Coluna

Bolsonaro é uma ameaça ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

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Em nenhuma hipótese pode se torturar, nem mesmo um inimigo em plena guerra
Em nenhuma hipótese pode se torturar, nem mesmo um inimigo em plena guerra - Reprodução
SNPCT poderá ser um dos primeiros alvos do governo protofascista a se instalar

Por Olímpio Rocha*

A Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso III, assevera que ninguém poderá ser submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Antes, no artigo 4º, inciso II, diz que a República Federativa do Brasil, nas suas relações internacionais, será regida pelo respeito aos direitos humanos como princípio. É de se salientar, desde logo, que o direito humano à dignidade, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, previsto no artigo 1º da Carta Política, é realizado também quando o Estado não pratica nem incentiva a tortura, portanto. 

Já entre as normas internacionais ratificadas pelo Brasil e incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio que se coadunam com os dispositivos constitucionais supramencionados, pode-se citar a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos; a Convenção da ONU contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; o Protocolo Facultativo à referida Convenção; a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura; o Protocolo de Istambul; além das chamadas normas de soft law, porque “não vinculantes”, quais sejam, por exemplo, as Regras de Mandela para tratamento de presos e as Regras de Bangkok, estas relativas ao tratamento que deve ser dado especificamente às mulheres em privação de liberdade. 

É possível dizer que a proibição à tortura, ao lado da proibição ao trabalho em condição análogas à escravidão, conforme artigos 4º e 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, podem ser considerados os únicos direitos humanos exceções à regra geral da relatividade. Isto é, se não são relativos, são direitos absolutos, de modo que em nenhuma hipótese pode se torturar para obter confissão, para intimidar ou para discriminar quem quer que seja, nem mesmo um eventual inimigo em plena guerra declarada entre dois ou mais países.

Voltando ao plano interno, tem-se a Lei que define os crimes de tortura, tombada sob o número 9.455/97. Igualmente, a Lei 12.847/13 é o diploma que cria o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), composto precipuamente pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, pelo Mecanismo Nacional de Combate à Tortura, pelo Departamento Penitenciário Nacional e pelo Conselho Penitenciário Nacional, cujo objetivo óbvio é instrumentalizar o Estado para fazer cumprir as normas internacionais ratificadas pelo Brasil, em nome da já citada prevalência dos direitos humanos. 

O SNPCT poderá ainda ser integrado por órgãos regionais e estaduais de combate à tortura e tem como diretrizes “o respeito integral aos direitos humanos, em especial aos direitos das pessoas privadas de liberdade; II - articulação com as demais esferas de governo e de poder e com os órgãos responsáveis pela segurança pública, pela custódia de pessoas privadas de liberdade, por locais de internação de longa permanência e pela proteção de direitos humanos; e III - adoção das medidas necessárias, no âmbito de suas competências, para a prevenção e o combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”.

Isto dito, tendo em vista as declarações favoráveis à tortura do deputado e candidato a Presidente Jair Bolsonaro, que já se disse explicitamente favorável a repugnantes e odiosas práticas, não há nenhuma dúvida de que o SNPCT poderá ser um dos primeiros alvos do governo protofascista a se instalar no Brasil.

É importante lembrar que o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, integrante do SNPCT, ao lado dos Mecanismos Estaduais do Rio de Janeiro, Rondônia, Pernambuco, Paraíba e Maranhão (estes dois últimos estados ainda em processo final de implantação), por meio de seus peritos, já têm realizado inspeções, visitas e relatórios que fomentam o combate à tortura em todas as suas formas, os quais poderão também sofrer a perseguição de um governo saudoso dos tempos de chumbo, como tudo indica venha a ser o quadriênio bolsonarista. 

Sem nenhum apreço pelos valores democráticos e pelo devido processo legal, Bolsonaro caminha para institucionalizar o fim de qualquer política pública tendente a pôr em prática os valores preconizados e positivados pelos inúmeros instrumentos normativos internacionais aqui citados, os quais tencionam prevenir e punir a tortura e, no mínimo, diminuir casos de violações explícitas aos direitos humanos de pessoas em situação de privação de liberdade, as quais deveriam ter no SNPCT a chance de buscar a ressocialização, um dos objetivos da pena, para além do mero castigo. 

Indo de encontro ao desejo punitivista e sanguinário de Bolsonaro e outros, os quais se não almejam o fim de qualquer garantia fundamental, as estimulam veementemente por meio das declarações públicas que proferem,  o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura será vilmente atingido pela obscuridade de um eventual governo bolsonarista, apologista da violência e da tortura.

*Olímpio Rocha é advogado Popular, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), professor de direitos humanos e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba
 

Edição: Daniela Stefano