Cerca de 50 mil pequenos e médios agricultores, trabalhadores rurais sem-terra e líderes camponeses de toda a Índia se mobilizaram na semana passada na Marcha Kisan Mukti – ou Marcha da Libertação dos Agricultores – até o parlamento na capital do país, Nova Déli, entre quinta e sexta-feira, 29 e 30 de novembro.
A marcha foi organizada pela comissão de coordenação de luta de agricultores All India Kisan Sangharsh, que congrega mais de 200 organizações e movimentos sociais rurais.
Os manifestantes denunciaram a grave crise agrária do país, que já levou ao suicídio entre 300 e 400 mil agricultores desde meados da década de 90. Os trabalhadores rurais também fizeram um chamado para uma sessão especial de 21 dias de duração no parlamento para discutir a crise que assola o país há mais de duas décadas.
Além dessas pautas, os camponeses também fizeram exigências mais imediatas por uma política de garantia de preços mínimos para commodities agrícolas e o perdão de dívidas por empréstimos – principal motivo que leva ao suicídio milhares de pessoas que não conseguem pagar o que devem.
“Vi gente demais sucumbir à pressão e cometer suicídio, mas agora é hora de questionar o governo e fazer nossas vozes serem ouvidas. É por isso que todos estão indo para as ruas e lutando contra os capitalistas”, afirmou o agricultor Kamdev Prashad, de 82 anos, na mobilização da semana passada.
“Não estamos aqui para pedir esmolas, estamos aqui por nossos direitos” foram as palavras de ordem mais ouvidas entre os marchantes.
A Índia viu neste ano algumas das maiores mobilizações de agricultores desde os anos 80. Um protesto unificado de trabalhadores e camponeses levou 100 mil pessoas às ruas há alguns meses, enquanto outra marcha de pequenos produtores rurais no mês passado no estado de Uttar Pradesh terminou com repressão policial e vários manifestantes feridos.
Crise agrária
A crise agrária na Índia começou em meados dos anos 90 e se agravou com a sucessão de políticas públicas falhas implantadas por governos de centro, mas a revolta maior entre os manifestantes hoje está direcionada ao atual governo de extrema direita do Partido do Povo Indiano (BJP, na sigla em inglês), comandado pelo primeiro-ministro Narendra Modi. O motivo para a indignação está nas promessas feitas pela gestão, ao chegar ao poder, para contornar a crise.
“Ninguém se preocupa conosco. O governo do BJP tirou votos da nossa comunidade alegando que trataria dos problemas dos agricultores, mas ninguém apareceu lá depois das eleições”, afirmou a camponesa Uma Devi, de 38 anos.
Muitos manifestantes também apontaram que o BJP não apresenta propostas concretas para os problemas dos pequenos agricultores nas eleições estaduais que estão em pauta neste momento.
Hannan Mollah, secretário-geral da ala camponesa do Partido Comunista da Índia (de linha marxista), chamada All India Kisan Sabha (AIKS), ao falar para os trabalhadores rurais, declarou que “a próxima eleição vai acontecer em torno da questão dos agricultores, e não na questão de templos e mesquitas”. A fala faz referência à tentativa do BJP de alimentar tensões religiosas, estratégia fundamental da campanha do partido de direita há décadas.
A população urbana e a classe média de Nova Déli também expressaram solidariedade aos manifestantes dos movimentos sociais rurais. Militantes, professores e estudantes de várias universidades da região, além de artistas e lideranças sindicais, também se reuniram sob a bandeira de “Nação para os Agricultores” e ajudaram a mobilizar recursos para a marcha.
A mobilização também foi noticiada na mídia, que em geral ignora protestos massivos, e as hashtags #KisanMarch e #FarmersMarch ficaram dois dias entre os assuntos mais comentados das redes sociais.
Edição: Peoples Dispatch