Este ano, a Declaração Universal dos Direitos Humanos completou 70 anos. Nesse contexto, a Procuradoria da República da Paraíba tem se apresentado como um espaço de escuta e apoio a movimentos sociais organizados. Por este motivo, o BdF Paraíba conversou com o Procurador da República, José Godoy, que está à frente da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), na Paraíba. Ele falou sobre o conceito de Direitos Humanos, a importância dos militantes para a democracia e o mecanismo estadual de prevenção e combate à tortura da Paraíba. Confira!
BdF: Na véspera da comemoração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, qual a importância desse instrumento para a sociedade?
Godoy: Eu diria que só podemos nos considerar uma sociedade a partir de uma perspectiva de respeito aos Direitos Humanos. Então, eu diria que é essencial para o nosso sentimento de humanidade, de sociedade, de civilização; sem ele, nós voltamos à barbárie.
Há uma ideia de senso comum na sociedade que os Direitos Humanos só servem para proteger bandidos. Como você enxerga essa ideia e como ela poderia ser desconstruída?
Eu enxergo como uma tristeza, uma ignorância, uma bestialidade alguém falar como tem sido falado, impunemente, algo tão bizarro, tão absurdo. Eu tenho um amigo que costuma dizer que o grande pulo da humanidade, que antes se comunicava através de desenhos, as marcas rupestres deixadas pelos povos antigos, foi a capacidade de se comunicar. Hoje, parece que estamos voltando. A humanidade está se comunicando através de memes; talvez seja o sinal do retrocesso em que vivemos. É preciso buscarmos uma comunicação eficiente e mostrar para as pessoas que, até quando falam algo absurdo, estão exercendo os Direitos Humanos.
E o que seria Direitos Humanos para quem não entende o que é e para quem acha que Direitos Humanos é só essa "defesa de bandido"?
Eu costumo falar para as pessoas que o primeiro direito humano conquistado, registro em 1215, foi o direito de propriedade, e foi preciso uma revolução muito grande, as pessoas se juntarem e fazer uma grande pressão em cima de um Rei para que ele respeitasse a propriedade das pessoas. É preciso que as pessoas saibam também: quando acontece um crime e você é vítima do crime, é um direito humano ter isso apurado e o responsável punido. Quando elas estão na escola, é o direito humano à educação; quando a gente discute a moradia, é o direito humano à moradia; saúde, direito humano à saúde. É também direito humano se defender em um processo e não ser torturado. É difícil você pensar uma coisa que não tenha sido uma conquista histórica, secular da sociedade, e é direitos humanos.
Como a Procuradoria da PB atua contra a criminalização dos movimentos sociais?
A primeira coisa da criminalização dos movimentos sociais que me preocupa é a questão de ser possível passar a lei aprovando algo dessa natureza. Se isso acontecer, nós teremos trabalho. Eu entendo que é uma lei inconstitucional e a luta vai ser entrar com ação no Supremo para declarar a lei inconstitucional. Uma outra luta é que, no dia a dia, nós precisamos mostrar para as pessoas a importância do movimento social. Não existe democracia sem movimento social, não existe democracia sem militantes, pessoas que se esforçam por uma causa comum, por uma causa que as vezes nem é delas.
Em que momento e de que modo o cidadão e os movimentos sociais podem buscar a Procuradoria e como ela funciona?
Funcionamos em João Pessoa, na Av. Epitácio Pessoa, 800. Somos uma equipe de umas 15 pessoas: 2 procuradores e toda uma equipe de analistas, técnicos, estagiários, secretários, e temos também a colaboração de toda a Procuradoria da República. As pessoas podem acessar o site: www.mpf.mp.br/pb e tem o espaço lá “denuncie, você pode trazer qualquer caso para o Ministério Público Federal”. Também recebemos pessoalmente, num espaço chamado Sala de Atendimento ao Cidadão. Funciona a tarde e às sextas pela manhã. Muitos movimentos sociais já nos conhecem, já têm o nosso contato direto; eu diria que, hoje, praticamente todos os movimentos têm algum contato conosco, desde o sertão, passando pela luta das pessoas que têm parentes presos, das mães que têm filhos no sistema socioeducativo, até a população LGBT, os pescadores, ciganos, agricultores, quilombolas, indígenas, movimento negro urbano, movimento das periferias, movimento sem-teto.
Como será o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura?
A Paraíba é o quarto estado da federação a implementar esse importante instrumento de combate à tortura. O Brasil é signatário na ONU, um tratado que prevê o combate à tortura e vai criar um sistema antitortura. A Paraíba já tem um Comitê Estadual de Combate à Tortura e agora cria o mecanismo com a posse de seus peritos, que vão fazer laudos com recomendações em todos os casos que envolvam denúncias de violação de direitos, que envolvam tortura, especialmente no sistema penitenciário, socioeducativo, manicômios, asilos, onde houver privação de liberdade. Havendo denúncia ou não, eles farão visitas periódicas, e têm por lei a prerrogativa de entrar nesses estabelecimentos e encaminhar para os órgãos competentes.
Edição: Heloisa de Sousa