A onda de fake news -- "notícias falsas", em inglês, termo que se refere especialmente às mentiras que circulam as redes sociais disfarçadas de jornalismo -- que se alastra pelo país durante a semana anterior ao primeiro turno das eleições vem deixando partidos, candidatos e especialistas em estado de alerta.
No centro dos ataques, histórias envolvendo a candidatura do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), que tende a disputar o segundo turno contra o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL), como indicam as pesquisas de intenção de voto.
Haddad tem sido alvo frequente de correntes virtuais que proliferam, pelas redes sociais, as mais diferentes mentiras. De modo geral, as falsas informações miram não somente o presidenciável, mas também sua candidata a vice-presidente, Manuela d’Ávila (PCdoB), o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além da família de Haddad.
Entre as fake news que se destacaram nos últimos dias, estão o suposto plano do PT para confiscar poupanças bancárias, uma imaginária perseguição petista contra a comunidade evangélica, e a divulgação de falsas estatísticas pelas redes com o interesse de enfraquecer a candidatura PT/PCdoB.
Essas e diversas outras mensagens tiveram o conteúdo desmentido por diferentes plataformas que trabalham com checagem de dados no país. Apesar disso e da aparente desconfiança que as mensagens despertam, não são poucos os internautas que seguem compartilhando fake news.
Interesse do público
A advogada Flavia Lefreve, especialista em direitos digitais e integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), destaca que esse fenômeno é agravado não só pelo período de eleições, mas também pelo cenário polarizado que o país vive em torno da corrida rumo ao Planalto.
A especialista aponta que haveria um interesse das pessoas em ouvir discursos e narrativas que confirmem aquilo que elas defendem, o que poderia ajudar a explicar o compartilhamento massivo de mentiras.
“Quando chega uma notícia que reforça esse sentimento, num cenário de polarização e baixo nível de cultura e educação, como infelizmente a gente tem, a tendência é que isso seja consumido e passado pra frente”, afirma.
Ela também ressalta como elemento de força nesse cenário o fato de algumas plataformas dominarem a informação e a desinformação que chegam às pessoas, como é o caso do Facebook e do WhatsApp.
Os dois têm, respectivamente, 130 milhões e 120 milhões de usuários ativos no Brasil, segundo dados das próprias companhias. Esse último tem sido, inclusive, o principal canal de divulgação de fake news a respeito da chapa PT/PCdoB.
Flavia Lefreve destaca que, em geral, os produtores de conteúdos falsos utilizam robôs ou contratam pessoas para cuidarem da disseminação dessas postagens nas redes.
“Muitas dessas mensagens são direcionadas pra determinados perfis que são identificados pelos algoritmos utilizados nessas plataformas. Esse é um outro problema pro qual termos que ter atenção”, alerta.
Ideologia
Doutorando em Antropologia pela Universidade de São Paulo, Lucas Bulgarelli é autor do artigo "Moralidades, direitas e direitos LGBTI nos anos 2010", presente na coletânea "O Ódio como Política: a Reinvenção das Direitas no Brasil". Desde o início deste ano, tem acompanhado grupos em redes sociais de apoiadores de Bolsonaro. Um dos pontos que destacou em conversa com o Brasil de Fato é a reação de parte de seu eleitorado a posturas extremistas do candidato ou de seus militantes mais radicais, que as observam como "brincadeiras" ou "exageros".
"É um discurso muito forte, de matar mulheres, matar LGBTs. Nem que se diz de direita convive muito bem com isso. A coisa da 'brincadeira', de não parecer muito verdade, ajuda muito. Você não precisa necessariamente se vincular a um discurso claramente preconceituoso e até mesmo assassino. Essa 'brincadeira' vai alargando as possibilidades públicas disso ir acontecendo. Não é só brincadeira, há eleitores e eleitores", diz.
Os eleitores mais extremistas tem levado as "brincadeiras" a sério: durante a campanha eleitoral, militantes e candidatos progressistas, ativistas feministas e LGBTs tem sofrido agressões verbais e físicas. Bulgarelli entende que entre os mais extremistas, há a ideia de que a eleição de Bolsonaro se confirmará e representará um liberação da violência contra esses grupos.
O antropólogo entende que essa postura reacionária tem como elementos constitutivos a "criminalização da política" e uma leitura que inverte a realidade, sendo uma espécie de medo e de "ressaca" a avanços parciais na sociedade em termos de conquistas de direitos. Nela, grupos historicamente oprimidos são, na verdade, privilegiados. Uma ideia que pode ser sintetizada na concepção de "ditadura gay", recorrente em grupos de redes sociais: para os apoiadores de Bolsonaro, LGBTs, e outros setores, estariam dominando a sociedade e ameaçando o cidadão comum e a "família tradicional".
As mazelas não resolvidas de nossa sociedade, assim, teriam sido causadas por esses grupos. Para isso, cria-se um passado não existente na realidade, mas que é imaginado como perfeito ou melhor que o atual, explicando as diversas referências positivas à ditadura militar.
"É uma sensação de que as coisas não melhoraram, então há um revolta contra todo o sistema político. É como se todos fossem responsáveis por isso. Isso cria uma sensação, nos posts do Facebook aparece muito, de que as pessoas foram preteridas. Existe uma espécie mecanismo de tratar e culpar os movimentos sociais pelas próprias mazelas que eles apontam. O feminismo passa ser o culpado pela divisão de gênero. O movimento negro é culpado pela divisão de raça e pela desigualdade", aponta.
Combate
No caso da disputa nacional pela Presidência da República, para tentar administrar o problema, o PT criou, nessa quarta-feira (3), um canal de denúncias via WhatsApp. Somente nas primeiras 12 horas, o partido recebeu 5 mil notificações.
A ideia é tentar identificar os produtores e disseminadores de fake news e, paralelamente, trabalhar na distribuição de conteúdos que contestem os falsos dados publicados nas redes.
Flavia Lefreve avalia que a medida pode ajudar no combate ao problema e defende ainda que o país adote, dentro de uma visão de médio prazo, outras alternativas para barrar a onda de notícias falsas nas redes sociais.
Ela cita a necessidade de investimentos preventivos, como, por exemplo, por meio da educação escolar. A ideia seria fortalecer esse e outros canais que pudessem alertar a população sobre como lidar com conteúdos na internet.
“A gente precisa ensinar as pessoas não exatamente a desconfiar, mas a checar a noticia. Não é porque ela chega pelo seu tio, pelo seu primo que necessariamente aquilo é verdade. É importante tentar ter um senso crítico”, afirma.
Edição: Diego Sartorato