Um estudo do grupo de pesquisa em Tecnologias da Comunicação e Política (TCP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) localizou indícios de que a propagação de notícias falsas contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e em apoio à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) no aplicativo Whatsapp foi impulsionada por profissionais.
O estudo reforça a denúncia realizada pelo jornal Folha de S.Paulo na semana passada, de que empresas estão comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT na rede social, prática ilegal que configura doação de campanha não declarada.
A denúncia está sendo investigada pelo Ministério Público, e a participação da campanha de Bolsonaro no processo está sendo investigada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O capitão reformado se pronunciou afirmando não ter controle sobre as doações ilegais, e, durante ato realizado no último domingo (21), na Avenida Paulista, em São Paulo, incentivou vaias à jornalista Patrícia Campos Mello, autora da reportagem investigativa.
Nesse meio tempo, apoiadores de Bolsonaro têm se pronunciado na rede defendendo que o apoio ao candidato é espontâneo, e não profissional.
Iniciada em maio deste ano e ainda em andamento, a pesquisa, que também abrange outras redes sociais, como o Facebook e o Twitter, divulgou o relatório preliminar "Redes de Grupos de Whatsapp Interconectados: estrutura de rede e fluxo de notícias falsas nas eleições presidenciais de 2018", que traz novos elementos para entender o fenômeno como algo coordenado.
A pesquisa teve início após uma série de entrevistas com marqueteiros e outros profissionais de campanhas eleitorais entre 2017 e 2018, nas quais a citação recorrente a investimentos no Whatsapp chamou a atenção dos pesquisadores.
Relatos de que no pleito deste ano "a guerra" seria no aplicativo, ou de que ele representava "a nova deep web", pela impossibilidade de rastreamento das fontes de notícias falsas, levaram os pesquisadores a adentrar 90 grupos políticos interconectados (28 grupos conservadores ou pró militares, 24 de apoio ao PSL e a Bolsonaro, 18 de apoio ao PT ou a Haddad, 9 para discussões políticas suprapartidárias, 4 de apoio ao PSDB ou Geraldo Alckmin, 4 de apoio a Marina Silva, 2 de apoio a Ciro Gomes e um de apoio a Henrique Meirelles) por meio de convites abertos, e analisar uma base de 438,4 mil mensagens.
O Brasil de Fato teve acesso ao estudo preliminar, que mostra que 99,11% dos perfis participantes do grupo estão conectados direta ou indiretamente, por meio de uma rede de pessoas que funcionam como intermediários. Essas pessoas, que representam 15% dos usuários dos grupos, estão distribuídas de modo a garantir a interconexão em toda a rede.
O resultado preliminar apontou ainda que as mensagens falsas divulgadas nos grupos conservadores ou de apoio a Bolsonaro se espalham com maior facilidade e rapidez, tendo maior alcance online. Segundo a coordenadora do TCP Alessandra Aldé, professora da Faculdade de Comunicação Social da Uerj, isso indica uma maior profissionalização na campanha e Bolsonaro na rede social.
"Temos a impressão que o Bolsonaro teve a campanha mais profissional no sentido de usar o WhatsApp. Foi muito competente. Foi feito um trabalho intenso e resultou em uma rede muito grande de grupos de apoiadores, muito maior do que as dos outros candidatos. Você percebe que muitos dos materiais, dos conteúdos, tem uma linguagem, uma estética, uma preocupação de formatação que são bastante profissionais. E também existe uma coordenação nos grupos. São poucas as pessoas que são mais ativas, a maior parte das pessoas não se manifesta. Mas algumas exercem um papel de coordenação, seja incentivando as pessoas a compartilharem os materiais em outros grupos de Whatsapp", afirmou.
Um dos testes realizados pela pesquisa foi acompanhar a divulgação de uma notícia falsa que dizia que o homem que esfaqueou Bolsonaro era ligado à campanha de Dilma Rousseff ao Senado por Minas Gerais. O grupo observou o alcance da mensagem por horários e perceberam o interesse de "coordenadores" em divulgar cada vez mais as mensagens.
"Há pessoas disseminando informações que sabe que é falsa e na expectativa de que as pessoas deem continuidade a essa disseminação para fora dos grupos de apoiadores. É como se tivesse dois níveis na circulação de notícias falsas: um grupo de pessoas que poderia dizer que age cinicamente, ou seja, querendo influenciar através de informação que sabe que não é verdadeira, e outras pessoas que compartilham isso acreditando", afirmou.
Outro exemplo citado por Aldé é a grande circulação de santinhos eletrônicos com os nomes e números dos candidatos a governador e ao poder legislativo em que os eleitores de Bolsonaro deveriam votar, principalmente às vésperas do primeiro turno. A ação garantiu fenômenos como a passagem para o segundo turno do pleito para governador do Rio de Janeiro do candidato Wilson Witzel (PSC), apoiado pelo filho de Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (PSL), que até então não era tão expressivo nas pesquisas. Ou mesmo a eleição de Janaína Paschoal (PSL) como a deputada mais votada da história do país.
"Tinha listas circulando, por estados, ou seja, em cada estado os grupos específicos circulavam os nomes e números dos candidatos em que os eleitores pró-Bolsonaro deveriam votar, para deputado estadual, federal, quem era o candidato do PSL. Em lugares em que não havia candidato do PSL para governo ou senado outros nomes eram indicados. E isso foi feito com muita intensidade, principalmente na semana que antecedeu o primeiro turno. Você vê também uma organização muito eficiente. O PSL conseguiu a segunda maior bancada no congresso de forma espetacular, um partido que não tinha quase representação nenhuma", afirmou.
A preocupação de que o alto volume de fake news poderia interferir nas eleições brasileiras vinha sendo anunciada desde a denúncia da ocorrência na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. A previsão, no entanto, não foi suficiente para barrar a disseminação de fake news no Brasil. As medidas tomadas pelas redes sociais foram consideradas tardias e ineficientes, bem como a comissão criada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para investigar as notícias falsas. Para o professor Fábio Gouveia, que coordena o Laboratório de Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o fenômeno não deveria ser considerado uma surpresa.
"Houve indícios de como isso seria aplicado no campo político desde, pelo menos 2010. Desde 2010 já temos o uso da internet com as redes sociais já nas primeiras campanhas... a própria eleição do Obama usa muito a comunicação descentralizada de maneira muito potente. É um processo de técnica publicitária, de disseminação de notícias e eventualmente notícias que não são verdadeiras, que a gente vê já há bastante tempo. Mas os instrumentos de troca de mensagens privadas, que é característica do Whatsapp e Instagram, não foi tão usado assim como instrumento de comunicação massiva. Acho que essa é a surpresa que podemos ter", afirmou. Na opinião de Gouveia, esse pleito está sendo marcado pela "disseminação de desinformação".
O estudo da TCP mostrou também que os administradores dos grupos de Whatsapp pró-Bolsonaro tinham o papel de realizar uma curadoria para controlar a narrativa dos grupos. Após o primeiro turno, quando surgiam comentários preconceituosos e violentos contra nordestinos e o Nordeste, região onde o voto ao PT teve vantagem, os moderadores apaziguavam o discurso, ressaltando a necessidade de virar os votos dos nordestinos. Além disso, ficou claro que quando pessoas questionavam insistentemente a veracidade de informações divulgadas, eram banidas dos grupos. O estudo ainda não tem previsão de conclusão.
Edição: Diego Sartorato