Em entrevista concedida à Rádio Brasil de Fato, logo após a confirmação pela Justiça Eleitoral que haverá segundo turno entre Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), o integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Pedro Stedile afirmou que a próxima etapa das eleições presidenciais permitirá ao eleitorado conhecer de forma mais detalhada as propostas políticas e os interesses que representam cada candidatura.
Stedile entende que é preciso explicar à população que o programa econômico de Bolsonaro, desenhado pelo economista ultra-liberal Paulo Guedes, defende políticas como o aumento de impostos para pobres e redução para ricos.
Em sua avaliação, Bolsonaro ganhou votos por ter se apresentado como um "candidato anti-sistema, apesar ser, neste momento, o maior representante do capital".
Mesmo em caso de uma derrota do campo democrático, Stedile vê que haverá possibilidade de continuidade da luta política progressista: "Em um eventual governo Bolsonaro, não há motivo para desespero. As contradições vão aumentar, os problemas vão aumentar. Devemos reforçar nosso trabalho de base, nosso trabalho ideológico. Reforçar o trabalho para a resistência".
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Qual sua avaliação das eleições deste domingo?
João Pedro Stedile: Bem, estava se desenhando que o eleitorado queria mudanças. Mudanças do que via na velha política. Dos velhos políticos. E, de certa forma, a eleição não seguiu tanto a força dos partidos tradicionais. E essa mudança aparecia no Lula. Infelizmente, a ditadura de toga, claramente infringindo as leis desse país, impediu que Lula fosse candidato. Porque, à essa altura, nós estaríamos comemorando a sua vitória em primeiro turno.
O Bolsonaro, de certa forma, desde o início, vinha aglutinando esse eleitor despolitizado, despartidarizado, que queria mudanças. Então, ele conseguiu galvanizar a ideia de que ele é o candidato antissistema. Apesar de que, nesse momento, ele é o maior representante da burguesia brasileira, do capital, desse sistema político de dominação.
Ele justamente vai ao segundo turno porque tem habilidade ideológica de enganar os pobres e dizer: "Sou contra os ricos". Repete, de certa forma, o papel que o [Fernando] Collor fez em 89, quando, como legítimo representante da Globo, fez aquele discurso contra os marajás, enganou os pobres e derrotou o Lula nas eleições.
Nominalmente, houve surpresas, sobretudo, desagradáveis no Senado. Porque nós perdemos vários senadores valorosos que no último período tinham se caracterizado como lutadores, contra o golpe, contra todo esse desmanche da soberania nacional. Perdemos o [Roberto] Requião, perdemos o Lindbergh [Farias], perdemos a Vanessa Graziottin, que foram senadores muito importantes. Mas, por outro lado, apesar de estarem de braços com Bolsonaro, eles também perderam Magno Malta, no Espírito Santo, perderam no Maranhão o [Edison] Lobão, Sarney Filho, que representava a oligarquia.
Talvez o que tenha sido mais simbólico é o Eunício [Oliveira]. Porque até o PT fez aliança com ele no Ceará. Foi quase uma frente ampla, uma chapa única, da qual o MST sempre se opôs -- ainda que ele, hipocritamente, afirmasse que apoiava o Lula. Felizmente, o povo cearense é mais sábio que o PT do Ceará e ele foi vetado do Senado.
No seu lugar, eu acho que veio um personagem bom, que é amigo do movimento, o Cid Gomes. Ele foi governador e fez uma bela política de educação e construiu muitas escolas nos assentamentos do MST no Ceará.
Haddad ganhou na maioria dos estados do Nordeste. Como avaliar essa vitória?
Não há novidade no Nordeste. Se pegarmos as eleições anteriores, com o Lula foi assim. Eu acho que, no segundo, não vai pesar a questão partidária. É claro que o Haddad vai ter que costurar com os partidos, sobretudo com o PDT. Claro que ocorrerão conversas partidárias, mas não é isso que vai decidir o eleitor.
Eu acho que, no segundo turno, não vai pesar regiões também. Vai ser, agora sim, uma disputa de projetos e de classes. No Nordeste, o Haddad ganhou, mas não é porque moram no Nordeste. É porque lá existe uma população pobre, que mudou de vida com os governos Lula e Dilma e, portanto, adquiriu uma consciência de classe.
Como só são dois candidatos, fica mais claro que se tratam de dois projetos. O Bolsonaro, apesar do discurso hipócrita dele, é claro que representa asa forças reacionárias deste país. Não é por nada que a maior parte das forças armadas o apoiam, a maior parte dos membros a Polícia Militar o apoiam, a maior parte dos banqueiros, representados pelo Paulo Guedes, que é proprietário de fundos de investimento do Banco Bozano. Então, acho que vai ficar mais claro para a população. E é isso que eu espero que o Haddad explique para a população. Mais do que ser porta-voz do Lula, ele tem que ser porta-voz da classe trabalhadora.
Será que este discurso, de desnudar qual projeto o Bolsonaro representa, vai surtir efeito nas urnas?
Tem que surtir efeito. Até porque, no primeiro turno, o Bolsonaro se escondeu atrás da facada.
E qual o papel da militância nesse processo?
Primeiro, vamos continuar desnudando quais são as forças que estão por trás do Bolsonaro. Ele está recebendo assessoria de inteligência do exterior, que representa a força do capital internacional dando respaldo. Assim como é preciso denunciar toda essa maquinaria de robôs, que a gente sabe custam muito dinheiro, e que ele está usando para fazer a guerra midiática nas redes.
Nós temos que explicar para a população, nós temos que dialogar com os trabalhadores, com os mais pobres. E, para isso, tem que usar argumentos, fatos. Temos que dizer para a população também não se assustar, porque eles estão usando muito o medo, e mostrar que, embora o Bolsonaro tenha ideias fascistas, não há um movimento fascista no Brasil. Não há base social para o fascismo no Brasil.
Surpreende o Bolsonaro ter vencido no Norte? Tem relação com a aliança dele com os ruralistas?
As regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil são onde o latifúndio é amplamente hegemônico na sociedade. Não é só que ganham as eleições: eles dominam as igrejas, é lá que estão os quarteis, eles dominam a vida da sociedade. Lá, é muito difícil a esquerda se desenvolver porque não existe uma classe trabalhadora. A classe trabalhadora migra, vem procurar emprego no Sudeste ou em outras regiões.
Isso não me preocupa. O que me preocupa é que agora, no segundo turno, nós temos que fazer um trabalho de base, ir de casa em casa, fazer reuniões nas paróquias, nas igrejas, convocar os pastores progressistas para explicar para a população que votar no Bolsonaro é votar no aumento do gás, no aumento do aluguel, no aumento de ônibus. E, olhando para o mapa do Brasil para ver como é contraditório, a maioria dos governadores em número [eleitos] foram progressistas. Então, nós estamos bem com candidatos a governador. Não significa que a população tomou um chá de fascismo e agora vota no fascismo.
A maioria das pessoas que votam no Bolsonaro pensam em mudança, mas é a minoria dos que realmente concordam com as pautas mais agressivas dele.
Você tem razão. A grande força do Bolsonaro é que ele conseguiu mobilizar uma militância, policiais militares, Forças Armadas, principalmente, da reserva, a maioria da maçonaria e esses serviços de inteligência que o ajudaram nas redes. Da mesma forma como eles conseguiram convencer alguns pastores, que não tem nada de evangélicos no sentido do evangelho, que usando falsas notícias, temas como matrimônio gay, apavoraram a população a população que tem valores conservadores e os pastores, fizeram campanha aberta para o Bolsonaro, e isso explica porque a campanha da Marina desidratou.
E quais os eventuais desafios de um governo Bolsonaro ou de um governo Haddad?
Num eventual governo do Bolsonaro, não existe motivo para nós nos desesperarmos. Pelo contrário. Nós devemos reforçar nosso trabalho de base, reforçar o trabalho ideológico, reforçar o nosso poder político em outros espaços para fazer a oposição. Então, se perdermos o espaço do Executivo, será motivo para nós termos mais cuidado na luta política: reforçar a energia em construir meios de comunicação populares, para poder levar as ideias da classe trabalhadora e a leitura da classe trabalhadora faz, de forma coletiva, da conjuntura política. Eles não têm proposta para o Brasil. Um governo Bolsonaro vai ser de quatro anos de uma crise profunda.
Edição: Daniel Giovanaz