Informe semanal

O Ponto desta semana analisa os primeiros movimentos do novo governo

Boletim é enviado todas as sextas-feiras, por e-mail, e traz um resumo das principais notícias

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Boletim semanal traz indicações de leituras e informações selecionadas para o leitor do Brasil de Fato
Boletim semanal traz indicações de leituras e informações selecionadas para o leitor do Brasil de Fato - Divulgação

O que parecia improvável há algum tempo aconteceu. O sentimento antissistema prevaleceu e Jair Bolsonaro está eleito presidente do Brasil. A primeira edição do Ponto após a hecatombe tenta analisar os primeiros movimentos do novo governo, a agressividade de seus seguidores e os passos da esquerda para reencontrar seu caminho. Nossa newsletter vai seguir e contamos com a sua opinião para melhorar nosso trabalho. Elaboramos uma rápida pesquisa sobre a newsletter e gostaríamos da sua participação.

E vamos lá.

Loucura, loucura, loucura. Capitão reformado, conhecido por declarações misóginas e homofóbicas, pela postura agressiva contra opositores, apoiado pela Igreja Universal, pelo baixo clero do Congresso e por uma poderosa máquina eleitoral nas redes sociais? Agora é real, Jair Bolsonaro foi eleito presidente. Ser real é o primeiro problema que o novo presidente tem que enfrentar: não são mais de bravatas ou de comentários na internet, para o bem ou para mal, agora se trata de saber o que realmente será o novo governo.

Na Folha, Bruno Corazza alerta que a equipe de Bolsonaro é um misto de inexperiência com egressos do baixo clero do Congresso. O que já se percebe pelo desencontro no núcleo bolsonarista sobre os temas econômicos, em especial a reforma da Previdência e a independência do Banco Central. Na Piauí, Miguel Lago alerta que um governo que não tem propostas, nem pessoas qualificadas para resolver os problemas do país, precisar nomear inimigos da nação e combatê-los. A demonização nas redes sociais será um estímulo para a violência política por seus seguidores, o caso do Escola Sem Partido é um deles (leia mais no Radar). Este é um dos três cenários possíveis para o seu governo, segundo análise do site Jota: estimular a mobilização e o discurso agressivo dos seguidores para esconder seus problemas, como aliás, já aparece nos ataques à Folha e ao PSOL. Neste caso, o El País nutre esperanças de que o STF, como no episódio das universidades, aja como freio aos arroubos autoritários. A BBC elencou o grau de dificuldades das dez principais propostas de Bolsonaro na campanha se tornarem efetivas. Segundo a reportagem, a revogação do ECA seria improvável, mas pautas como o Estatuto do Desarmamento, fim da demarcação de terras indígenas e suspensão das cotas seriam mais fáceis.

O fato é que a direita está animada para votar desde agora os temas da sua agenda. Entre eles, a revogação do Estatuto do Desarmamento e o enquadramento de movimentos populares como terroristas. Mas permanece a incógnita sobre quando será votada a Reforma da Previdência. No parlamento, a previsão é de que o governo tenha maioria para os temas econômicos, mas não tenha tantas facilidades nos temas sociais. O deputado Orlando Silva imagina que justamente as pautas de "costumes" devem inflar a agenda do Congresso para desviar atenção dos pontos mais impopulares, enquanto - vejam só - Kim Kataguiri acredita que Bolsonaro irá usar as redes sociais para pressionar os deputados.

"Mãos limpas". Não é exatamente uma surpresa, já que Bolsonaro já havia sinalizado que Sérgio Moro seria convidado para o seu governo ou para uma vaga no STF, mas o juiz responsável por tirar o candidato favorito das eleições e abrir caminho para Bolsonaro, aceitou o cargo para o Ministério da Justiça. E vejam só, Moro que também vazou uma delação sem utilidade na semana do primeiro turno, já havia sido sondado durante o pleito. No mínimo, o discurso de Moro sobre sua parcialidade e apartidarismo da operação foi por água abaixo. Aliás, em pelo menos sete entrevistas no passado recente ele havia negado a possibilidade de entrar para o mundo da política. Na prática, o aceite reforça a tese da defesa de Lula que sua prisão é política. A imprensa internacional fez a análise óbvia: o juiz que prendeu Lula ganhou um cargo de Bolsonaro. Porém, a resposta de Bolsonaro é mais uma mostra de seu discurso direto para o público, falando o que seu eleitor quer ouvir.

RADAR

Lei de Mano Brown. Para enfrentar o governo Bolsonaro, a esquerda vai ter que voltar às ruas e conversar com pessoas, recomenda Rosana Pinheiro Machado. No The Intercept, Glenn Greenwald diz que é preciso melhorar a comunicação com a população mais atingida com a crise e entendê-los. No Brasil de Fato, João Pedro Stédile também endossa que é o momento para a retomada do trabalho de base, de casa em casa. Da mesma forma que sugere a formação de uma ampla Frente Democrática. Opinião compartilhada por André Singer que, nesta entrevista ao Brasil de Fato, também trata do futuro de duas lideranças: Lula e Fernando Haddad. O papel de Lula na esquerda também é analisado pelo Nexo, enquanto o Buzzfeed diz que Haddad sai das eleições como uma nova referência nacional. Porém, a construção da unidade parece ser bem mais complexa, principalmente no que depender de Ciro Gomes, que voltou metralhando desde o PT até Leonardo Boff. A primeira manifestação contra o novo presidente já ocorreu em São Paulo.

Sem mordaça. Um dos temas caros aos bolsonaristas, o Escola sem Partido, voltou ao centro nesta semana, com a tentativa de votação na Câmara. Além da votação obstruída pela oposição, assustado pela ataque às universidades, o STF parece decidido a barrar definitivamente o projeto nos próximos dias. Em Santa Catarina, uma deputada eleita pelo PSL conclamou estudantes a constrangerem professores. Numa reação tímida, a Justiça determinou apenas que Ana Caroline Campagnolo retire as postagens das redes sociais, sob pena de multa. Na Carta Capital, um perfil da deputada, evangélica, filha de um Policial Militar da reserva e que processou a própria orientadora no mestrado.

Universidades. A ação orquestrada contra 20 universidades às vésperas da eleição é parte de um movimento maior de perseguição a ação de docentes e estudantes e que já atingiram 181 professores, segundo levantamento do The Intercept. Além de fascismo, outros temas proibidos  - e normalmente denunciados pelo MBL - são Golpe, Lula e MST.  A Folha revela que o juiz que determinou a ação da UFGD é intenso ativista antipetista nas redes sociais. Enquanto isso, o STF parece despertar da sua letargia e barrou as ações contra as universidades nesta semana.

Amazônia. A Floresta Amazônia precisa estar no radar de quem pretende resistir contra os arroubos do novo governo. Este resumo do site Gizmodo mostra como a eleição de Bolsonaro representa um perigo para a região. Importante retomar uma reportagem publicada ainda durante a eleição que mostrava o interesse do então candidato em liberar a mineração na Amazônia. Populações da região se organizam para resistir, como mostra o Brasil de Fato.

Previdência. Como abordamos na manchete principal da newsletter, a reforma da previdência imaginada por Paulo Guedes é diferente da proposta de Temer: enquanto a de Temer dificulta o acesso ao benefício como forma de fazer caixa, a de Guedes propõe a criação do modelo de capitalização. O modelo é inspirado, é claro, no Chile. Esta reportagem mostra como funciona a previdência privada no país, que também enfrenta problemas.

RETROCESSO DIÁRIO

Desemprego e precarização. Um ano após a Reforma Trabalhista, não se concretizaram as promessas de criação de empregos e melhoria da renda dos trabalhadores. Além do aumento da informalidade, um dos efeitos colaterais foi a redução na arrecadação previdenciária. A reportagem é da Rede Brasil Atual. O levantamento mais recente do IBGE mostra que a leve alta no emprego foi puxada pelo trabalho informal.

VOCÊ VIU?

Caso Marielle: o óbvio. O Ministério da Segurança Pública e a Procuradoria-Geral da República anunciaram que, finalmente, a Polícia Federal vai entrar no caso da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes. Um inquérito foi instaurado na quinta-feira (1º). O motivo é o que sempre se suspeitou: haveria uma articulação entre agentes públicos de diversos órgãos, milicianos e contraventores para obstruir as investigações no Rio de Janeiro.

Antes que tardia. Pela primeira vez, o Ministério Público Federal denunciou membros do próprio MP e do Judiciário que atuaram para legitimar as práticas da ditadura: o  procurador da Justiça Militar aposentado Durval Ayrton Moura de Araújo e o juiz da Auditoria Militar aposentado Nelson da Silva Machado Guimarães devem responder por prevaricação.

Mariana. Pesquisa da faculdade de medicina da UFMG revela que 82,9% dos jovens que vivenciaram a tragédia de Mariana desenvolveram Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Além de depressão, parte dos jovens apresentou ainda tendências ao suicídio. Vale ler o especial do Brasil de Fato sobre os três anos da tragédia: depois das mortes e das perdas em 2015, a vida de milhares de pessoas mudou para pior e as mineradoras pouco fizeram para consertá-las.

Imposto Ipiranga. Como revelado durante a campanha, embora negado com a maior cara de pau, a equipe de Paulo Guedes vai mesmo criar um imposto sobre movimentação financeira.

BOA LEITURA

Grau zero da política. O sistema político foi implodido e ao mesmo tempo vai se organizar, tendo no centro um governo limitado, sem coordenação e limitado, e à sua volta o centrão, os militares, a oposição de esquerda e eventuais pré-candidatos a 2022. "A miopia da política oficial para a urgente necessidade da criação formal de uma amplíssima frente de defesa da democracia pode custar muito caro", analista Marcos Nobre.

Ainda estamos tentando entender. O sociólogo Roberto Dutra constata que a maior vitória da direita na história foi uma conjunção da falência do sistema político, da demonização da política e dos erros da esquerda. Já Henrique Costa destaca o encontro entre a interpretação dos militares diante do colapso econômico e social e o descontentamento da classe trabalhadora.

Excessos. A imprensa comprava toda e qualquer pauta sem apuração sobre a Operação Lava-Jato, cometendo excessos. A opinião é da ex-assessora de imprensa da própria LJ e de Sérgio Moro, em entrevista para o The Intercept.

Guru. Astrólogo e antimarxista, o The Intercept conta como Olavo de Carvalho se tornou a referência intelectual do conservadorismo brasileiro.

Para que não se esqueça. Charlione Lessa, 23 anos, auxiliar de pedreiro foi assassinado por um apoiador de Bolsonaro durante uma carreata. A Piauí ouviu a mãe do jovem para reconstituir seu último dia.

Lava zap. Reportagem da Vice mostra que o Whatsapp/Facebook não está muito preocupado com o que aconteceu nas eleições no Brasil.

Universal. Reportagem da Folha de São Paulo mostra como a Igreja Universal usou sua máquina para atacar Haddad e favorecer a candidatura de Bolsonaro.

Juízes em Berlim. Para Bolsonaro, o STF não passa de uma marionete. Resta descobrir se o guardião da Constituição vai permanecer na zona de conforto ou honrar a toga. Logo saberemos se temos juízes na nossa devastada Berlim, escreve João Carlos Dalmagro Junior.

Polícia ruralista. Operações policiais no Mato Grosso do Sul em parceria com empresas de segurança investem contra indígenas e favorecem fazendeiros na região. Reportagem especial da Repórter Brasil.

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Edição: Katarine Flor