A campanha de Jair Bolsonaro (PSL) tem duas frentes nas redes sociais: a primeira é oficial, com os perfis dele e dos familiares, que rebatem as posições que o candidato teve e tem, como apoio à tortura, ao racismo e ao fascismo; mas há uma outra campanha nas redes sociais que não podemos afirmar que seja oficialmente ligada à campanha, mas que possui uma série de páginas no Facebook e no Whatsapp em que prosperam uma série de inversões da realidade.
Nesses grupos não-oficiais, a questão acerca de um suposto anticomunismo retorna, com referências grotescas, como o Foro de São Paulo, notícias distorcidas sobre a Venezuela, com informações que refletem o programa de governo do Bolsonaro.
Essa campanha não oficial trabalha com o medo e a desinformação. O nível de notícias bizarras que circulam é altíssimo. Um exemplo é uma imagem que figura Fernando Haddad (PT) dizendo que, caso seja eleito, crianças a partir dos 5 anos vão ser propriedade do Estado brasileiro, que poderá decidir qual será a orientação sexual e a identidade de gênero dessas crianças. O que me deixa mais perplexo é que algumas pessoas acreditam nesse tipo de mensagem.
Durante os atos do #EleNão, por exemplo, houve um grande processo de distorção, como se os manifestantes estivessem atacando as igrejas, com imagens que não eram das manifestações e circulando nas redes socais. Eles criaram algo que é inédito, uma espécie de agência falsa de checagem de notícias, pegando fotos verdadeiras da manifestação no Largo da Batata, em São Paulo, e dizendo que era o Carnaval.
Conversando com o antropólogo Lucas Bulgarelli, que acompanha com mais rigor as redes sociais, é perceptível a operação ideológica desses grupos não-oficiais que operam na lógica do medo e do ressentimento. Os governos progressistas obviamente não resolveram todos os problemas do país, e o Bolsonaro atua em uma inversão. O bolsonarismo culpa os movimentos sociais pelas questões que os próprios movimentos denunciam: se o movimento negro denuncia o racismo, para os bolsonaristas é o próprio movimento negro que propaga a divisão racial no Brasil; as feministas seriam as responsáveis pela divisão de gênero no país, como se esses problemas não existissem antes.
Eles criam um passado idílico que nunca existiu. No caso do Bolsonaro, é a ditadura militar. É uma realização muito similar ao discurso fascista, que cria um passado onde tudo era perfeito, e que alguém estragou. No caso do Bolsonaro, quem estragou foi o PT, os movimentos populares, o movimento negro.
É um regime de coerência que é uma grande teoria da conspiração. Quando você conversa com um apoiador mais extremista do Bolsonaro, e apresenta uma verdade factual, ele simplesmente nega, porque aquilo nega o discurso dele. É interessante que nessa campanha subterrânea eles falam muito em sistema. O Bolsonaro seria o antissistema contra partidos como PT e PSDB, que, para os bolsonaristas, é um partido de esquerda, socialista; a rede Globo, que seria dominada por ideólogos de esquerda. Existe uma completa inversão da realidade que eles trabalham e tem feito as pessoas acreditarem.
Há um pensamento completamente fora do que nós chamamos de “racionalidade ocidental”. São formulações que surgem a partir de símbolos e emoções, não de fatos ou argumentos. Com uma visão conspiratória, tudo é barrado por seus seguidores, que veem em veículos de comunicação e jornalistas diversos uma grande conspiração da esquerda.
Edição: Guilherme Henrique