Como se justifica a diminuição dos investimentos com o aumento da violência? Ano após ano os dados apontam o aumento da violência contra a mulher no Brasil. Segundo o Atlas da Violência 2018 (IPEA), de 2006 a 2016, os assassinatos de mulheres cresceram 6,4%. Só em 2016 foram 4.645 homicídios cujas vítimas eram do sexo feminino. Ao mesmo tempo, o Governo Federal, tendo como justificativa o ajuste fiscal para combater a crise econômica e política dos últimos anos, desde 2016, vem diminuindo os investimentos em políticas públicas para as mulheres e áreas afins.
Logo após o Golpe de março de 2016, na presidenta eleita Dilma Rousseff, Michel Temer retirou o status de Ministério da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres - SPM, que perdeu os recursos e a autonomia para o planejamento, a ação e a execução de projetos direcionados ao atendimento das necessidades específicas dessa categoria. Em 2017, já era possível observar o desmonte dos programas direcionadas às mulheres, tais como o Mulher Viver Sem violência, que visava a construção de 27 Casas da Mulher Brasileira, uma em cada estado; e 54 ônibus para atendimento de vítimas de violência na zona rural; hoje sucateados.
Dentre infinitos retrocessos, Michel Temer: nomeou apenas homens brancos para os Ministérios, o que não acontecia desde 1979, na gestão de Geisel; retirou o status de Ministério das Secretarias de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e da dos Direitos Humanos, reduzindo-as a secretarias do Ministério da Justiça; congelou os gastos públicos em saúde e educação por 20 anos. Tais reformas impactam diretamente as ações de emancipação social, promoção da igualdade de gênero e a vida das mulheres.
Há uma contradição na ação do Governo Federal de diminuir os investimentos em políticas públicas vide o aumento da violência, pois elas são um dos meios mais eficazes de enfrentamento da questão. Os gastos públicos, no recorte dos investimentos, apontam o que é prioridade em um Governo para o desenvolvimento do país. De acordo com o Portal da Transparência, para a SPM, em 2015, os investimentos representaram 27% dos gastos do Ministério, já em 2016 despencaram para 4%; e o mais grave é que, os recursos reservados por Dilma, para serem utilizados pelo Ministério, em 2016, eram de 90.988.859,17 reais, já em 2017 diminuíram para 12.117.578,87 reais, o que representa uma queda de 86,68% .
As mulheres foram praticamente excluídas do orçamento da União e da Política, sendo as mulheres negras as mais afetadas. A violência contra a mulher é uma questão estrutural da sociedade brasileira, pois foi enraizada e naturalizada desde a sua formação, sendo utilizada como instrumento de dominação das indígenas pelos portugueses, durante 350 anos nos estupros coloniais e hoje se reproduz no assédio sexual sofrido pelas empregadas domésticas. Ela tem como base as estruturas do racismo-patriarcado-capitalismo. O patriarcado, definido por Heleieth Saffioti como um sistema de dominação dos homens sobre as mulheres, tem a violência como instrumento de subordinação das mulheres.
As relações de gênero são inerentemente racializadas e produzidas em contextos cujas relações de classe determinam as posições ocupadas pelas mulheres. Segundo Sueli Carneiro, no Brasil, raça estrutura classe e vice-versa, no que ela chama de continuum histórico, que só muda o nome das instituições e dos esteriótipos, mas traz consigo as contradições, opressões e preconceitos do passado escondido no mito da democracia racial e cimentado com a igualdade formal das leis.
Por isso, a retirada dos direitos sociais, civis e trabalhistas impacta o combate à violência contra a mulher, pois lhes usurpa a autonomia, precariza sua força de trabalho e as resignam ao espaço doméstico. Isso restringe a mobilidade social das mulheres, que para sair do ciclo de violência necessitam de mecanismos adequados que atendam suas necessidades básicas. Mas, a retirada pelo Governo Federal das mulheres da Política implica que as políticas que incidem sobre a nossa realidade sejam impostas por homens brancos privilegiados, limitando a organização democrática, comprometendo a agenda feminista e o enfrentamento da violência contra as mulheres.
Diante do desmonte das políticas, permaneceremos atentas e seremos resistência, pois como disse a escritora e intelectual negra Conceição Evaristo: eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer.
*Mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (UFBA) e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
Edição: Heloisa de Sousa