O último relatório "Planeta Vivo", do Fundo Mundial para a Natureza (WWF, em inglês), divulgado na semana passada, mostrou que a área da Floresta Amazônica foi reduzida em 20% nos últimos 50 anos devido ao desmatamento. Segundo o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, a porcentagem de desmatamento entre 20% e 25% do bioma representa um ponto de inflexão. Ou seja, a partir deste ponto, o dano à floresta se torna irreversível.
O cálculo, publicado em fevereiro deste ano em um editorial na revista estadunidense Science Advances, foi feito com base em um estudo brasileiro divulgado em 2016, com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os primeiros modelos elaborados para responder qual o limite irreparável do desmatamento amazônico apontavam para cerca de 40%. Com a introdução de novas fatores, como mudanças climáticas e incêndios, além do impacto do desmatamento sobre o ciclo hidrológico amazônico nas últimas décadas, o novo ponto foi estabelecido.
De acordo com Carlos Nobre, coordenador do Instituto e autor do editorial, o número de 20% corresponde ao desmatamento na porção brasileira da Amazônia. O total do desmatamento da floresta, que faz parte de outros territórios da América do Sul, atinge entre 16% e 17%.
Nobre explica que a seca no sul e sudeste amazônicos são consequências da proximidade do ponto de inflexão. Se o desmatamento ultrapassar o valor crítico, há riscos de um processo de "savanização" do bioma, com perda de biodiversidade e emissão intensa de gás carbônico para a atmosfera.
"Para ficarmos no lado seguro, políticas de desenvolvimento para a Amazônia deveriam rapidamente nos levar a taxas zero de desmatamento líquido. Na verdade, há inúmeras áreas degradadas que podem ser utilizadas para restauração florestal. O Brasil, nos seus compromissos com o Acordo de Paris das mudanças climáticas, se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas e outros ecossistemas naturais até 2030. A Amazônia é candidata a ter uma grande área de floresta restaurada, digamos de 5 a 6 mil km², o que já seria uma excelente sinalização na direção de redução do risco de um ponto de inflexão ser atingido nas próximas décadas", afirma o pesquisador.
No entanto, o índice de desmatamento pode aumentar nos próximos anos, devido às políticas já anunciadas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Medidas como a possível união dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, o fim da demarcação de terras indígenas e quilombolas, e afirmações de que o país seria retirado do Acordo de Paris ameaçam os biomas brasileiros. É o que prevê Fábio Pacheco, coordenador da Articulação Nacional de Agroecologia na Amazônia.
"Vai ser um grande desastre. Esse governo não tem nenhum compromisso com o desenvolvimento, de fato. Essa coisa de ter voltado atrás na unificação dos ministérios não vai acontecer na prática, porque ele vai colocar alguém no Ministério do Meio Ambiente, que será biônico ao Ministério da Agricultura. Isso não tem volta. É o pensamento que conquistou todo o agronegócio que investiu grana nele [Bolsonaro]. Então, vamos ver um Ministério do Meio Ambiente subordinado ao agronegócio", afirma.
Pacheco participa, durante esta semana, do encontro Territórios Livres e Soberania Popular na Amazônia. O evento pretende organizar movimentos populares e organizações da Amazônia para articular formas de enfrentar retiradas de direitos e o avanço do agronegócio nos territórios preservados.
"As populações tradicionais, quem verdadeiramente preserva a Amazônia, movimentos sociais indígenas, quilombolas, já foram declarados alvo de criminalização pelo Presidente. Isso vai desestabilizar toda a organização que existe para eles acessarem essas terras, mais preservadas da Amazônia, sob domínio desses povos", completa.
Um dos integrantes da equipe de Bolsonaro para a Agricultura e ministro cotado para a pasta, Luiz Antônio Nabhan Garcia, que também é presidente da União Democrática Ruralista (UDR), chegou a defender que ainda há espaço para desmatamento legal na Amazônia. Nabhan afirma também que os proprietários rurais são os principais responsáveis pela preservação do meio ambiente. No entanto, para Pacheco, a intervenção "altamente capitalista" do agronegócio no Brasil, bem como da mineração, está por trás da destruição da Floresta Amazônica: quase um terço dos solos utilizados pelo agronegócio no país já foram desertificados.
"O agronegócio deveria estar muito mais preocupado com a preservação da floresta do que nós, porque o próprio clima é regulado por essa frágil relação entre vegetação e manutenção do clima. Se passamos do patamar de 20%, teremos toda uma reversão climática de alteração de regime de chuvas, aumento de temperatura, e vai ser terrível até para o negócio deles", denuncia.
A diminuição da oferta de água doce, que explica as recorrentes crises hídricas na região Sudeste e a extinção de animais, são alguns dos impactos do desmatamento observados pela WWF. Foram 50 mil km² desmatados no bioma amazônico nos últimos sete anos. Já o Cerrado teve 60% a mais de perda do que a Amazônia, com 80 mil km² de terras devastadas.
Edição: Daniel Giovanaz