Privatização

Professores de IFs denunciam tentativa de desmonte da formação técnica integrada

Em seminário no MEC, Sistema S e institutos privados propuseram parceria para ofertar o eixo de ensino técnico

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Seminário Desafios e Perspectivas no Itinerário de Formação Técnica e Profissional do Ensino Médio aconteceu no fim de setembro no MEC
Seminário Desafios e Perspectivas no Itinerário de Formação Técnica e Profissional do Ensino Médio aconteceu no fim de setembro no MEC - Ministério da Educação

Professores de Institutos Federais (IFs) estão denunciando uma tentativa de desmonte da formação técnica integrada no ensino médio, durante as reuniões de aprovação da Base Nacional Comum Curricular e a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEMs) no Conselho Nacional da Educação (CNE).

De acordo com eles, há um interesse de entidades privadas de educação, como as que formam o Sistema S, em construir as diretrizes de forma que facilite sua inserção em parcerias público-privadas de ensino.

Isso porque, apesar de a Lei 13.415/2017, conhecida como Reforma do Ensino Médio, possibilitar itinerários formativos integrados, a minuta sobre as Diretrizes Curriculares para a Educação Técnica e Tecnológica, apresentada pelo CNE, sob a relatoria do conselheiro Rafael Lucchesi, propõe separar necessariamente a formação nos cinco eixos: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas e sociais aplicadas; e ensino técnico e profissional. Dessa forma, o aluno optaria por apenas um eixo de aprendizado, e as escolas e institutos seriam divididos de acordo com o eixo que ofertam. Hoje, o ensino técnico é ofertado principalmente pelos IFs e pelas ETECs.

Para o professor de filosofia do Instituto Federal do Rio de Janeiro, Marlon Tomazella, um suposto desmembramento do tipo de ensino promovido pelos IFs representaria um retrocesso "à década de 1990".

"Os IFs foram criados com uma outra proposta de formação humana, para além da preparação da juventude como mão de obra de trabalho. Com esse desmembramento morreria completamente a possibilidade de um ensino integrado. Toda a tentativa de criar um projeto político pedagógico de uma formação integral e completa, tanto para o trabalho quanto para um pensamento crítico e participação social se perderia", afirmou.

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia é um projeto de instituições especializadas na oferta de uma educação que une os conhecimentos técnicos às suas práticas pedagógicas, e foi sancionado em 2008. Os IFs fazem parte da Rede Federal, que hoje possui 664 campi em funcionamento, uma expansão de 500 unidades entre 2003 e 2016, a grande maioria no interior do país. A proposta de continuidade da expansão dos IFs foi defendida pelo candidato Fernando Haddad no último debate presidencial realizado antes do primeiro turno das eleições, na Rede Globo.

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O entendimento do CNE foi apresentado aos Pró-Reitores de Ensino dos Institutos Federais durante o seminário Desafios e Perspectivas no Itinerário de Formação Técnica e Profissional do Ensino Médio, realizado entre 25 e 26 de setembro no Ministério da Educação (MEC), e divulgado aos professores de todo o país por meio de uma apresentação de Power Point.

Após o evento, os pró-reitores elaboraram uma carta ao Conselho Nacional dos IFs, expressando a preocupação com o futuro do ensino técnico integrado ao Ensino Médio.

No Power Point do CNE está expresso que a ideia de que o país precisa se preparar para um cenário conhecido como a quarta revolução industrial, pelo qual, segundo o texto, as novas tecnologias estão modificando o mundo do trabalho. O documento sugere também a possibilidade de participação das entidades privadas no oferecimento do eixo de ensino técnico e profissional. Por este motivo, os professores dos IF se preocupam também com a possibilidade da privatização do ensino técnico no país. No entanto, segundo Tomazella, a distribuição não fica clara no documento do CNE.

"Como na maioria das escolas, com exceção de Etecs, não tem ensino técnico, foi apresentada vagamente a ideia de que o Sistema S poderia atuar em escolas estaduais para oferecer esses itinerários formativos de cursos técnicos e tecnológicos. Não ficou claro se o Sistema S atuaria nos Institutos Federais, se concentrariam nos Institutos Federais o ensino exclusivamente técnico, enquanto fariam o geral em outra instituição", afirmou.

Privatização

Já para o professor de Direito e Filosofia Sidinei Cruz Sobrinho, que leciona no Instituto Federal Sul-rio-grandense, a privatização do ensino técnico seria prejudicial para os alunos.

"A situação em que colocam essas propostas ameaça significativamente a rede federal de educação profissional, colocando a perspectiva da privatização da educação pública. Os milhões de crianças, jovens e adolescentes que hoje têm acesso à educação profissional pública, gratuita e qualificada, correm um grave risco de perder esse direito. Com essa privatização, aconteceria o sucateamento da Rede Federal, colocando a educação profissional à mero serviço da indústria e do mercado de trabalho. Não que a educação profissional não forme e habilite para o mercado, mas também faz na perspectiva da formação integral e na construção do ser humano como um todo", afirmou.

O relator das DCNEMs Rafael Lucchesi teria interesse em delegar ao Sistema S a função de oferecer os cursos técnicos e profissionalizantes, já que ele também é Diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Diretor Superintendente do Serviço Social da Indústria (SESI), entidades parte do Sistema S. Contatada pela reportagem, a assessoria de imprensa da CNI afirmou por telefone que Lucchesi "não iria responder à demanda" de comentar as críticas feitas pelos professores. A falta de diálogo com os educadores é uma das demandas colocadas na carta dos pró-reitores dos IF.

"Lembramos que a construção das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional Técnica de Nível Médio (Resolução CNE/CEB nº06 de 2012) levou mais de três anos para ser concluída, exigindo um amplo e profundo debate com os diferentes atores da educação profissional", destaca o documento.

O Brasil de Fato conversou também com a socióloga Camila Clementino, que em 2016, trabalhou para o Sistema S em uma série de reuniões e workshops sobre a implementação do projeto da Indústria 4.0, ou quarto revolução industrial, com parceria do Governo Federal. Ela acredita que esse foi o início do processo de oferta e expansão do ensino técnico privado relatado pelos professores. Clementino afirmou que durante os eventos se tornou claro que o ensino das matérias de humanas não eram prioridade ou mesmo contempladas pelos planos de ensino.

Edição: Diego Sartorato