Jair Bolsonaro, candidato à presidência pelo PSL, protagonizou um dos episódios mais alarmantes da medicina brasileira e que pode ter levado muitos pacientes à morte, ao se aliar ao movimento de aprovação da fosfoetanolamina sintética, a chamada pílula do câncer, que comprovamente não faz efeito e nem pode ser chamado de medicamento, pois não passou por todas as etapas do processo de testes das agências reguladoras.
A liberação da substância fraudulenta foi objeto de um dos dois projetos de lei de autoria de Bolsonaro que foram aprovados em 27 anos na Câmara. A liberação do medicamento foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Depois de proibida no Brasil, a fosfoetanolamina seguia sendo vendida como um suplemento alimentar pela empresa Quality Medical Line, sediada nos Estados Unidos, e que tinha como um dos principais acionistas o empresário Humberto Silva De Lucca, que esteve preso por duas ocasiões, depois de condenado pelos crimes de porte ilegal de arma, receptação e uso de documento, praticados em 2002, em Balneário Camboriú (SC).
"Muita gente certamente pode ter morrido porque acreditou nessa mentira da fosfoetanolamina e abandonou os tratamentos convencionais. Esse é um caso que eu considero como uma das maiores vergonhas da ciência brasileira. Virou um caso de polícia. As pessoas que tem familiares com câncer acreditam porque estão desesperadas", disse o professor da Unicamp.
Luiz Carlos Dias, professor titular do Instituto de Química da Unicamp, acompanhou de perto toda a história do uso fraudulento da substância como tratamento para o câncer. Segundo ele, o mais grave da situação é que os pesquisadores que, ao lado de Bolsonaro, apoiavam o tratamento, recomendavam a suspensão de outros métodos, estes sim eficientes, como a quimioterapia e a radioterapia.
"A pressão popular e principalmente dessa avidez por votos dos nossos políticos levou esses estudos a serem feitos diretamente em seres humanos, não respeitando todas as etapas de testes. Questões éticas muito sérias foram burladas aí. Porque os políticos estavam interessados, obviamente, em votos", disse o professor.
O outro projeto de lei de autoria de Bolsonaro que foi aprovado é o que estendia o benefício de isenção do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para bens de informática.
Questionado sobre o fato de ter aprovado apenas dois projetos de lei durante quase três décadas de atividade parlamentar em uma entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, em 2017, o presidenciável Jair Bolsonaro respondeu: “A Dilma [Rousseff] apresentou algum projeto na vida dela? O [João] Doria apresentou algum projeto? Não tem nada a ver uma coisa com a outra”.
Um sete um
Foram 171 projetos de lei, lei complementar, decreto de legislativo ou propostas de emenda à Constituição (PECs) durante a vida pública de Bolsonaro, entre os quais propostas direcionadas a atender aos interesses dos militares. No ano 2000, por exemplo, o deputado apresentou um projeto de lei (PL 3662/2000) que visava anistiar as multas aplicadas aos militares por irregularidades na ocupação de imóveis funcionais.
Em sua cruzada contra as chamadas minorias políticas, Bolsonaro também foi o autor de propostas polêmicas, como o Projeto de Decreto Legislativo 18/2015 que visava suspender os efeitos de resoluções da Secretaria de Direitos Humanos que garantem o uso de nome social para travestis e transexuais nos boletins de ocorrência da polícia militar e em instituições de ensino.
Outra proposta polêmica e sem sucesso foi o Projeto de Decreto Legislativo apresentado em 1993 pelo deputado que visava anular o decreto de homologação da demarcação administrativa da terra indígena Yanomani, nos estados Roraima e Amazonas (PDC 365/1993).
Pela primeira vez desde 1999, quando foi criado, o Ministério da Defesa passou a ser chefiado por um militar, após o golpe de estado em 2016, que levou Michel Temer (MDB) ao poder. Mas antes mesmo de consumado o golpe, em março de 2016, o deputado Jair Bolsonaro apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC 191/2016) para determinar que o Ministro da Defesa fosse escolhido por oficiais generais das Forças Armadas.
O analista político Fernando Amaral avalia que Bolsonaro, por mais que tente passar uma imagem de nova opção política, sem ligação com partidos tradicionais, é um político que se encaixa no perfil mais básico de parlamentar das últimas décadas, que faz de tudo para ficar à sombra do poder.
"O deputado Jair Bolsonaro sempre foi do baixo clero, como Severino Cavalcante e outras figuras folclóricas, que se caracterizam por este paroquialismo. Falar que ele é antissistema é ignorar um dos grandes problemas do país, que é este palacianismo e o que ele representa. O PSL, do Bolsonaro, é o partido mais fiel do governo Temer", disse.
Edição: Diego Sartorato