A justiça da cidade de Mar del Plata, na Argentina, absolveu os três homens que foram a julgamento acusados de abuso sexual e subsequente feminicídio de Lucía Pérez, adolescente de 16 anos assassinada no dia 08 de outubro de 2016 após ser drogada. Dois deles foram condenados a oito anos de prisão por “porte de entorpecentes para fins de comercialização” e pagarão uma multa de 135 mil pesos [o equivalente a cerca de R$ 13.400]. O terceiro envolvido foi absolvido e solto.
A sentença, cujos fundamentos ainda não foram divulgados, desatendeu às reivindicações dos familiares da vítima e do movimento feminista que acompanharam o pedido de justiça pelo caso que comoveu o país e provocou a primeira greve nacional de mulheres, realizada cinco meses após o assassinato da jovem, no dia 8 de março de 2017, data em que se celebra o Dia Internacional de Luta das Mulheres.
A mãe de Lucía Pérez, Marta Montero, após conhecer o veredito, declarou que a defesa recorrerá à Câmara Federal de Cassação Penal, máxima instância penal do país que se encontra abaixo somente da Corte Suprema.
“Foram condenados pela droga que tinham e não pela morte de Lucía, é uma vergonha”, declarou.
Enquanto centenas de pessoas aguardavam o resultado do julgamento do lado de fora do tribunal, os três juízes, Facundo Gómez Urso, Aldo Carnevale e Pablo Viñas, condenaram por unanimidade Matías Farías, de 25 anos, Pablo Offidani, de 43, por porte de drogas com fins de comercialização agravado “por dano a menores de idade nas imediações de um estabelecimento educativo”. Ambos foram absolvidos da acusação de “abuso sexual com penetração agravado por resultar na morte da vítima, favorecido pela administração de drogas em concomitância com feminicídio” porque, segundo os juízes, não havia elementos suficientes durante a sustentação oral. Já Alejandro Maciel, de 61 anos, que foi à julgamento acusado de encobrir o crime, foi absolvido e libertado.
Os integrantes do Tribunal ainda solicitaram que a Procuradoria investigue a atuação da primeira procuradora que interveio no caso, María Isabel Sánchez - afastada do caso - que, no começo da investigação, sustentou que a jovem tinha sido estuprada e violada e que teria morrido devido a um reflexo vasovagal (estimulação anormal do nervo vago, que altera o ritmo cardíaco), resultado das lesões internas causadas pelo empalamento.
Durante o julgamento, essa hipótese foi descartada. A discussão foi marcada pelas diferenças entre os peritos sobre a causa da morte, quando alguns sustentaram que a adolescente morreu por “asfixia tóxica”.
Por sua vez, o advogado da família Pérez, Gustavo Marceillac, assegurou que vai recorrer da decisão “questionando a visão que, evidentemente, o tribunal teve em relação à existência do fato que afetou Lucía”.
“A princípio, o tribunal não considerou um fato que, para nós, estava reconhecido e com base nisso se dará o recurso que vamos apresentar”, explicou o advogado.
A defesa, durante as audiências criminais, havia pedido a prisão perpétua de Farías e Offidani e quatro anos e meio de prisão para Maciel.
Violência contra as mulheres
O defensor público Guido Lorenzino considerou que a sentença naturaliza a violência:
“A impunidade frente à morte ou o assassinato de uma mulher não só incita novos abusos, mas também transmite uma mensagem de que a violência contra a mulher é aceitável ou normal”. afirmou.
Para Lorenzino, “[a sentença] faz parecer que o assassinato é só um efeito colateral da compra e venda de drogas. A Justiça deixou passar uma oportunidade de repreender condutas graves contra o corpo, a integridade sexual e a vida de uma jovem que sofreu uma morte terrível”.
Em uma nota publicada nessa segunda-feira (26), o coletivo Ni una Menos [Nenhuma a menos] repudiou a absolvição dos acusados pelo feminicídio de Lucía Pérez.
“Mataram Lucía duas vezes. Na primeira vez, pelas mãos dos executores diretos; na segunda, pelas mãos de quem os absolveram e, assim, negaram que dois adultos que administraram cocaína para dominar à força uma adolescente são responsáveis por abuso e feminicídio”, denunciam as integrantes do movimento feminista.
Edição: Página 12 | Versão para o português: Luiza Mançano