Coluna

Porão, Picareta & Porrete

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General Ednardo D'Avila Mello, ligado ao DOI-Codi de São Paulo e exonerado por Geisel após assassinato do operário Manoel Fiel Filho
General Ednardo D'Avila Mello, ligado ao DOI-Codi de São Paulo e exonerado por Geisel após assassinato do operário Manoel Fiel Filho - Iconografia
A tríade está aí e aí permanecerá desafiando o Estado e a sociedade brasileira

Seja qual for o resultado eleitoral do próximo domingo (28), o Brasil terá que conviver, por alguns anos, no mínimo, com um fenômeno político e social de alto risco: o “bolsonarismo”. Caso confirmadas as pesquisas de intenção de voto, ocupando a presidência da república e com suporte inicial de maioria congressual. Se derrotado nas urnas - por força de uma onda de virada de eleitores retornando à democracia e ao bom senso - como uma oposição furibunda e sem qualquer senso de limites.

Pode-se – e deve-se – analisar quais foram e são as condições que permitiram a um obscuro e desequilibrado ex-capitão tornar-se um candidato a presidente eleitoralmente muito viável e a partidos de aluguel como o PSL (e outras microlegendas) conquistar a governança de estados e bancadas significativas na Câmara e no Senado. É tarefa essencial, porém demandará tempo e esforço intelectual que superam em muito o espaço de uma coluna como esta e a capacidade analítica do colunista. 

Alguns elementos definidores do “bolsonarismo”, no entanto, me parecem já estar bastante explícitos para arriscar uma caracterização inicial dos grupos de interesse que estão formando o núcleo duro do fenômeno.

O primeiro deles é o porão. Na série de ótimos livros que escreveu sobre a ditadura militar, Élio Gaspari dá conta de uma tensão contínua entre a linha “duríssima” - a do AI-5, da censura total, da tutela completa sobre as instituições, da tortura, prisão e sumiço de gente – e a linha “dura”, que buscava operar um regime ditatorial com um mínimo de regras claras e alguma preocupação com as normas civilizadas. Era o conflito entre o Porão de Médici, “Caveirinha” e Ustra e a “Sorbonne” de Castello Branco, Golbery e Geisel, cindindo as corporações militares e implantando a anarquia fardada.

Bolsonaro congrega em seu entorno-  e dá todas as indicações de que irá empoderar - não somente os remanescentes do porão, mas todo um agrupamento de militares e civis que têm no porão a fonte maior do que pensam sobre o país e sobre como governá-lo. É a turma que quer reverter a derrota que sofreu a partir de 1976, consolidada na Constituição Cidadã de 1988,  e retornar aos anos de chumbo que são seu habitat natural.

O segundo bando é o dos picaretas, aqueles “empresários” e corretores de negociatas, que já voejam em torno do candidato, reproduzindo o que assistimos na campanha e com a vitória eleitoral de Collor. São, por exemplo, o lobista da educação à distância com pretensões de ocupar o ministério da Educação; o dono de hospital sonhando com o da Saúde; os lojistas do varejo assanhados com a “carteira de trabalhos sem direitos” e com a tributação ainda mais regressiva; os importadores de bugigangas e maquiadores de produtos salivando com o fim dos impostos de importação e da indústria nacional; o “operador de mesa” hipnotizado pelo rentismo de Guedes; o “procurador” de empresas estrangeiras que atuará nos bastidores para “flexibilizar” um processo de privatização e desnacionalização a toque de caixa e a preço vil. 

Completa a tríade do horror a turma do porrete, os milhares de candidatos a chefete de milícia, a líder de gangue, a fiscal de costumes e a inspetor de quarteirão. Estão criadas no Brasil, por obra, graça, estímulo e decisão de Bolsonaro, as condições para o acelerado crescimento de grupos de baderneiros, que cada vez mais se assemelharão aos paramilitares das “bandas de autodefensa” que assolam a Colômbia há anos, com beneplácito e cobertura governamental.

Assim como ocorreu com as SA de Hitler, com os camisas negras de Mussolini ou com os “paras” da família Uribe, tais maltas se dedicam à intimidação de adversários e das instituições e, rapidamente, migram para atividades criminosas. E cobram taxas de proteção do pequeno empresário e dos moradores dos bairros populares e do monopólio de distribuição de produtos e serviços (gás de cozinha, serviços de internet e tv a cabo, transporte alternativo), mas também se associam aos barões das drogas, da exploração da prostituição, do tráfico humano, do roubo de cargas e da distribuição de contrabando. Em pouco tempo, tornam-se a infantaria do crime organizado disfarçados de militantes políticos.

Temporariamente, o Porão, a Picareta e o Porrete estão aí e aí permanecerão, desafiando o Estado e a sociedade brasileira, tentando encurralar e explorar os “cidadãos de bem” em nome dos quais dizem atuar. 

Caso Bolsonaro não seja eleito, a trinca se dedicará à desestabilização do novo governo, desafiando regras e instituições democráticas. Terão que ser enfrentados com todos os recursos definidos constitucionalmente para a defesa da nação e da cidadania. Se o capitão se eleger, gozarão de salvo-conduto para saquear o país e implantar o primado do terror.

Qualquer brasileiro que queira realmente zelar por seus interesses e de sua família não tem como titubear. É muito menos perigoso e muito mais eficaz enfrentar o Porrete, a Picareta e o Porão com essas quadrilhas fora do governo, com o poder de Estado a serviço do eleitor e não do crime.

Para não vivermos sob o domínio do medo nem sugados pela roubalheira há uma exigência: apertar 13 na urna.

*Artur Araújo é administrador hoteleiro, ex-Diretor da EMBRATUR e consultor em gestão pública e privada.

Edição: Daniela Stefano