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Temer cria força-tarefa de "inteligência" que pode se voltar contra a sociedade

Presidente decretou criação de grupo especializado de Inteligência para "combater o crime organizado"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O comandante do Exército brasileiro, general Villas Bôas
O comandante do Exército brasileiro, general Villas Bôas - Foto: Tiago Correa/CMM

O presidente Michel Temer (MDB) assinou um decreto que cria um grupo especializado de inteligência para "combater o crime organizado". A iniciativa é uma tentativa do emedebista em deixar um legado para a área de segurança pública --assim como o anúncio da intervenção federal militar no Rio de Janeiro, em fevereiro. 

No entanto, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato pontuam que ela não é eficaz para a área. E pode dificultar ainda mais a atuação de movimentos populares e ativistas no Brasil.

Isso porque o texto, publicado publicado no "Diário Oficial da União" na terça-feira (16), não deixa claro qual o objetivo da força-tarefa, afirma o advogado Leandro Scalabrin. Para ele, o decreto é uma medida de exceção.

"O uso do termo 'especial' ou 'força-tarefa' são eufemismos para normas e organismos de exceção porque é o reconhecimento de que as instituições funcionando normalmente não dão conta de atender suas finalidades", analisa. 

Ele destaca ainda que o grupo de trabalho não tem um prazo de vigência. "Em um desastre natural, a gente admite a criação de uma força especial para dar conta da tragédia. Mas essa força tem que ter uma duração determinada para aquele período. E no decreto do governo temer não coloca nenhum prazo — o que nos indica que é uma política de estado que veio para ficar", disse.

Como não há nenhuma determinação para seu término, o advogado defende que o caso deveria ter sido levado à pauta do Congresso Nacional. 

O advogado teme que o decreto possa ser utilizado para criminalizar os movimentos populares quando aliado à Lei de Organizações Criminosas e à Lei Antiterrorismo, sancionadas em 2013 e 2016, respectivamente, durante o governo de Dilma Rousseff (PT). 

Em 2016, Roquevam Alves da Silva, líder do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), foi condenado a 12 anos de prisão em regime fechado pela invasão da usina elétrica de Tucuruí em 2007 com base na Lei de Organização Criminosa. E, no Rio Grande do Sul, seis indígenas Kaingang também foram enquadrados na legislação em 2017.

Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência, já declarou que, em caso de vitória, seu governo vai colocar “um ponto final em todo o ativismo no Brasil”. Ele também declarou perseguição aberta a movimentos populares, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Beatriz Vargas Ramos, professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a intenção do decreto não é a criminalização de movimentos populares. Mas ela pondera que abusos não podem ser descartados. 

"Para isso, a gente espera que o sistema de justiça trabalhe institucionalmente, impedindo o abuso. Mas, infelizmente, temos visto muitos exemplos do contrário. Mas isso faz parte do funcionamento da estrutura da Justiça". 

O decreto de Temer cria uma Força-Tarefa de Inteligência que será coordenada pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), comandado pelo ministro Sérgio Etchegoyen. 

O grupo será composto por 11 órgãos, incluindo a Polícia Federal, Receita Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), das Forças Armadas; do ministério da Segurança Pública e do Ministério da Fazenda.

Para Vargas, é um "equívoco completo" a insistência na militarização das políticas de segurança. "Nós estamos em um processo de consolidação do estado democrático de direito e a referência da segurança pública, nesse contexto, deveria ser outra. Uma segurança pública cidadã e voltada a uma maior interação com a comunidade", pontua. 

A professora defende a criação de planos de segurança pública, com objetivos e metas. "Não me parece que a criação dessa força-tarefa, de alguma maneira, compense a ausência de um plano de segurança pública". 

O grupo criado pelo decreto de Temer vai produzir e compartilhar dados para o "enfrentamento a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições".

Edição: Diego Sartorato