Este é o boletim semanal Ponto, projeto em parceria com o Brasil de Fato. Nossa intenção é trazer a você um resumo das principais notícias da semana, que muitas vezes se perdem em meio ao caos de informações, além de análises, indicações de leituras e outros conteúdos que, na correria do dia a dia, você não conseguiu acompanhar. Assim, você receberá todas as sextas, em seu e-mail, um guia de informações para que você não se perca nesta crise – política, econômica, social e informativa.
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O governo Bolsonaro praticamente concluiu a montagem do seu primeiro escalão e, nesta edição, analisamos os pontos fortes e fracos do novo governo, além de suas relações com os outros poderes. Seguimos acompanhando o destino do Mais Médicos e também da situação político e jurídica de Lula. No Boa leitura, várias recomendações para entender a onda conservadora internacional. Vamos lá!
Cautela e canja de galinha. Esqueça as bravatas e declarações contraditórias nas redes sociais, olhando por cima da cortina de fumaça, a verdade é que a 25 dias de sua posse Jair Bolsonaro tem muito pouco com o que se preocupar. O governo está montado e no fim das contas, apesar da chiadeira, prevaleceram as ideias originais, como a extinção do Ministério do Trabalho, além da redução de postos ligados à indústrias. Mesmo que a Funai, por exemplo, não tenha ido para o Ministério da Agricultura, sua alocação no Ministério da Cidadania cumprirá a mesma função de desterritorializar os povos indígenas. E os evangélicos, que tinham poder de veto, mas ainda não tinham um ministério para chamar de seu, emplacaram a pastora Damares Alves, no Ministério dos Direitos Humanos. A indicação de sua ex-assessora, por outro lado, é a pá de cal para a retirada de Magno Malta da vida política.
Temer se comportou como o melhor amigo possível: facilitou toda a transição e ainda engoliu calado o ônus da saída do Mais Médicos, provocadas pela declaração de um presidente que nem tomou posse. Além de afagos, Temer vê em Bolsonaro a continuação e aprofundamento do seu legado na economia e nas privatizações. Se na semana passada havia reclamações sobre o novo governo conversar com bancadas e não com partidos, nesta semana a fila para o beija-mão resultou na adesão formal do PR (partido que vem comandando os Transportes há anos) à base governista, no apoio do Podemos, na troca de afagos com o PSDB e na declaração de que o MDB terá “independência ativa”, o que significa que o MDB será o mesmo MDB pragmático de sempre. Até o judiciário, que foi um ator determinante no cenário político desde 2016, parece ter cansado dos holofotes e agora Dias Toffoli sinaliza que é hora do STF se recolher. Justo agora, que interessante.
Na política externa, as declarações de amor do novo governo aos Estados Unidos continuam. O chanceler Ernesto Araújo afirmou que o céu é o limite na relação entre os dois países. Na falta da lua para oferecer, o próximo governo já acertou dez pontos de interesseaos americanos, começando pelo uso comercial da Base de Alcântara no Maranhão. Mas o professor de Relações Internacionais da FGV Oliver Stuenkel alerta: “Eles operam como se os EUA tivessem a capacidade de compensar o que a China representa hoje para o Brasil. Esse mundo não existe mais.”
Nem tudo são flores. Se não é aconselhável apostar que o governo Bolsonaro vai fazer água, por outro lado a turma que está adentrando no Planalto tem várias pontas desamarradas. Nesta semana, surgiu uma informação importante: um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) indica uma movimentação atípica de um PM e ex-motorista do deputado estadual Flávio Bolsonaro (o que desmaiou num debate). O documento faz parte da operação que prendeu 10 deputados estaduais do Rio de Janeiro, mas nem Flávio nem seu ex-motorista são investigados. José Carlos de Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Entre as movimentações, um cheque de R$ 24 mil para a futura primeira-dama Michele Bolsonaro. O presidente eleito já saberia da informação, segundo informa esta revista ligada ao site Antagonista. O curioso é que tanto Flávio quanto Carlos Bolsonaro prestaram homenagens a Queiroz na Alerj e na Câmara de Vereadores do Rio em 2003. A bancada do PT na Câmara entrou com representação na PGR. Nesta sexta (7), o Estadão, o primeiro jornal a revelar o caso, informa que o mesmo relatório cita movimentações de Queiroz com sua filha, que até o mês passado estava lotada no gabinete de Bolsonaro. Esse caso é interessante porque Sérgio Moro vinha defendendo que o Coaf ficasse sob o organograma do seu Ministério da Justiça. E agora?
Além disso, vale ficar de olho no caso levantado pela Folha de São Paulo ainda no final de semana passado, mostrando como uma rede empresas usou celulares com nomes, CPFs e datas de nascimento de pessoas que ignoravam o uso de seus dados, para viabilizar o disparo de mensagens em massa durante a campanha. Deputados do PT também protocolaram representação no Ministério Público Eleitoral.
Na área política, apesar das articulações e dos afagos mencionados acima, também há ruídos e não são poucos. A notícia da semana foi a briga no zap do PSL em torno de quem comandará o partido na Câmara. A Folha desta sexta (7) informa que o PSL está dividido também em relação a quem apoiará para a presidência da Casa. Imbuído da missão de implodir o sistema, Bolsonaro terá uma missão difícil, até porque ele não deixa de ser sistema também. Ainda sem contar o apoio do PR, a Folha listou apenas três entre 15 partidos dispostos a aderir formalmente ao governo. E o jornal El País faz um bom apanhado de como será a relação com o Congresso: “O que vai ser testado é se é possível montar um governo sem negociar a participação dos partidos no ministério", diz um analista.
O DEM, por exemplo, já estaria dividido em função deste estilo de negociação, digamos, mais direto. Já a Bancada Ruralista, que já emplacou um bom contingente de representantesno governo, estaria cobrando um preço ainda mais alto em troca de apoio. Falando em DEM, a proeminência de Onyx Lorenzoni tem revelado um racha entre o futuro ministro da Casa Civil e os militares que compõem o núcleo duro. Sobre Onyx, já se fala que ele não goza de tanto prestígio. Além de excessivamente protagonista, pesa sobre ele mais uma investigação de caixa 2. E é interessante observar, aqui, como Bolsonaro surfa na sua popularidade para reforçar a imagem de único líder da bagunça toda.
RADAR
Precisamos falar sobre Lula. O destino de Lula continua dependendo de dois espaços: os tribunais e as ruas. No judiciário, o fim das eleições não reduziu o cerco jurídico ao ex-presidente. Pelo contrário, além de manter a proibição de entrevistas, os promotores da Lava-Jato também querem caçar a autorização para as visitas de Fernando Haddad. Na PGR, Raquel Dodge rechaçou mais uma vez a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU em favor da garantia dos direitos políticos. E no STF, o novo pedido de habeas corpus estava sendo derrotado na segunda turma, quando Gilmar Mendes pediu vistas ao processo. Não à toa, em sua primeira entrevista, por carta para a BBC de Londres, Lula mirou no judiciário e no comportamento de Sérgio Moro no seu processo. Neste cenário adverso, há quem tente convencer Lula a aceitar a prisão domiciliar. Já o ex-presidente prefere receber um habeas corpus para aguardar em liberdade o julgamento na última instância. Nas ruas, manifestações estão sendo convocadas para o próximo dia 10, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Terrorismo. Defendido pelo ex-juiz Sérgio Moro, um projeto que torna possível o bloqueio de bens de pessoas e entidades investigadas ou acusadas de terrorismo tramita em caráter de urgência na Câmara. Deputados da oposição alertam que o grande risco do projeto é o conceito do que é terrorismo. Enquanto isso, um segundo projeto está na Comissão de Constituição e Justiça. De autoria do senador gaúcho Lasier Martins (PSD) com relatoria de Magno Malta, o projeto (aqui está o inteiro teor) quer alterar a lei de 2016 que tipifica o que é terrorismo, incluindo no rol de atividades consideradas terroristas “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado” ou até mesmo “louvar outra pessoa, grupo, organização ou associação pela prática”. Na prática, como diz a Folha de São Paulo, um curtir no Facebook vai poder ser considerado terrorismo se a proposta for aprovada. Em tempo: o novo governo quer concentrar o poder de bloqueio no Ministério da Justiça, retirando a AGU e o poder judiciário do rito.
Legendas. O impacto das eleições ainda deve produzir mais mudanças no sistema partidário. Por um lado, 14 partidos não atingiram a nova regra de cláusula de barreira e serão excluídos do fundo partidário e da propaganda eleitoral no próximo período. Para sobreviverem, algumas legendas estão optando pelas fusões com outras legendas: o PCdoB em vias de incorporar o PPL; o PHS que deve se fundir com o Podemos e a Rede que deve formar uma nova legenda com o PPS, o Movimento 23. Mas há também outras formas de atuação partidária que devem ganhar tons mais nítidos depois desta eleição: o MBL que se abrigou no DEM para eleger deputados, já sonha com a sua própria legenda e cogita até assumir uma das catorze barradas pela cláusula. Já o RenovaBR, fundo de investimento? ops, movimento suprapartidário financiado por Luciano Huck, Armínio Fraga e o empresário da educação Eduardo Mufarej, deu um curso de formação para preparar os seus 17 parlamentares eleitos, autointitulados “bancada da renovação” e um jantar comemorativo com Huck, FHC e o governador eleito de Minas, Romeu Zema.
RETROCESSO DIÁRIO
Menos Médicos. Como havíamos alertado na edição passada, novos inscritos no Mais Médicos estão abandonando o programa Saúde da Família para ingressar no programa federal. No Rio Grande do Norte, das 139 inscrições para o Mais Médicos, 110 migraram das equipes de Saúde da Família. Entre as vagas que estão sendo preenchidas em São Paulo, a preferência é pela região central, evitando as periferias. Cidade Tiradentes, por exemplo, não preencheu nenhuma vaga, como comprovou o Brasil de Fato, ao encontrar a UBS fechada após a saída dos médicos cubanos. Situações como essas vão se repetindo em diversas regiões do Brasil: no Piauí, por exemplo, dos 199 médicos inscritos apenas 12 haviam se apresentado até quarta (5). Em São Gabriel, um dos municípios mais afetados no interior do Rio Grande do Sul, apenas um dos 13 médicos haviam se apresentado. No total, apenas 44% se apresentaram para trabalhar em todo país e outros 200 já comunicaram que não irão assumir as vagas. O Brasil de Fato também mostra que áreas indígenas e estados do Norte estão sendo bastante afetados. Tanto que uma nova portaria deverá tentar impor regras mais rígidas para quem desiste. Resta saber o que será feito do Mais Médicos: a futura chefe, pelo menos, era uma crítica do programa. Médica pediatra e ex-presidente do sindicato dos médicos do Ceará, Mayra Pinheiro se notabilizou por protagonizar manifestações contra a vinda de médicos cubanos e se filiou ao PSDB. Em entrevista ao jornal O Povo, do Ceará, ela disse que pretende corrigir “distorções” do Mais Médicos.
Pobreza. A Síntese de Indicadores Sociais divulgada nesta semana pelo IBGE mostra que o Brasil tinha 54,8 milhões de pessoas que viviam com menos de R$ 406 por mês em 2017, dois milhões a mais que em 2016. Isso significa que a proporção da população em situação de pobreza subiu de 25,7% para 26,5%. No entanto, o jornalista Marcelo Soares alerta que, como o IBGE não apresenta uma série mais longa, é possível que o Brasil tenha regredido 11 anos na redução da extrema pobreza.
VOCÊ VIU?
Nova Base Curricular. O Conselho Nacional de Educação aprovou nesta semana a nova Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio. Agora, a BNCC precisa apenas ser homologada pelo MEC para entrar em vigor. Na prática, a medida destrava a reforma do ensino médio. Pela nova base, 40% da carga horária pode ser cumprida através de itinerários formativos. Para especialistas, a medida abre espaço para atuação privada e o ensino a distância. A BNCC também torna apenas matemática e português como disciplinas obrigatórias nos três anos, enquanto os demais conhecimentos podem ser distribuídos ao longo do período, em um ano, dois ou três.
Fusão. A fusão da Embraer com a Boeing foi suspensa pela Justiça de São Paulo, atendendo a uma ação do deputado Paulo Pimenta (PT RS). O juiz argumentou que o recesso do judiciário e a renovação dos poderes executivo e legislativo impedem a continuidade das negociações neste momento. Para a surpresa do próprio juiz, os advogados da Embraer, em contestação a suspensão, afirmam que a empresa, terceira maior exportadora do mundo, está falida.
Direito à verdade. O Grupo de Trabalho Perus identificou, através de exames de DNA, os restos mortais do bancário Aluízo Palhano Pedreira Ferreira, assassinado aos 49 anos no no departamento comandando por Carlos Brilha Ustra, o herói de Jair Bolsonaro. Nesta reportagem, a BBC mostra como é o trabalho de identificação das vítimas da ditadura.
Campeão dos campeões. Mais um processo para Temer. Raquel Dodge enviou manifestação ao STF que diz que Temer e Moreira Alves receberam R$ 4 milhões da Odebrecht para beneficiar a empreiteira em obras do aeroporto do Galeão. A novidade é que Dodge pede que Temer seja processado por corrupção passiva e não por caixa 2, como seguiam as investigações.
No interior do Brasil. Reportagem do site Repórter Brasil mostra como aliados políticos de Bolsonaro estão promovendo uma perseguição jurídica contra o padre José Amaro Lopes de Souza, que faz no Pará o mesmo trabalho da missionária Dorothy Stang.
BOA LEITURA
Não estamos sós. A extrema-direita surpreendeu com a eleição na Andaluzia. A pesquisadora Esther Solano mostra as semelhanças do discurso do Vox e as eleições brasileiras: um discurso antifeminista, anti-sistema, antiglobalização. E com uma base social cansados da política, raivosos e ressentidos. E olha o dedo de Steve Bannon aqui de novo. No Sul 21, o professor alemão Thomas Poguntke avalia que a retórica revanchista e anti-sistema dos partidos de extrema-direita que emergiram é amarrada por uma ideologia incoerente e frágil, a partir de temas impopulares, mas sem programas claros.
Ambíguos. Rosana Pinheiro-Machado usa o exemplo dos coletes amarelos na França para discorrer sobre as revoltas ambíguas. Para a pesquisadora, os protestos do precariado tendem a ser desorganizados, uma vez que a esfera de politização deixa de ser o trabalho. Por isso, sem abrir mão do discurso de classe, a esquerda precisa encontrar outros meios e discursos para dialogar com o precariado.
Os malucos dançam. A jornalista Eliane Brum traz um bom resumo sobre as patacoadas intelectuais de quem chega ao Planalto, em especial o futuro chanceler Ernesto Araújo.
Mentor. O The Intercept entrevistou Benjamin Harnwell, parceiro de Steve Bannon no chamado O Movimento, a articulação de ultradireita internacional. O britânico expõe sua admiração por Bolsonaro enfrentar a “ameaça comunista” e define a extrema-direita como aqueles que recusam o Estado, “porque o Estado serve somente para explorar as pessoas e isso é feito para garantir a elite”.
Uni-vos. Na BBC, o ex-ministro da economia grego Yanis Varoufakis atribui a crise financeira e a transferência dos custos da crise para os trabalhadores, a origem dos descontentamentos que geram populistas e racistas. A Internacional Progressista, imaginada por Varoufakis, pretende colocar o dinheiro privado ocioso a serviço do bem comum internacional.
Fake news. A Rede Brasil Atual desmente Bolsonaro e Eduardo Villas Boas: o suposto corredor ecológico Triplo A (Andes, Amazônia, Atlântico) não existe e nem faz parte do acordo do clima de Paris, justifica da dupla militar para o Brasil rever os acordos.
Inversão. Em artigo jurídico, o advogado penal Philipe Benoni Melo e Silva critica os juízes que invertem e distorcem a Lei Maria da Penha, contra as vítimas-mulheres e em favor dos homens.
Rejuvenescer. Na Carta Capital, o economista do DIEESE Fausto Augusto Júnior defende que as novas formas de contratação vão exigir novas formas de organização e ação política para os sindicatos.
Sampa. Através da história de José Lourival dos Santos, sem teto que vive no viaduto do minhocão, e do desabamento do viaduto de Pinheiros, a Piauí reflete sobre uma cidade que prioriza os automóveis às pessoas.
Time do Rei.O Palmeiras queria ser o Real Madri da América. Mas pelo jeito no sentido franquista. O Palmeirense Fernando Cesarotti analisa a aposta alta e consciente que o time fez em deixar Bolsonaro brilhar na festa que era do time. Para o jornalista, a opção é coerente com a elitização que a gestão faz do time e da torcida.
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