A história do título "A Eleição dos Bichos" foi construída pelas próprias crianças durante oficinas
O leão já não representava mais as vontades dos outros bichos da floresta. O tal do rei da selva chegou a desviar água do riacho para construir uma piscina particular em frente a toca dele. Cansados desses desmandos, os animais resolveram organizar uma eleição para escolher um novo representante.
É nesse cenário que o livro "A eleição dos Bichos" discute política com o público infantil. E engana-se quem pensa que os pequenos não estão preparados ou não sabem opinar sobre a governança.
A história foi construída pelas próprias crianças em oficinas realizadas em São Paulo e em Florianópolis. Pedro Markun, hacker da política e um dos coautores da obra conta que sem grandes interferências dos adultos, os pequenos reproduziram muitas das estruturas políticas presentes no nosso sistema democrático.
“Um dos grupos das crianças, ao descrever a sua selva, terminou falando: e a gente é inimigo dos leões e aliados das preguiças. Imediatamente o grupo que vinha na sequência disse que precisava fazer uma correção. Correu no papel e escreveu assim: tratado de guerra com as cobras. Naquele momento se instalou a lógica das coligações e fundamentalmente, nessa eleição, esses dois grupos que resolveram se apoiar mutuamente ganharam. Isso foi muito impressionante. Não é algo que a gente tinha sequer previsto na mecânica, mas aconteceu reincidentemente. Depois dessa oficina aconteceu em outras também”, lembra.
Leão, macaca, cobra e preguiça são os candidatos ao cargo máximo na floresta. Depois de experimentarem construir uma campanha e desenvolverem argumentos para ganhar votos, as crianças escolheram como novo presidente da selva um bicho pouco popular: a preguiça.
E assim, o livro se tornou instrumento para pais e professores tratarem do tema. Mas é justamente aí que mora o desafio, segundo Pedro, que também é coautor do livro "Quem Manda Aqui", editado pela Companhia das Letrinhas. Ele conta que escrever para os pequenos é estratégia política, claro, para falar com outro público: o dos crescidos.
“Eu escrevo livro de política para as crianças para que justamente a gente não tenha adultos como os que a gente teve nessas eleições, porque foi muito desesperador e triste que as pessoas não tiveram capacidade de diálogo, muita falta de empatia de ambos os lados. E isso é porque faltou conversarem sobre política com a gente na infância”, explica.
Escrever sobre política para crianças também foi a aposta do selo Boitatá, da editora Boitempo. Desde 2015, diversos títulos já foram publicados ou traduzidos, como a coleção Livros para o Amanhã que traz os títulos, "A democracia Pode Ser Assim" e "A Ditadura é Assim". Thaisa Burani, editora-assistente do selo, explica que o material é um convite para o diálogo.
“Quando a gente lançou a coleção ela tinha muito esse propósito de dar uma introdução: como funciona uma eleição, quais são os três poderes, como a sociedade está dividida em classe social, mundo do trabalho. O sentido foi oferecer um ponto de partida, os primeiros conceitos que vão ser trabalhados para criança começar a se familiarizar com a cidadania e a vida política".
Como pequenos cidadãos, as crianças compartilham do cotidiano de períodos eleitorais ou de grandes acontecimentos políticos e por isso devem ser inseridas, defende Pedro. “A gente acha que quando a gente não fala com as crianças sobre política que elas não escutam. Que a gente protege elas de assuntos que não são da idade delas, quando na verdade é o oposto", conclui.
Os livros "A eleição dos Bichos" e "Quem Manda Aqui" foram editados pela Companhia das Letrinhas. Já a coleção Livros para o Amanhã, do selo Boitatá pertence a editora Boitempo.
Edição: Michele Carvalho