Pela primeira vez, em 15 anos, o país estagnou na redução das desigualdades
Por Raquel Mailan*
A Política de Assistência Social resultou da luta do povo brasileiro pela garantia de direitos sociais, como educação, moradia, saúde e trabalho. Historicamente, as ações sociais no Brasil foram desenvolvidas seguindo a lógica do favor e da caridade, sem perspectiva de redução das desigualdades. E, pontualmente, alguns direitos foram sendo conquistados a partir de organizações populares, que pressionavam o Poder Público.
A partir de 1988, no entanto, a Constituição Cidadã instituiu a Seguridade Social, destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social. É neste momento que a Assistência Social transita para o campo das Políticas Públicas, o que significa dizer que passa a ser um direito do cidadão e uma responsabilidade do Estado.
Essa política social começa, de fato, a ser implementada em 1993, com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que define a Assistência como uma política não contributiva, ou seja, impõe ao Estado a universalização do acesso ao mínimo social, instituindo o Benefício da Prestação Continuada aos Idosos e às Pessoas com Deficiência.
Essa política foi dando os primeiros passos a partir da árdua luta de trabalhadoras e trabalhadores e dos movimentos sociais em resistência a um período neoliberal, que impunha a redução dos investimentos públicos.
É somente em 2004, com a Política Nacional de Assistência Social, que é fundado o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), um sistema organizado das ações socioassistenciais em todo o território nacional, criando as condições para garantir a proteção social dos grupos considerados socialmente vulneráveis. O SUAS inaugurou os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), que atendem os indivíduos e suas famílias em seus territórios e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), que promovem a proteção de indivíduos com direitos violados e vínculos familiares fragilizados ou rompidos, como crianças e adolescentes vítimas de violência, idosos e pessoas em situação de rua.
O SUAS é mantido pelo cofinanciamento das três esferas de governo – federal, estadual e municipal. Com o golpe que retirou Dilma Rousseff da presidência, essa política passou a sofrer graves retrocessos. As classes dominantes e o capital financeiro enfiaram goela abaixo uma política de austeridade para garantir a manutenção dos seus privilégios, retomando uma agenda ultraliberal, com cortes significativos nas políticas públicas. Um dos principais ataques ao sistema de garantias de direitos foi a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congelou investimentos públicos por 20 anos.
Já podemos observar os efeitos desta e outras medidas: pela primeira vez, em 15 anos, o país estagnou na redução das desigualdades. A organização não governamental internacional Oxfam indica que o número de pobres cresceu 11% em 2017 e que, pela primeira vez em 23 anos, a renda média das mulheres caiu em relação à dos homens.
Com relação à consolidação do SUAS, conforme quadro comparativo do orçamento disponibilizado no site do Ministério do Desenvolvimento Social, os benefícios sociais, programas e redes de serviço sofreram um corte total de 6,52%, no exercício de 2018.
Mas os serviços de Proteção Social Básica (como os CRAS e os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos) e de Proteção Social Especial (em que se incluem os CREAS) sofreram um corte brutal de 99%. Esse corte implica na diminuição da rede socioassistencial, que atende famílias privadas do acesso à renda mínima, desempregados e desempregadas, indivíduos com trabalhos precarizados, crianças e adolescentes com direitos violados, pessoas em situação de rua, idosos e pessoas com deficiência – que dependem desta política para acessar um mínimo de proteção.
As mulheres sofrem de forma mais acentuada os impactos da redução das políticas sociais, uma vez que ainda são a maioria responsável pelos cuidados de crianças e idosos, e pela manutenção da casa. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2017 (PNAD Contínua), divulgada pelo IBGE, aponta que, em 2017, as mulheres continuaram a trabalhar 20,9 horas por semana em afazeres domésticos e no cuidado de pessoas, quase o dobro das 10,8 horas dedicadas pelos homens.
Esse drástico cenário tende a piorar. A dotação orçamentária de 2018 já se mostrou insuficiente para a manutenção dos serviços socioassistenciais. Porém para o próximo ano, a previsão é de corte de quase 50% no orçamento total proposto pelo Conselho Nacional de Assistência Social.
Reduzir pela metade os investimentos na Política de Assistência Social afeta diretamente os usuários desta política, famílias e indivíduos que enfrentam diariamente dificuldades, decorrentes da pobreza, da discriminação, das desigualdades sociais e das situações de risco. É o desmonte de uma rede de proteção sistematizada e construída durante anos para conter os índices tão graves de desigualdade social no Brasil.
O MTD, enquanto movimento urbano, hasteia suas bandeiras por moradia, trabalho, soberania alimentar e condições de vida digna aos trabalhadores e trabalhadoras, e reafirma a luta permanente pela Seguridade Social, contra a retirada de direitos!
Direito de trabalhar! Trabalhar com direitos!
Raquel Mailan é Militante do MTD do Paraná
Edição: Daniela Stefano