"Vamos aparecer sempre que sentirmos que a democracia está ameaçada". A frase é de Celso Frateschi, ator, diretor e um dos fundadores do Teatro Núcleo Independente, em funcionamento desde a década de 70. Ele é um dos organizadores do “Ato Cultura com Haddad e Manuela", que acontece na terça-feira (16), às 18 horas, na Quadra dos Bancários, região central de São Paulo.
O ato é realizado pelo movimento Arte pela Democracia, composto por sindicatos, cooperativas e artistas independentes. Segundo Frateschi, o movimento tem como objetivo garantir os valores democráticos, que, na atual situação política, de acordo com os artistas, estão representados na chapa de Haddad e Manuela.
Além de atuar em teatro e televisão, Celso também foi Secretário Municipal de Cultura de São Paulo em 2003. O ator é dono do teatro Ágora, onde está atualmente em cartaz com o monólogo “O Grande Inquisidor Século XXI”. A peça aborda o reaparecimento de Jesus Cristo e sua relação com o inquisidor que quer condená-lo a todo custo.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Celso Frateschi fala sobre a atualidade do monólogo, a importância do posicionamento dos artistas na eleição e as consequências de um governante que não enxerga a cultura de forma positiva.
Brasil de Fato -- Você está em cartaz com uma peça, que chama O Grande Inquisidor Século XXI, um monólogo na verdade. Não é a primeira vez que você encena, gostaria que você falasse um pouco sobre do que se trata e qual a relação, do contexto, com o atual momento político em que estamos vivendo.
Celso Frateschi -- Então, O Grande Inquisidor é um capítulo de um grande livro do Dostoiévski que chama Os Irmãos Karamázov. É a terceira montagem que a gente faz desse capítulo, porque ele coloca questões que são muito importantes, principalmente para o momento que a gente está vivendo agora.
Como um clássico, ele coloca questões pra cada época de uma maneira diferente.E há 10 anos a gente viu uma situação diferente aqui neste país, então a gente resolveu, por uma opção estética, política aqui do Ágora Teatro, a remontá-lo, porque acho que ele tem algumas questões, algumas colocações, algumas provocações principalmente, que tem muito a ver com os dias de hoje.
A questão exatamente dessa mitificação de um determinado líder, de como a liberdade acaba sendo entregue, às vezes, de uma maneira dócil para um poderoso e como e o que isso pode trazer de desgraças para nós. A peça gira em torno de um inquisidor, a original né, em que em um determinado dia em Sevilha, Cristo volta. Exatamente em um dia em que se queimaram, na noite anterior, mais de cem hereges.
E esse Cristo volta e começa a fazer as suas bondades, seus supostos milagres, lidar com as pessoas e conversar com aqueles que eram, até então, desassistidos. E o inquisidor não tem dúvida: encarcera o Cristo e o interroga durante uma noite inteira. E aí ele mostra um pouco como que para a Instituição, para o poder, o Cristo voltando só atrapalha e é preciso deixá-lo calado, por isso ele vai ser queimado.
E esse enredo coloca questões que, dá pra perceber, tem muito a ver com o momento que estamos vivendo agora e a gente achou importante alertar, mais uma vez, os perigos que corremos aí com esse avanço, no caso do Brasil, de um tipo como esse coronel aposentado.
Falando um pouco disso ainda, esses riscos, o que você acha, quais seriam as consequências e o risco mesmo para a cultura, para a classe artística, para a cultura no geral, caso o Bolsonaro ganhe a eleição?
O Bolsonaro é um perigo para a cultura, mas não para a cultura strictu senso, só. Sem dúvida nenhuma ele é um perigo para a arte porque a pessoa que defende a morte não pode estar, de alguma forma, em sintonia com nada artístico. Com nada que pressupõe a transcendência, que pressupõe a superação do humano no sentido positivo.
As propostas que ele tem são propostas tenebrosas que voltam para trás. A briga aqui é entre cultura e barbárie e ele defende a barbárie. E isso não é nenhuma fake news, todas essas coisas estão na boca dele. Quando ele defende a morte, quando ele defende que uma criança de cinco anos aprenda a atirar, que tenha uma arma de fogo na mão, ou seja, é de uma inconsequência do ponto de vista humano, da humanidade mesmo que não dá pra deixar que isso avance.
Então esse é perigo que estamos vivendo, hoje em dia não se trata mais de uma candidatura entre dois candidatos que representam partidos, não. Representam muito mais que partidos. Acho que a candidatura do capitão representa o atraso, a barbárie, a violência, a ignorância. E eu acho que o Haddad tem uma candidatura que representa a garantia da democracia.
Nós sabemos que quem discorda do Bolsonaro, se ele for eleito, no dia seguinte corre riscos. Como tem corrido riscos quem discorda dele. Nós sabemos que mesmo quem discorde do Haddad, votando no Haddad, vai ter o direito de continuar falar o que bem entende e a discutir suas ideias e a provocar discussões e a provocar, com essas discussões, um aperfeiçoamento da nossa democracia.
Como que vai ser esse ato que vai acontecer amanhã, quem está organizando e quais os objetivos?
Esse ato que vai acontecer amanhã na quadra dos Bancários a partir das seis e meia dessa terça feira, é um ato preparatório e de ânimo, de organização, para outros atos e pra reforças os atos que já estão acontecendo nas cidades, na nossa cidade aqui de São Paulo.
Então são artistas de teatro, mas também de outras áreas, que tem feito um trabalho muito bonito de alertar, provocar discussão, de mostrar o que significa essa eleição para o Brasil. Vamos juntar os artistas todos, vamos reforçar tudo o que estamos fazendo que são manifestações relâmpago, atos musicais, panfletagens, rodas de conversa, aulas públicas, uma série de ações que já estão sendo feitas.
Então é um ato que é mobilizador, vai muita gente, mas essas pessoas que vão, sairão de lá para fazer outras ações e principalmente um grande ato da cultura, dos artistas contra a barbárie e a favor da democracia que é votar em Fernando Haddad.
Já tem muita coisa sendo feita e a ideia é transformar essas pequenas agitações em uma verdadeira onde gigante que leve a gente, leve o Haddad para as eleições
Celso, se puder falar um pouco sobre qual a importância do posicionamento dos artistas nesses momentos da sociedade. No caso agora, nosso momento político, qual a importância dos artistas se posicionarem nessas situações?
Os artistas, durante toda a história, sempre se posicionaram. A maior parte doa artistas, felizmente se posicionaram a favor de posições humanistas e que pensem o ser humano e o aperfeiçoamento do ser humano e das nossas relações.
Foi assim desde a Grécia, no caso do teatro, passando por toda a história da humanidade. É evidente que existem artistas que não pensam dessa maneira, mas nós acreditamos que a arte vem no sentido do aperfeiçoamento do humano, ela existe por isso desde a sua aparição na história da humanidade e até hoje ela serve pra gente se aperfeiçoar humanamente.
E se aperfeiçoar humanamente, no nosso entender, é acreditar no outro, não só isso, mas preservar o outro e saber que o outro tem a contribuir contigo, conviver com a diferença, buscar um estado de igualdade onde o ser humano possa se manifestar da maneira mais plena possível. O autoritarismo, a xenofobia, a homofobia e tudo isso que o Bolsonaro representa não nos diz respeito.
A gente tem aparecido em alguns momentos e vamos continuar aparecendo sempre que a gente sentir que a democracia, de alguma forma, está ameaçada.
Edição: Diego Sartorato