A crise do capitalismo não pode ser resolvida dentro do neoliberalismo
Por Vijay Prashad*
Andrés Manuel López Obrador (AMLO ) tornou-se o presidente do México no dia 1º de dezembro. Líder do partido Morena (Movimento de Regeneração Nacional), Obrador chega à presidência vindo da esquerda. Seu discurso de posse expôs claramente as duas razões pelas quais a população mexicana vive na pobreza: o modelo neoliberal de governança econômica e política, e a “corrupção pública e privada mais imunda”. López Obrador disse que não processaria a administração de seu antecessor porque “não haveria cortes ou prisões suficientes” para os culpados. Nas últimas duas décadas, enfatizou López Obrador, o México seguiu um conjunto de políticas desastrosas – o neoliberalismo – que tem sido uma calamidade para a vida pública do país. Para conhecer a nossa teoria do neoliberalismo, por favor, leia nosso primeiro Documento de Trabalho – Nas Ruínas do Presente.
Cento e trinta milhões de mexicanos olharam para López Obrador buscando alguma liderança. Desde a crise da dívida do Terceiro Mundo no início dos anos 1980, Estados como o mexicano foram forçados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelos mercados financeiros globais a canibalizarem suas riquezas. Recursos do país foram dados de presente a empresas internacionais gigantescas e a sua própria oligarquia financeira (liderada por Carlos Slim Helú, um dos homens mais ricos do mundo, cuja riqueza provém da pilhagem dos recursos públicos, quando o Estado entregou a Telmex – monopólio de comunicação – em suas mãos, em 1990). Vale a pena recordar os anos desde a crise da dívida até a venda dos ativos públicos do México, que o Banco Mundial chamou de “modelo”. O governo vendeu mais de 80% de suas 1.155 empresas.
Naquela época, Álvaro Cepeda Neri escreveu no La Jornada: “o saque da privatização fez treze famílias multimilionárias, enquanto o resto da população – cerca de oitenta milhões de mexicanos – foi submetida ao mesmo empobrecimento gradual como se tivessem sofrido uma guerra”. A pilhagem define a História do México, da captura, por parte dos Estados Unidos, da metade das terras do México em 1848 (incluindo a Califórnia, rica em ouro) à diminuição das potencialidades do México por causa do NAFTA, em 1994. É pedir demais ao governo de Lopez Obrador que resolva todos problemas do México em um curto prazo. O novo governo não pode mudar tudo. Mas pode começar a mudar a direção da política de Estado.
Governos de esquerda do hemisfério sul, sob pressão dos Estados Unidos, reuniram-se em torno de López Obrador para sua posse. Estava o boliviano Evo Morales e o cubano Miguel Díaz Canel. O venezuelano Nicolas Maduro compareceu, apesar da imensa pressão dos direitistas e liberais mexicanos para cancelar seu convite. Daniel Ortega, da Nicarágua, não foi. A pressão dos Estados Unidos não é trivial. O governo do presidente dos EUA, Donald Trump, cunhou uma frase – troika da tirania – para se referir a Cuba, Nicarágua e Venezuela.
Os Estados Unidos estão ansiosos para buscar uma mudança de regime em um ou todos esses Estados (como observei em meu relatório no Frontline). A guerra híbrida está em voga, o que inclui o incentivo de rebelião civil e o uso das mídias sociais para promover mentiras de todos os tipos (para ver uma nítida noção das ameaças, por favor, leia a entrevista de John Pilger para o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social feita por nossos parceiros Jipson John e Jitheesh PM; leia também Guerras Híbridas, de Andrew Korybko, que pode ser baixado gratuitamente aqui). Maduro recebeu um gelo tanto da direita quanto dos liberais, mas foi bem recebido pelos sindicatos mexicanos. As linhas de batalha estão claramente desenhadas.
A imagem acima foi feita por Elena Huerta Muzquiz (1908-1997), uma das maiores artistas comunistas mexicanas.
Ao sul da Cidade do México, em Buenos Aires, o Grupo dos Vinte (G20) realizou um encontro, conversou entre si e depois retornaram a suas crises intratáveis. A reunião foi realizada no centro de convenções Costa Salguero – escondendo-se das vozes altas e claras dos manifestantes. Estes estiveram presentes porque, como o escritório da Instituto Tricontinental de Pesquisa Social em Buenos Aires observou em seu boletim regular e em nosso mais recente Dossiê, o colapso econômico da Argentina tem sido constante e os argentinos apontam seus dedos – como Lopez Obrador – para o conjunto de políticas implementadas e não no destino. Quando as pessoas fizeram perguntas sobre as políticas que fragmentaram suas vidas, a resposta dos líderes do G20 foi escrita com gás lacrimogêneo. É a linguagem da liderança do G20. É o que López Obrador quer evitar.
Nenhum acordo real poderia sair do G20 porque a crise do capitalismo não pode ser resolvida dentro do neoliberalismo. Somente mudanças pontuais podem ser feitas, e só mais exigências serão feitas a uma população já exausta em todo o planeta.
A pintura em destaque (acima) – de 1934 – é do artista argentino Antonio Berni (1905-1981), chamada Manifestação. De uma manifestação em outro momento de crise financeira para outra de nossos tempos.
Uma reunião também importante aconteceu simultaneamente em Viena (Áustria) na sede da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), sob a guarda dos destacamentos paramilitares de elite WEGA. Lá, a Rússia e a Arábia Saudita chegaram ao acordo de que os preços do petróleo devem subir. Agora que os Estados Unidos estrangularam o Irã e a Venezuela, é visto como aceitável deixar os preços do petróleo subirem. Não há soluções nesse caso. A Índia e a China vêm contemplando seriamente a criação de um clube de compradores de petróleo (como relato aqui). As tensões entre a Opep+ (que inclui a Rússia) e os compradores asiáticos de petróleo, que representam um terço do mercado mundial, certamente produzirão crises em cascata. O gás lacrimogêneo em Paris (ver acima) foi uma das frentes dessa crise, quando a população foi às ruas contra a alta dos preços dos combustíveis (para mais informações, por favor, leia o relatório de Susan Ram). Haverá muitos desses episódios relacionados aos preços do combustível e à destruição do clima.
López Obrador, que foi advertido pelo FMI para não intervir na difícil situação da Pemex – companhia estatal de petróleo do México – ou para intervir nas empresas petrolíferas monopolistas, disse agora às companhias do setor que se elas não investirem mais em exploração e produção, ele não permitirá que expandam suas operações no país. Obviamente, existem consequências ambientais devido ao aumento da produção de petróleo. Mas esse é um problema global e não algo que o México possa resolver pondo fim à exploração de petróleo por decreto (por favor, consulte nossa carta semanal no. 33 sobre esse tema). Obrador precisa de receitas de algum lugar para enfrentar os graves problemas da pobreza no México.
Em 30 de novembro, dezenas de milhares de agricultores e milhares de pessoas que estavam com eles marcharam por toda Déli para exigir uma sessão parlamentar para atender às suas necessidades. Um dos slogans mais ressonantes foi Ayodhya nahin, karz maafi chahiye – “Não à Ayodhya. Queremos que a nossa dívida seja cancelada”. Ayodhya é uma cidade do norte da Índia, onde as forças da extrema-direita (BJP e seus aliados) destruíram uma mesquita do século 16, em 1992. Este ano, mais uma vez, a direita planejava marchar até Ayodhya e exigir que um templo hindu fosse construído sobre as ruínas da mesquita. É a desagradável dinâmica política que impulsionou a ida do primeiro-ministro Narendra Modi ao poder. A marcha dos agricultores – liderada por uma série de organizações, incluindo All-India Kisan Sabha – cortou o mal-estar. Isso fez com que questões atuais que atacam os agricultores e os trabalhadores agrícolas fossem colocadas sobre a mesa: preços altos de insumos, baixos preços das commodities, financiadores predatórios, dívidas, fome. Queremos que nossa dívida seja anulada, disseram, não que outro templo seja construído, criando mais conflito social.
Nossos amigos do People’s Archive of Rural India (Arquivo Popular da Índia Rural) e do Newsclick cobriram os protestos, dando-nos uma perspectiva sobre a vida dos agricultores e dos trabalhadores agrícolas que vieram para Déli. “O que quer que cultivemos”, disse um dos agricultores, “sofremos perdas”. Esse é o resultado de uma política econômica que tem sido um desastre.
Em um pequeno ensaio, o economista Prabhat Patnaik sugere que os problemas se agravarão ainda mais neste período de crise permanente. O Terceiro Mundo, escreve ele, “está se afundando em um período prolongado de estagnação. Isso trará uma aflição aguda aos trabalhadores, uma vez que a acumulação primitiva de capital à custa dos camponeses e pequenos produtores, que vieram com o boom capitalista, continuará inabalável, enquanto a estagnação só reduzirá ainda mais a geração de emprego dentro do setor capitalista. Nenhuma solução se faz visível dentro destas políticas – políticas que López Obrador promete tentar sair.
Na nossa carta semanal nº 40, honramos a Dr. Amit Sengupta, um antigo membro do Partido Comunista da Índia (Marxista), líder do movimento de saúde popular e movimento de ciência popular. Ele também foi um dos organizadores da Assembleia Internacional dos Povos, uma rede global de movimentos de esquerda. Nossa imagem desta semana, abaixo, continua nossa homenagem a ele.
*Vijay Prashad é historiador e jornalista indiano. Diretor Geral do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
Edição: Luiza Mançano