Nos meados da década de 1970, numa das fases mais brutais da ditadura militar, o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto participou da elaboração da Carta de São Paulo - O povo e seus problemas, que foi lida na assembleia legislativa do Estado em 1975. Mais de quatro décadas depois, diante da perspectiva de um novo período de radicalização repressora e redução de direitos, Vargas Netto falou com o Brasil de Fato sobre a conjuntura política e as estratégias que o movimento sindical deve adotar para continuar na luta no próximo período.
O combate aos efeitos do que ele chama de 'deforma' trabalhista, iniciada no governo de Michel Temer, e o enfrentamento às estratégias do bolsonarismo para dividir os trabalhadores são alguns dos alertas que o consultor faz.
Vargas Netto começou no movimento estudantil enquanto estudava Filosofia na Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Com o golpe de 1964, por ser filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi perseguido e teve que atuar na clandestinidade. Passou por um período de exílio na França e o retorno ao Brasil só foi possível em 1979, por conta da Lei da Anistia.
Confira trechos da entrevista de João Guilherme Vargas Netto ao Brasil de Fato.
Brasil de Fato: Qual o caminho para o movimento sindical neste novo cenário político?
João Guilherme de Vargas Netto: Eu estou defendendo recompor as nossas forças. No movimento sindical, estou recomendando fortemente que a gente, mais do que nunca, combata a partidarização, a opção político-partidária. Deixando fluir a pauta natural do movimento sindical, que é de resistência, contra os efeitos da recessão, da ‘deforma’ trabalhista.
Num segundo momento é resistir em defesa dos direitos e das reivindicações dos trabalhadores. Estando preocupado com a situação de que, provavelmente, uma das políticas do ‘vitorioso’ [Jair Bolsonaro] será criar uma muralha da China entre os trabalhadores formais e sindicalizados e os trabalhadores informais, desorganizados, desempregados e subutilizados.
Qual seria então a melhor forma de resistir?
Eu não estendo em geral, de uma maneira subjetiva, [uma solução] para o conjunto dos movimentos sociais, porque [eles] têm dinâmicas diferentes. No entanto, sobre o movimento sindical, que é um movimento baseado no formal, empregado e sindicalizado, [o caminho] passa por essas ideias: recompor nossa pauta, apesar dela, eleitoralmente, ter sido derrotada, uma ideia de resistência a partir de seus pontos, por exemplo: a luta por uma situação em que se criem empregos formais. Isso tem que ser mantido.
Em que circunstância seria isso?
A não partidarização. A lógica político-partidário hoje pode ser um desvio da relação de uma lógica sindical de resistência. As campanhas salariais do segundo semestre, as perspectivas de resistência a própria ‘deforma’ trabalhista, e por aí vai.
Qual será o impacto da eleição do Bolsonaro para a classe trabalhadora?
A economia está numa situação que a gente poderia chamar de semi-ponto morto. Ela não piora, mas não dá sinais de melhoria. Em compensação, há uma folga. Uma folga de economia. Então nós podemos ver, por exemplo, na base da situação econômica uma política que privilegie as políticas sociais. Eu acredito que isto faz parte do estoque do bolsonarismo.
Por exemplo, a promessa dele de 13º para o Bolsa Família. No entanto, esta política tem extrema colisão, até mesmo por desconhecimento formal, das necessidades dos empregados formais e do próprio movimento sindical. O Bolsonarismo vai insistir naquela política pervertida da carteira de trabalho verde e amarela. Pervertida porque ela usa nossas cores, que deveriam ser respeitadas, como um ‘engana que eu gosto’ para perda de direitos.
Qual o pior cenário possível?
O bolsonarismo já afirmou em seu programa a ideia da pluralidade sindical, anárquica. Porque, segundo eles, o trabalhador terá o direito de escolher o sindicato que o representa, de uma maneira anárquica. O movimento sindical deve, agora, recuperar a sua capacidade de ação unitária para resistir melhor a ‘deforma’ trabalhista, que precede o bolsonarismo no poder, e as investidas do bolsonarismo, cristalizadas nesses dois eixos: a carteira verde e amarelo e a pluralidade anárquica.
Quais seriam então as bandeira de luta capazes de unir os trabalhadores?
O respeito à Constituição como garantidor maior. Depois o respeito aos direitos adquiridos, depois a reivindicação por emprego de qualidade. Por exemplo, a política de valorização do salário mínimo [aprovada no governo Lula] deixa de existir e precisa ser votada ano que vem imediatamente. É preciso então que o movimento se agrupe na perspectiva de, apesar das dificuldades no Congresso, lutar para manter a política de ganho real [acima da inflação] do mínimo.
E a proposta de 13º para o Bolsa Família? O que isso significa?
A proposta do General Mourão [vice de Bolsonaro] é dar o 13º para o Bolsa Família. De onde ele tira recursos para essa proposta? Ele mesmo afirma que tira recursos do abono salarial. Na proposta dele, ele dá para o desorganizado, tomando do organizado. É essa a dinâmica. Ele propõe o 13º Bolsa Família e o recurso para isso seria com a abolição do abono salarial, que só diz respeito ao formalizado.
E isso pode gerar separações?
É uma tentativa estratégica de criar uma separação entre os trabalhadores formais e sindicalizados e os milhões de trabalhadores desempregados, informalizados, subutilizados e precarizados.
Por outro lado, a luta dos trabalhadores já enfrentou momentos tão difíceis como este e venceu, não é?
A maior das vitórias do Bolsonaro, seja ela qual for, mas por si só ela não abole a luta de classes, evidente. A luta de classes na nossa sociedade é fundamental. A vitória do Bolsonaro é a vitória de um pólo nessa luta. Ela vai persistir, o movimento tem experiências. Ele não tem experiência… como o movimento sindical, em 200 anos, não teve, de organizar, por exemplo, os desempregados. Mas ele tem experiência de organizar o formalizado. E vai resistir, é óbvio. A gente dizer que a situação é nova, quer dizer que a derrota é grave, mas não quer dizer que aboliu os fundamentos da resistência e da luta.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira