É tempo de acumular forças para os embates que se aproximam
Por Jean Keiji Uema
A eleição de Bolsonaro traz novos e significativos desafios para o campo popular e democrático. Ao mesmo tempo, abre-se a oportunidade de unidade de ação para as forças de oposição, o que será decisivo na superação dos tempos difíceis que se aproximam e na retomada de um futuro de justiças social e econômica.
De imediato, é tempo de preparar a resistência para a proteção dos direitos, impedir o avanço da pauta conservadora e acumular forças para os embates que se aproximam, notadamente em face da provável ação violenta dos órgãos estatais em relação aos movimentos sociais e setores que se engajaram na luta contra o neofascismo.
A eficácia dessa resistência dependerá da capacidade de organização dos partidos, dos movimentos sociais e desses setores numa articulação das lutas que transcenda interesses específicos, conformando uma frente ampla, plural, representando os interesses gerais dos trabalhadores e pobres do país, além das pautas sociais progressistas.
Especificamente no Congresso Nacional, as bancadas de esquerda e centro-esquerda também precisam serem articuladas nesta frente. Inclusive com a possível atração de parlamentares do centro nas pautas de defesa da democracia e dos direitos civis e políticos.
Esse combate parlamentar, sustentado e reverberando as lutas sociais que certamente vão ocorrer, passará pela resistência à retirada e violação de direitos (p.ex. tipificação do “terrorismo”, redução da maioridade penal, fim das cotas sociais e raciais nas universidades), ao retrocesso institucional e social (p.ex. revogação do estatuto do desarmamento, desmonte do SUS, revogação do regime de partilha na exploração do petróleo), à imposição de uma pauta conservadora nos costumes (p.ex. escola sem partido) e à imposição de uma política econômica conservadora, de massacre aos pobres e privilégio aos ricos (p. ex. independência do Banco Central, reforma da previdência, privatizações).
Contudo, dada a composição das casas do Congresso, essa não será uma tarefa fácil.
No Senado Federal, que tem 81 parlamentares, os partidos de esquerda e centro-esquerda terão apenas 12 senadores, sendo 6 do PT, 4 do PDT, e 2 do PSB. O MDB continua o maior partido, com 11 senadores, seguido por PSDB com 8, e PSD e DEM com 7 cada um. Depois PP com 6 e REDE e PODE, com 5 cada um. O PSL, de Bolsonaro, tem 4 senadores. E há também uma série de partidos com 2 (PR, PTB, PPS, PHS) ou 1 (PRB, PROS, PV, SD, PSC, PRP) senadores.
Contando com o apoio da maior parte do MDB, DEM, PSDB, PSD, PP, REDE E PODE, o governo, que já tem PSL, PRB e PSC e outros nanicos, chegará com facilidade à maioria simples para aprovação de projetos (41 votos presentes os 81) e emendas à Constituição (49 votos).
Uma dificuldade maior para o governo pode acontecer na Câmara dos Deputados. São 30 partidos representados:
O PT (56), PSB (32), PDT (28), PSOL (10) e PC do B (9), juntos, tem 135 deputados. Se acrescentarmos aqui o PPS (8), PV (4), REDE (1) e PPL (1), pode-se chegar a um núcleo aproximado de 149 deputados que estariam em um campo da esquerda e centro-esquerda.
Do outro lado, o PSL (52) de Bolsonaro, junto com PRB (30), PTB (10) e PSC (8), que estarão unidos com certeza ao governo, tem 100 deputados.
Já o chamado Centrão, que provavelmente deve aderir ao governo em maior parte, e que reúne PP (37), MDB (34), PSD (34), PR (33) e PROS (8), tem nesse núcleo 146 deputados. DEM (29) e PSDB (29), com 58 deputados, fecham a lista dos partidos maiores. Depois temos uma série de pequenos partidos com os 60 parlamentares restantes para completar os 513.
Ainda se deve considerar o provável aumento da bancada do PSL, que deverá abrigar a maior parte dos deputados que sairão dos pequenos partidos que não alcançaram a cláusula de barreira: PHS (6), Patriotas (5), PRP (4), PMN (3), PTC (2), DC (1).
Assim, Bolsonaro, em princípio, terá uma maioria confortável para aprovar projetos de lei que exigem maioria simples: 258, ou seja, metade mais um dos presentes, uma vez atingido o quórum de 258. É o caso de projetos como o sobre o fim ao estatuto do desarmamento ou o projeto Escola sem Partido.
Mas poderá ter dificuldade maior para aprovar emendas constitucionais, que exigem 3/5 dos votos, ou seja, 308 deputados. Visto do outro lado, a oposição, que tem 149 deputados nas melhores contas, como vimos acima, precisa garantir 205 votos (ou votos e ausências) para impedir o avanço de propostas de emendas constitucionais, como a reforma da previdência, por exemplo.
Caberá à frente ampla de resistência democrática, em cada projeto, apontar as consequências nefastas e os impactos negativos. Esclarecer o conjunto da sociedade para fortalecer as lutas sociais e, desse modo, acentuar as divergências e acirrar as contradições na base do governo, conseguindo defecções e aliados pontuais nos diversos temas para impedir a aprovação dos retrocessos.
Mais do que nunca, os partidos de oposição, junto com os movimentos sociais e setores progressistas da sociedade, precisam se articular nessa frente ampla, onde não pode haver prevalências ou hegemonias que impeçam a ação conjunta, com companheirismo, solidariedade e um grande senso de responsabilidade histórica para vencer o autoritarismo e a opressão.
Ao mesmo tempo, consciente de que o processo de resistência será longo, a frente deve sempre apontar para o futuro, construindo um projeto alternativo para o conjunto da sociedade, uma agenda de emancipação social com conquistas para as trabalhadoras e trabalhadores e setores mais necessitados do país.
* Jean Keiji Uema é mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP, Analista Judiciário do Supremo Tribunal Federal, atualmente cedido para o Senado Federal, onde atua como coordenador da assessoria legislativa da Bancada do Partido dos Trabalhadores.
Edição: Daniela Stefano