumento, por exemplo. O que você pensa sobre isso?
Eu acho muito injusto dizer que o PT é culpado pela onda Bolsonaro. No fundo, o que acontece é que o Bolsonaro de fato aproveita muito a onda antipetista, que tem vários fatores diferentes, primeiro que colou muito a ideia de que o PT é um partido corrupto. Na pessoa do Lula, principalmente, há um grande papel da imprensa nisso tudo. Também colou muito fortemente a ideia de que a crise é culpa do PT, do governo e Dilma Rousseff fundamentalmente, e também uma ideia muito importante, principalmente nas classes médias, que é a rejeição à ascensão social dos mais pobres, um discurso de classe. Então não acho que o PT criou o Bolsonaro, o que acontece é que Bolsonaro aproveitou muito de um discurso antipetista que é uma certa frustração contra o PT, o que é compreensível, mas ele inflamou e politizou muito isso.
Também há uma tentativa grande da mídia e dos partidos de centro-direita de criar uma imagem de que a candidatura de Haddad representaria um extremo oposto à de Bolsonaro. Uma crítica aos "extremos". Você concorda com essa afirmação?
Acho totalmente falacioso e muito desonesto falar isso, porque gostar ou não gostar do Lula, do PT ou do Haddad é uma coisa, mas o PT é um partido democrático, que não tem nada a ver com um candidato como o Bolsonaro, que propõe uma ruptura democrática. Uma pessoa racista, homofóbica. É um argumento eleitoral que não condiz nada com a realidade e, sobretudo, aumenta muito o antipetismo. É muito perigoso.
O que você pensa sobre o argumento de que os movimentos #Elenão foram responsáveis pelo recente crescimento de Bolsonaro nas pesquisas? Ao que acredita que realmente se deve o aumento de intenções de voto na última semana?
Eu acho que essa estratégia do #Elenão foi importantíssima, primeiro porque coloca a mulher na vanguarda, e a política brasileira é muito machista, então é muito importante dar visibilidade à mulher. Segundo que não é uma luta contra Bolsonaro, e sim pela democracia, é muito mais abrangente. Terceiro que as mulheres serão vítimas de Bolsonaro, caso ele ganhe a eleição, com seu discurso misógino. Essa estratégia de dizer que foi o #Elenão que impulsionou a candidatura de Bolsonaro é muito falaciosa, nada diz que foi isso, e muitos outros fatores interviram. Em paralelo, o Bispo Edir Macedo da Universal declarou apoio ao Bolsonaro, fez uma campanha muito intensa e houve uma campanha na imprensa com um antipetismo muito forte. Então essa fala desqualifica o movimento #Elenão, que é importantíssimo, e cumpre o papel da política machista de colocar as mulheres como culpadas de tudo.
Qual deveria ser a estratégia para enfrentar a candidatura de Bolsonaro?
A única estratégia seria que todos do campo democrático se juntassem contra ele, setores da mídia, do mercado, para desconstruir o discurso dele, sobretudo em relação à economia, porque as pessoas ainda não entenderam bem o que significa o Bolsonaro no comando econômico no país. Me parece que temos que fazer uma Frente Ampla Democrática contra ele, expondo seu ponto fraco: a área econômica.
Qual foi o objetivo e quais as expectativas para o seu novo livro?
O livro é uma tentativa de qualificar mais o debate, a gente fala muito sobre o ódio, mas o livro propõe o aprofundamento de algumas questões: a nossa forma de contribuir para a luta pela democracia, enquanto professores, é com nossas ideias e conhecimentos. Então é a ideia de fazer uma reflexão profunda do momento atual que vivemos, na questão da intolerância e do ódio, uma reflexão qualificada mas também política, que ajude a dar elementos para o debate. Há artigos de diferentes áreas falando da perspectiva sociológica, ou política, a questão LGBT, a questão religiosa, e como a intolerância se manifesta nessas diferentes vertentes. A introdução do livro é minha e eu falo um pouco sobre minha pesquisa e a importância da desconstrução do discurso da intolerância.
Edição: Diego Sartorato