Mais de dois anos e meio depois do assassinato da ativista e liderança indígena Berta Cáceres e a tentativa de assassinato de Gustavo Castro, a justiça de Honduras deve anunciar hoje o resultado do julgamento de oito pessoas acusadas de envolvimento no crime.
Berta foi morta por mercenários no dia 2 de março de 2016, após anos de perseguição e ameaças por causa da militância contra a instalação de uma barragem em território do povo indígena Lenca.
Entre os acusados estão pistoleiros, militares e representantes da empresa Desarrollos Energéticos (DESA), responsável pelo projeto hidrelétrico Agua Zarca, ao qual a líder indígena sempre se opôs, organizando uma resistência ativa contra o empreendimento.
Os dois representantes da DESA acusados são Sergio Rodríguez, gerente de assuntos comunitários e ambientais da empresa no período que corresponde ao assassinato da ativista, e Douglas Bustillo, chefe de segurança da companhia entre 2013 e 2015.
O julgamento foi concluído no sábado (24), mas apenas hoje será anunciada a sentença.
Irregularidades
A família da líder indígena e a organização de que ela era coordenadora geral, o Conselho de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), denunciaram ilegalidades no julgamento por violar os princípios de devido processo legal, com exclusão de provas fundamentais e, mais recentemente, impedir a participação de representantes legais das vítimas.
Os movimentos condenaram o que descrevem como uma estratégia sutil de garantir impunidade ao Estado hondurenho, que busca condenar os elos fracos e garantir que todos os atores com poder político e econômico escapem à responsabilidade pelo crime. “Haverá condenações”, afirmaram, “mas não justiça”.
Familiares de Berta Cáceres, organizações e movimentos sociais afirmam que o assassinato da líder comunitária não deve ser encarado como um caso aleatório cometido por pistoleiros, mas sim como um crime que implica anos de vigilância ilegal, infiltração e perseguição da própria militante e do próprio COPINH – tudo orquestrado e executado por uma estrutura criminosa envolvendo membros da DESA e do Estado hondurenho.
A equipe jurídica das vítimas apresentou evidências que buscavam mostrar esse contexto mais amplo e implicar membros dessa estrutura criminosa, mas as provas e o pedido de realização de uma análise por um especialista foram rejeitados. O recurso para que o COPINH fosse incluído no processo como vítima também foi rejeitado.
Além disso, a organização entrou com um pedido para impedir as juízas responsáveis de presidir o caso com base nas irregularidades sistemáticas que vêm sendo cometidas. Enquanto aguardavam uma resolução sobre o recurso, o tribunal retomou o caso, retirando a equipe jurídica das vítimas do processo por supostamente abandonarem o julgamento.
Preocupação
O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Honduras (EACDH) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiram uma nota ontem (28) expressando preocupação com a exclusão dos representantes legais das vítimas e os adiamentos injustificados no processo do caso Berta Cáceres.
Laura Zúniga Cáceres, uma das filhas da líder indígena hondurenha e membro do COPINH, divulgou uma nota no último dia do julgamento. “Hoje cabe a mim falar, coisa que eu não gostaria de fazer, porque ninguém quer falar depois de ter a própria mãe assassinada. Cabe a mim falar, porque esse poder judiciário não nos permite participar do processo e nos expulsou”, escreveu Laura.
“A equipe jurídica que comandava a acusação deveria estar aqui, nossos advogados, que nos acompanharam, investigaram, formularam uma teoria complementar para o caso”, continua a nota. “Eles deveriam estar aqui para concluir a argumentação, explicando o contexto em que o assassinato aconteceu. Como ela [Berta] foi caçada, como chegaram a perseguir acompanhantes internacionais, porque essa era a política da DESA”.
Laura também afirmou na nota que os advogados não poderão participar porque foram expulsos do caso. “Desde o momento em que minha mãe foi assassinada, fomos excluídos do processo, e não concordamos com isso. Não concordamos com termos negada a possibilidade de haver um observador presente durante a autópsia de minha mãe, de não recebermos informações. Tivemos que lutar por informações em cada etapa. Não fizemos isso por capricho, mas porque estamos preparados para fazer o que for necessário para chegar à verdade, porque entendemos que é nosso direito […], é direito do povo hondurenho, porque queremos estabelecer um precedente para a justiça”, afirma.
Conflito
Na conclusão do COPINH sobre o julgamento, apresentada em um fórum realizado na Universidade Autônoma Nacional de Honduras, a organização afirmou que “o caso Berta Cáceres estabelece um conflito entre o modelo econômico e institucional das elites criminosas da região e a resistência do povo”.
O COPINH chamou organizações e indivíduos de Honduras e de todo o mundo para se unirem ao movimento amanhã (30) nas ruas e pela internet para exigir justiça de fato. As hashtags usadas nas redes sociais serão #JusticiaParaBerta (“Justiça para Berta”), #FaltanLosAtala (“Faltam os Atala”, em referência à família mais poderosa do país, contra a qual há provas concretas do envolvimento no assassinato da líder indígena) e #CapturaALosAutoresIntelectuales (“Prisão dos Autores Intelectuais).
*Com informações da teleSUR
Edição: Redação