Ex-ministra da Suprema Corte de Justiça, Olga Sánchez Cordero encabeçará a linha de frente do governo do presidente eleito do México, Andrés Manuel López Obrador, que assume no dia 1º de dezembro. López Obrador, que foi eleito no dia 20 de julho pelo Movimento Regeneração Nacional (Morena), será o primeiro presidente a romper com o bipartidismo do Partido Revolucionário Institucional (PRI) e do Partido de Ação Nacional (PAN), que governaram o país por mais de 90 anos.
Magistrada da Suprema Corte, entre 1995 e 2015, e professora de direito da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), Olga Sánchez será a ministra da Secretaria de Governo, que no México equivale ao Ministério da Casa Civil do Brasil. Portanto, trata-se do principal ministério do governo de López Obrador, que promete ter como bandeiras temas como a regularização do uso recreativo da maconha, uma política de segurança mais humanitária, mudança no tratamento dado aos imigrantes centro-americanos que passam pelo México em direção aos Estados Unidos.
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Em uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, a futura ministra mexicana fornece um panorama de como será o governo de López Obrador, que tem em sua equipe de governo nomes que representam diferentes espectros ideológicos.
Um deles é o empresário Alfonso Romo, chefe do gabinete da Presidência, responsável pela condução da estratégia econômica do governo. Ele representa o lado mais liberal do novo governo mexicano.
Por outro lado, está a engenheira agrônoma María Luisa Albores González, conhecida por sua atuação à frente de cooperativas camponesas e o trabalho com movimentos populares. Ela chefiará a secretaria de Desenvolvimento Social, que mudará o nome para Secretaria de Bem-Estar Social, de acordo com anúncio de López Obrador. Também será responsável por políticas de distribuição de renda, geração de emprego e redesenho das políticas públicas para melhorias nas condições de vida da população mais pobre, assim como ações para os setores camponeses. Segundo o porta-voz do futuro mandato de López Obrador, Jesus Ramírez Cueva, essa pasta terá um dos maiores orçamentos do governo.
Dentro desse contexto, a futura ministra Olga Sánchez terá um papel central na execução das políticas públicas, que pretende ser a marca principal desse governo progressista. Além disso, deverá atuar na mediação dos conflitos entre o setor liberal e o de esquerda, que vão compor a nova equipe que governará o México nos próximos seis anos.
Nesta entrevista, Olga Sánchez fala sobre quais serão as linhas gerais do próximo governo. Confira:
Brasil de Fato: O programa de governo do presidente eleito, Andrés Manuel López Obrador, apresenta dois projetos claros. Um mais liberal e outro mais à esquerda, dirigido à classe popular. Mas no campo econômico o que será feito? Ele vai reverter as privatizações feitas nos últimos anos, por exemplo?
Olga Sanchéz Cordero: Não, ele não vai reverter nenhuma [privatização]. Ele vai respeitar as privatizações. No campo social o que haverá serão, sobretudo, mudanças nas políticas sociais. A política econômica terá os mesmos parâmetros e praticamente as mesmas condições que temos agora. Não haverá controle de câmbio, haverá autonomia do Banco Central do México, não haverá privatizações, mas tão pouco desapropriações. Vamos revisar os contratos [com o setor privado petroleiro], isso sim. E se forem lesivos ao Estado [mexicano], vamos recorrer à Justiça e às instâncias internacionais para resolver as possíveis controvérsias.
A senhora será ministra da Secretaria de Governo, um órgão que concentra várias pastas. Como ficará essa questão da distribuição dos poderes desse superministério?
Será dividido. Para a pasta de Segurança Pública será criado um novo ministério. Vou ficar com as pastas de Migração, Direitos Humanos e a de Governo, que é quem faz a relação com os poderes públicos, órgãos do governo e os três poderes do Estado. Em relação à segurança, minha participação se resumirá a um assento no Conselho de Segurança [um órgão multidisciplinar], que se reunirá todos os dias às 6h da manhã para analisar as questões policiais urgentes.
Vamos falar sobre migração. Quais serão as principais mudanças nessa área? A senhora confirma a informação de que a sede desse órgão do governo será transferida para Tijuana, na fronteira com os EUA?
Isso é verdade. E a política migratória será baseada no respeito aos direitos humanos. Porque não podemos reclamar de como os Estados Unidos tratam os imigrantes quando nós também tratamos mal aos imigrantes que estão aqui. Então, vamos mudar a maneira como tratamos o tema da migração para respeitar os direitos de todos os imigrantes que entram em nosso país. No nosso caso, não temos previsto delitos por emigração, são apenas multas administrativas. Nos Estados Unidos, em alguns casos, sim, são penalizados como delitos à estância migratória.
A política migratória do México mudará, então?
Vamos respeitar os direitos humanos.
A senhora foi presidenta da Suprema Corte, um setor mais conservador do Estado. Ainda assim a senhora considera que vem das bases da esquerda?
Sim, eu sempre me coloquei à esquerda. Inclusive em todas as minhas resoluções na Suprema Corte, durante mais de 20 anos, eu sempre me considerei uma pessoa de esquerda e liberal, ou seja, que defende a proteção dos direitos humanos para todos, ampliação dos direitos, sobretudo em temas como a despenalização do aborto, matrimônio igualitário, uso lúdico da maconha. Em muitos temas que são bandeiras de esquerda. Todas as minhas resoluções na Suprema Corte foram nesse sentido.
Também me referia à questão partidária?
Nunca fui de nenhum partido político, nunca militei em partidos.
A pergunta que queria chegar era: que tão de esquerda ou liberal será o governo de López Obrador? Será um governo de esquerda?
Creio que você pode entender como um progressista. Se quiser colocar o termo, então pode-se dizer esquerda-progressista ou social-democrata. Mas, será mais próximo a um governo progressista.
E como será a relação com países latinos, sobretudo com a Venezuela?
Creio que Andrés Manuel já falou claramente sobre esse tema. A diplomacia mexicana é conhecida por conservar três princípios fundamentais. O princípio da autodeterminação dos povos, da não-intervenção e o repeito à soberania de todos os países. Esses princípios estão claros para Andrés Manuel, e ele quer retomar essa tradição diplomática, da autodeterminação dos povos e o respeito à soberania e, sobretudo, a política de não-intervenção. Então, está claro que não vamos intervir e vamos respeitar a autodeterminação da Venezuela e de todos os povos.
Gostaria de falar da eleição, pois a diferença de votos entre o presidente eleito, Andrés Manuel Lopez Obrador, em relação ao candidato que ficou em segundo lugar foi ainda maior do que a projeção das pesquisas eleitorais. Qual é a mensagem política dos eleitores?
A mensagem é muito clara. A população quer mudança, uma guinada no rumo do país. Isso foi o que se demonstrou nas urnas. O povo do México quer mudança, essa é a tarefa que nós temos. Nunca foi tão claro que o que se quer é mudança na política pública, social, de estratégia contra a delinquência e alterações na segurança pública.
Virão, então, mudanças significativas?
Claro, isso é o que estamos propondo. Em relação à correlação de forças no Congresso, temos maioria, mas não é absoluta. Vamos ter que construir com outras forças políticas, porque é importante que todas as vozes que estão representadas nesses partidos tenham uma construção importante junto ao Morena, que tem o maior número de deputados e de senadores. Vamos ser inclusivos e vamos levar em conta todas as opiniões, porque eles representam a população e as forças políticas diversas. É muito importante destacar que vamos ser inclusivos. Andrés Manuel sustenta que haverá inclusão política e inclusão social como base para um México diferente, mas com todos.
Edição: Vivian Fernandes