A eleição do candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL) e o crescimento de seu partido no Congresso Nacional devem ser analisados no contexto de ascensão de setores da extrema direita em todo o planeta. É o que apontaram integrantes da fundação Rosa Luxemburgo, em visita ao Brasil. A instituição alemã, sem fins lucrativos, é reconhecida por suas iniciativas de solidariedade e cooperação internacional, promovendo pesquisas e debates que apontam alternativas para uma sociedade mais igualitária.
Na Alemanha, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) aumentou o número de representantes no parlamento. Na França, Marine Le Pen, da Reunião Nacional, chegou ao segundo turno na eleição presidencial -- apesar da derrota, seu partido ganhou espaço na política com discursos anti-imigração. Na Holanda, o Partido para a Liberdade foi o segundo mais votado na eleição de 2017, centrado na figura de Geert Wilders.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Dagmar Enkelmann, presidenta da fundação Rosa Luxemburgo em Berlim, afirmou que esses movimentos trazem respostas simples para problemas sociais e econômicos complexos. “Eles só tem uma resposta simples, que na verdade é uma pergunta: quem é o culpado? E aí vendem a ideia de que esses culpados, esses bodes expiatórios, precisam ser punidos”, disse, em referência à perseguição aos refugiados que chegam à Europa e são acusados de roubar trabalho e moradia dos europeus.
Enkelmann ressaltou a organização e o crescimento da extrema-direita em relação aos governos e instituições: “Lançando um olhar sobre a França, eu considero o [Emmanuel] Macron um político conservador, mas pelo menos conseguiu colocar a [Marine] Le Pen e a extrema direita um pouco para trás -- o que, infelizmente, é uma das exceções. De resto, nós vemos um avanço, nos últimos anos, da extrema direita”.
Ao citar métodos comuns de movimentos da extrema direita, Andrea Peschel, vice-diretora internacional da fundação, chamou a atenção para elementos que caracterizaram a campanha de Bolsonaro: racismo, uso massivo de fake news, descrédito dos meios de comunicação e defesa de uma agenda econômica neoliberal. O incentivo a modelos extrativistas também foi ressaltado pela vice-diretora. “A Polônia, por exemplo, que tem um governo da ultradireita, muito nacionalista e racista, está extraindo carvão e vendendo a todo o mundo, especialmente para a China”, exemplifica.
Crise econômica
As duas representantes da Fundação Rosa Luxemburgo associam a crise econômica de 2008 ao crescimento de movimentos da extrema direita. A falta de perspectivas para os jovens, o aumento de desemprego e pobreza são alguns fatores listados por Dagmar Enkelmann como consequências da crise. “Isso nós vemos no mundo inteiro, e faz com que pessoas que buscam respostas aceitem respostas simples”, diz. “Mas o mundo é muito mais complexo do que essas respostas simples que os populistas de direita oferecem”, acrescentou.
Enkelmann também avaliou que a centro-esquerda não atacou de frente os problemas gerados pela crise, e por isso não foi capaz de debater alternativas com a população. “Muitas vezes, nossa discussão acadêmica não chega até a pessoa que está lavando pratos”, ponderou.
A presidenta da fundação Rosa Luxemburgo em Berlim apontou a crise financeira como fenômeno comum entre a ascensão da ultradireita e das ideias nazi-fascistas que cresceram após a crise financeira do final da década de 1920. “A história não se repete, mas determinados eventos levam, às vezes, a consequências semelhantes”, lembrou. Para ela, que também é historiadora, é necessário aprender com aquele período. “Em que medida é possível criarmos uma aliança ampla para garantir ou fortalecer as instituições democráticas? Isto é um exemplo de aprendizado que podemos tirar desta época”, sugeriu.
União de setores democráticos
A vice-diretora internacional da fundação reforçou que, além da solidariedade internacional, é preciso que as forças de esquerda dos países se unam para formar frentes de defesa a democracia: “É importante que as esquerdas comecem a ter diálogos abertos, para encontrar pontos em comum e atuarem juntas”.
Na mesma linha, Dagmar Enkelmann ressaltou necessidade de movimentos de mulheres negras, população LGBT, movimentos sociais e outros setores fortalecerem o campo democrático. “Não é tarde demais para o Brasil”, finalizou, lembrando que medidas como criminalização de movimentos sociais, a saída de acordos internacionais, a retirada de direitos e a perseguição a população LGBT já foram anunciados, mas não implementados pelo próximo governo.
Edição: Daniel Giovanaz