ENTREVISTA

Para Fernando Morais, “Brasil vive ditadura togada”

Em entrevista, jornalista e escritor fala sobre o crescimento do fascismo no Brasil e o ativismo político do judiciário

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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 Jornalista vê risco de Brasil se transformar em uma sociedade fascista
Jornalista vê risco de Brasil se transformar em uma sociedade fascista - Joka Madruga / PT Nacional

Em 1980, em plena ditadura militar, o jornalista e escritor Fernando Morais visitou o então metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, na prisão do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Em 2018, já vivendo em uma democracia, Morais foi impedido de visitar o agora ex-presidente Lula, na prisão da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.

No dia 04 de outubro, Morais e o colega de profissão Mino Carta visitariam Lula, na condição de amigos do ex-presidente. No entanto, foram impedidos, sob a alegação de que, sendo jornalistas, poderiam usar a visita para entrevistar Lula. Na semana seguinte, no dia 11 de outubro, Morais e Carta voltaram à PF, desta vez com autorização judicial para que pudessem, enfim, visitar Lula.

“O que está acontecendo no Brasil é que nós estamos vivendo, depois de vinte anos de ditadura fardada, a ditadura togada”, afirma Morais, sobre o atual cenário político brasileiro.

Em entrevista ao programa Democracia em Rede, transmitido pela Rádio Brasil de Fato e pelo Facebook, Fernando Morais falou sobre a prisão política do ex-presidente Lula, alertou para o risco que Bolsonaro representa para a democracia brasileira e comentou como analisa o ativismo político do sistema judiciário brasileiro.

Brasil de Fato: Alguns jornalistas, frente a essa polarização, fazem uma leitura de que existem dois extremos, dois agrupamentos radicais e que, em tese, não teria problema, porque nem o PT seria comunista, nem o Bolsonaro seria algo próximo do fascismo. É isso?

Fernando Morais: Bolsonaro representa uma ameaça claríssima por tudo que ele vem falando ao longo dos últimos anos e por tudo que ele falou depois que saiu candidato à presidente da República. Eu fiquei escandalizado, fiquei aterrorizado com a reação dele ao assassinato do Moa, lá na Bahia. Um capoeirista negro, pobre, assassinado por um barbeiro, pobre, também negro. Porque um votou no Fernando Haddad e o outro, o que matou, era partidário do Bolsonaro. A repórter pergunta a ele [Bolsonaro] como ele tinha visto o clima que tinha implantado no Brasil, que tinha produzido uma morte, um assassinato cruel, e o Bolsonaro reagiu como se alguém tivesse tropeçado em uma pedra. É uma vida, uma vida de um artista, de uma pessoa comprometida com as liberdades.

Uma indiferença, uma falta de responsabilidade que não condiz com uma liderança política?

Não condiz com liderança política e essa indiferença, na verdade, é um estímulo à multiplicação dessa violência. Não está em jogo uma disputa entre PT e um outro partido, uma disputa entre Haddad e outro candidato. Está em jogo o futuro da democracia e o risco de o Brasil se transformar numa sociedade fascistóide em muito pouco tempo. O que vem acontecendo é muito parecido com o que aconteceu na Alemanha, nos anos 30. A consolidação do nazismo. A raíz está nas agressões que eram feitas não por tropas armadas, mas por gente da população.

A chamada noite dos cristais, que foi uma barbaridade, foi o começo do holocausto. O que aconteceu na noite de 11 de novembro de 1938? Para vingar a morte de um alemão, um caso absolutamente corriqueiro, que não tinha nada a ver com política, eles queimaram 7500 sinagogas e destruíram milhares de casas e estabelecimentos comerciais de judeus. Isso não foi feito pela polícia, não foi feito pelo exército, foi feito por pessoas da população, que eram defensores do Hitler, como são hoje os defensores do Bolsonaro.

Havia uma perseguição entre a população e isso também é incentivado hoje?

Claro, a gente já está vendo isso no Brasil. Essa institucionalização da denúncia, da deduragem, o vizinho entregar outro vizinho, parente entregar parente, amigos entregando amigos, dizendo fulano de tal votou no Haddad, tem que ser punido por isso. Esse é o clima que a gente está vivendo com o apoio das autoridades. Em Porto Alegre, que riscaram a suástica, com canivete, na barriga de uma garota, o delegado de polícia disse que aquilo não é uma suástica, que é um símbolo budista. Então, se o Brasil cometer o erro monumental de eleger Bolsonaro, isso vai ser todo dia em todos os lugares do Brasil. Essas pessoas vão se sentir liberadas para bater nos outros, para ferir os outros e para matar, como aconteceu na Alemanha, é muito parecido.

No seu trabalho de escritor, você sempre buscou trazer narrativas muito contundentes sobre fatos marcantes da história. Hoje, você também está vivendo e narrando uma encruzilhada na história brasileira. Como você está vendo esse cenário de hoje?

Olha, eu, um pouco estimulado pela conversa com o presidente Lula, estou achando que a gente tem que ir para rua, mas tem que usar também o espaço que a gente conquistou nas redes sociais. É o que nós temos. A televisão, a gente sabe a serviço de quem está, a gente sabe que o Bolsonaro é do mesmo partido do dono da TV Record, o Bispo Edir Macedo.

Isso criou um impasse político curioso, que deixou a família Marinho em uma sinuca de bico, porque, se de um lado, ela ajuda a eleger o Bolsonaro - que é o natural para a Rede Globo, que vem apoiando a direita desde que existe - ela sabe que quem vai passar a mandar na área das comunicações é a TV Record, do Bispo Macedo. Mas ao mesmo tempo, ela não se sente à vontade para apoiar a frente democrática. É da natureza da Globo e da família Marinho apoiar tudo que é contra o povo. Eles vão ter que fazer uma viravolta de 180º para poder limpar essa mancha.

Fazendo uma análise na linha programática do Bolsonaro, é curioso como é uma direita cujas pautas estão muito alinhadas com o capitalismo internacional. Você, como nacionalista de esquerda, acredita que há algo que precisa ser explicado nisso?

Tem que ficar claro para as pessoas que, além de toda essa tragédia da brutalidade, do ódio, da violência, a eventual eleição do Bolsonaro significa entregar o Brasil para os bancos, entregar o Brasil para o capital internacional, acabar de entregar a Petrobrás. O governo postiço do Michel Temer já está entregando o pré-sal, já entregou a Embraer para a Boeing. O risco é que um eventual governo do Bolsonaro entregue as nossas riquezas, entregue o Brasil ao capital internacional, ao controle de empresas estrangeiras.

Como você tem visto o ativismo do judiciário?

Olha, toda generalização é perigosa. Se você disser que todo o judiciário está comprometido com o golpe, não é verdade. Nós tivemos o exemplo, aqui em Curitiba, do desembargador que mandou soltar o Lula e que foi desautorizado pelos superiores dele. A guerra das liminares. Mas ressalvadas as exceções, o que está acontecendo no Brasil é que nós estamos vivendo, depois de vinte anos de ditadura fardada, a ditadura togada. Não só o judiciário, mas o Ministério Público também, e parte significativa da polícia federal. Posso dizer que talvez haja uma exceção aqui em Curitiba, na maneira civilizada com que o presidente Lula está sendo tratado.

Depois de algumas denúncias, como por exemplo, no início, quando algumas personalidades não podiam visitá-lo.

Então, fica a mercê do juiz quem é que pode. O juiz na verdade está selecionando quem pode e quem não pode, como se dependesse do arbítrio dele, ele impõe condições. Nós não podíamos entrar com um pedaço de papel, com gravador, com celular, ipad, computador, nem com bloco de papel. Só sobrou a memória. No fundo, é uma forma de ditadura. Não pode conceder entrevista, mas não há lei nenhuma. Gente que cometeu crimes brutais, como o goleiro [Bruno, ex jogador do Flamengo] que matou a mulher, esquartejou e deu os restos para o cachorro comer, podia dar entrevista.

Eu desafio o juiz Moro a apresentar publicamente uma única prova de que o presidente Lula tenha cometido algum dos crimes de que é acusado. Não tem. Eu deixo de ser jornalista se ele conseguir comprovar um único delito. Isso é ou não é uma forma de ditadura? Só que agora não é verde oliva, agora é capa preta.

Você sente que há um campo democrático se formando?

Há um campo democrático se formando e não só entre intelectuais e artistas, mas até em partidos que têm horror ao PT, mas que dentro deles tem núcleos que têm a mesma preocupação que nós em relação ao Bolsonaro. Não se trata de uma eleição entre um partido e outro, se trata de um projeto de levar o Brasil para o nazismo ou de continuarmos na democracia.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira