Na próxima quarta-feira (7), começam os trabalhos da equipe de transição, sob comando do deputado gaúcho Onyx Lorenzoni (DEM), em Brasília. A promessa de renovação, sem a participação de políticos da "velha escola", e a busca pela soberania nacional parecem ideais distantes da equipe que tomará posse em janeiro.
Os nove postos cujos comandantes já estão definidos, ou próximos de definição, podem ser divididos em três eixos de interesse: neoliberais, militares e políticos tradicionais. O que há em comum entre eles -- inclusive entre os liberais, no campo da economia -- é o conservadorismo político.
O bloco com maior representatividade é o militar, que preenche 50% das vagas. Além do próprio presidente eleito, que é capitão reformado do Exército, o novo governo terá o general Hamilton Mourão, no palácio do Jaburu (residência oficial do vice-presidente), o general Augusto Heleno Pereira, no Ministério da Defesa, e o ex-piloto da aeronáutica e astronauta Marcos Pontes, na pasta de Ciência e Tecnologia.
Na contramão do ideal nacionalista e de proteção das riquezas brasileiras, Bolsonaro terá os neoliberais Paulo Guedes e Sérgio Moro, respectivamente, nas pastas da Fazenda e da Justiça.
Em entrevista à Rádio Brasil de Fato, a historiadora Patrícia Valim escancarava essa fragilidade antes mesmo da confirmação do resultado das urnas: "[Bolsonaro] é uma pessoa absurdamente despreparada, que se apresenta como nacionalista. Porém, até este nacionalismo é discutível, porque ele quer privatizar tudo”, disse, lembrando que o militar não vê problemas em suas próprias contradições. "Trata-se de uma pessoa autoritária, sem jeito para o diálogo, que muda de opinião três vezes no mesmo dia. Ele diz uma coisa de manhã e outra de tarde", finaliza.
Guedes defende a privatização de empresas públicas mesmo em setores estratégicos para a economia, e aposta na redução do Estado como saída para a crise. Moro cumpriu papel semelhante em meio à operação Lava Jato, que levou à fragilização da Petrobrás e abriu caminho para a entrega do pré-sal pelo governo Michel Temer (MDB): em vez de punir os executivos corruptos, o juiz de Curitiba interrompeu contratos da estatal com empreiteiras em todo o país, aprofundando o desemprego e a recessão.
Outra contradição evidente nas escolhas de Bolsonaro é a relação com a "velha política": figurinhas carimbadas do Congresso Nacional foram convidadas a participar do governo em cargos de decisão -- apesar do discurso "antissistema" e "anti-corrupção" apregoado pelo candidato de extrema direita e seus apoiadores.
Na Casa Civil e no comando da transição, Lorenzoni mantém vínculos com os parlamentares ruralistas e faz parte da chamada "bancada da bala". Há mais de 15 anos na política, ele também participou da base de apoio de Michel Temer e foi favorável à reforma trabalhista.
Para o cientista político Marcio Juliboni, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a escolha de Lorenzoni representa a maior contradição no discurso eleitoral de Bolsonaro.
"O Onyx Lorenzoni não é um personagem 100% idôneo. Ele apareceu na Lava Jato, admitiu ter recebido caixa 2 da JBS. Enfim, ele representa aquela mesma velha política 'de balcão' que o Bolsonaro diz que vai combater", analisa. "Se, por um lado, ele [Lorenzoni] fala a língua de uma parte considerável do Parlamento, porque conhece o apetite por verbas, por emendas e por cargos, por outro lado, vai ter que posar de combatente da moral e bons costumes", completa.
Armadilha
A presença de políticos tradicionais em cargos de primeiro escalão do governo Bolsonaro deve aumentar com a indicação de integrantes de partidos que integraram a coligação "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".
O Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), do vice Mourão, deve indicar o nome de Levy Fidelix, presidente da legenda. O Partido Republicano Brasileiro (PRB), braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, também deve ter participação no governo.
Outro político veterano que deve integrar a equipe é o ex-senador Magno Malta, indicado para o Ministério da Família -- pasta que será criada em substituição a vários órgãos de assistência social.
O ex-senador e futuro ministro de Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal em 2017 por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva por participar de um esquema de compras superfaturadas de ambulâncias para prefeituras com dinheiro do orçamento -- conhecido como escândalo da sanguessugas.
Na interpretação de Juliboni, o presidente eleito está armando uma armadilha para si mesmo: "Ele quer um governo idôneo sustentado por uma base fisiológica", aponta.
Jair Bolsonaro disse, na semana passada, que Magno Malta é um "irmão eterno", e reafirmou que pretende tê-lo sempre a seu lado na Presidência.
Edição: Daniel Giovanaz