Assembleia Legislativa Popular constrói unidade para enfrentar direita na Colômbia

Processo que envolve movimentos populares a plataformas de direitos humanos anuncia greve geral para 2019

Por Vivian Fernandes

De Bogotá (Colômbia)

“Nós temos dito, historicamente, que a única possibilidade para que a Colômbia tenha uma transição, uma mudança, é que o povo chegue ao poder”. Marylen Serna, mulher camponesa do departamento do Cauca, é assertiva ao dizer quais foram as bases da Assembleia Legislativa Popular e dos Povos, realizada de 9 a 11 de outubro, na capital colombiana, Bogotá.

Dirigente nacional da organização Congresso dos Povos, ela explica que a construção do poder popular nos territórios é o primeiro passo para mudar a realidade colombiana, mas que é fundamental garantir a unidade das forças sociais e políticas.

Assim, a realização dessa assembleia é elemento-chave que dará o tom da luta política em 2019. Com a presença de 1,3 mil representantes de comunidades, movimentos e organizações sociais e políticas de toda a Colômbia, foi aprovada uma agenda comum que inclui uma greve geral no país para o primeiro semestre.

Como uma paralisação política, a ação irá pautar: a defesa dos territórios; o fim da violência sociopolítica contra líderes sociais, defensores de direitos humanos, povos e comunidades; o rechaço à criminalização do protesto social; o desmonte efetivo e comprovável das estruturas paramilitares; contra as reformas da previdência, trabalhista e tributária; a defesa de saúde e educação públicas; etc.

Além disso, para as eleições regionais de 2019, a assembleia orienta que “as organizações sociais e políticas procurem gerar espaços de coalizão de propostas políticas e mecanismos democráticos para a definição de candidaturas de convergência”.

Participaram da assembleia, e seguirão nesta articulação, cerca de 40 organizações e parlamentares da bancada alternativa para a paz.

Entre eles, estão o Congresso dos Povos, a Coordenação Social e Política Marcha Patriótica, a Coordenação Nacional Agrária (CNA), o Processo de Comunidades Negras (PCN), a Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC), além de movimentos sindical, estudantil, de juventude, de mulheres, culturais, ambientais e comunitários, e plataformas de direitos humanos.

“Acreditamos que este é um momento propício para que os diferentes processos organizativos que existem hoje na Colômbia se sentem juntos, e façamos uma análise sobre o que está acontecendo no país. E mais do que uma análise, quais são as oportunidades que tem hoje o campo social e popular, democrático e alternativo, para afrontar a situação que estamos vivendo”, afirma Marylen.

Ela explica que, como resultado da instalação dessa assembleia, foi definida uma equipe nacional que sai com o compromisso de dar sequência à mobilização desse processo. “Precisamos sair para construí-la, propô-la, percorrer os territórios e regiões. Precisamos fazer com que as pessoas se apaixonem pela assembleia”.

Cenário que se repete

O momento em que ocorre o início oficial da assembleia é o de retorno de um governo de extrema direita à Colômbia. Nas últimas eleições presidenciais, ocorridas em maio e junho de 2018, saiu vitorioso o candidato do Centro Democrático, Iván Duque.

Ele é afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe, que governou o país de 2002 a 2010 e ficou conhecido por suas supostas alianças com grupos paramilitares, em um período de aumento da violência contra movimentos sociais, que deixou um saldo de milhões de mortos.

O candidato derrotado no segundo turno foi Gustavo Petro, ex-prefeito de Bogotá, considerado um político progressista, que liderou a coligação Colômbia Humana, apoiada por diversas organizações populares.

O resultado obtido por Petro, que contou com cerca de 8 milhões de votos – frente a 10,3 milhões do seu oponente –, foi emblemático, já que a Colômbia nunca teve um governo progressista.

“Temos, lamentavelmente, a repetição de um governo de extrema direita que tem o propósito de dar legalidade aos despejos territoriais, que já ocorreram por muitos anos, por meio de violência, de massacres, e que hoje se apresenta com leis regressivas dos direitos dos povos, que pretende entregar os territórios indígenas, de afro-colombianos e camponeses às empresas multinacionais”.

Essa é a avaliação de Alejandra Llano Quintero, representante da ONIC, organização que reúne 84 povos indígenas da Colômbia. Outros pontos do aumento da violência no país, apontados por ela, são a repressão a protestos e o alto índice de assassinato de líderes sociais.

Desde o início do governo Duque, em agosto deste ano, até metade do mês do novembro foram mortos 69 dirigentes populares, segundo o Instituto de Estudos sobre Paz e Desenvolvimento (Indepaz).

Mais um elemento para a análise da atual situação colombiana são os acordos e diálogos de Paz entre governo e guerrilhas, no bojo de uma história de mais de 50 anos de conflito armado.

Com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) – atual partido Força Alternativa Revolucionária do Comum, de mesma sigla – o acordo foi firmado em 2016. Mas, passados dois anos, ainda falta muito o que cumprir por parte do governo, o que levou a um número de assassinatos de ex-guerrilheiros e seus familiares de mais de 80 desde a assinatura, segundo dados do próprio partido.

Já com o Exército de Libertação Nacional (ELN), os diálogos de paz, iniciados ainda no governo anterior, de Juan Manuel Santos, estão suspensos no atual mandato. Um elemento colocado nas mesas de diálogos desta guerrilha é que a paz só será possível com justiça social, o que traz à tona elementos de mudanças estruturais, como mais direitos à população colombiana.

Sobre o tema, a Assembleia Legislativa Popular aprovou, em sua resolução final, que irá demandar por meio de protestos “solução política ao conflito social armado, cumprimento dos acordos de paz e a agenda de diálogos com o ELN e o governo nacional”.

Trajetória histórica

Esse não é um passo inicial, mas um salto qualitativo. Assim pode ser entendida a instalação da Assembleia Legislativa Popular e dos Povos, conforme aponta Marylen Serna, que é militante há 30 anos e foca seu trabalho em temas de paz, defesa do território e organização das mulheres.

“Nós viemos transitando há muitos anos em diferentes espaços de articulação. Por exemplo, em 1992, nos articulamos para rechaçar a celebração dos 500 anos que o governo colombiano, junto com o espanhol, queria fazer da chegada dos espanhóis à América”.

Outros momentos foram lembrados pela líder camponesa, que relata constantes momentos de articulação. “A cada quatro ou cinco anos propomos aos movimentos sociais que nos juntemos e vamos acumulando forças, também vamos olhando para onde vai essa força, para ir pensando efetivamente em algo estratégico.”

Recuperando a trajetória de experiências, paralisações e articulações, Alejandra Llano, dirigente indígena, cita a Cúpula Agrária, Camponesa, Étnica e Popular, criada em 2014, da qual fazem parte 14 organizações. Muitos dos movimentos que hoje estão na assembleia também participam desse espaço, que possui uma plataforma política coincidente com a proposta atual.

O diferencial desta cúpula é que ela conquistou a aprovação de sua legitimidade como ator político perante o governo, por meio do Decreto 807, que institui uma mesa de negociação das reivindicações. “Neste país temos uma mesa de diálogo com as insurgências, mas também uma mesa de diálogo com o movimento social, que tem igual importância. [Mas] tem sido muito difícil sustentar a relação com os governos”, avalia.

Com o retorno de um presidente de extrema direita ao país, os movimentos populares colombianos pretendem não retroceder, mas avançar, para isso a estratégia unitária de ação aprovada na Assembleia Legislativa Popular. Seguindo a linha histórica de resistência, Alejandra retoma: “Nós temos insistido que a mobilização é a estratégia fundamental de luta”.

FICHA TÉCNICA

Reportagem: Vivian Fernandes || Edição: Luiza Mançano || Fotos: Colombia Informa e Vivian Fernandes || Artes gráficas: Fernando Bertolo