HOMENAGEM

Ato inter-religioso marca sétimo dia do assassinato dos sem-terra na Paraíba

Diversos movimentos sociais do campo e da cidade estiverem presentes durante homenagem a Orlando e Rodrigo

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Sueles Fideles entoa  hino do MST
Sueles Fideles entoa hino do MST - Thaís Peregrino

O Movimento Sem Terra realizou um ato inter-religioso para homenagear Orlando e Rodrigo, militantes assassinados na Paraíba no dia 08. A cerimônia aconteceu no mesmo lugar onde os trabalhadores foram assassinados, no acampamento Dom José Maria Pires, localizado no município de Alhandra. Vários depoimentos foram dados neste momento que reuniu diversos movimentos sociais do campo e da cidade.
O momento de luta como acampados, em que Orlando e Rodrigo se encontravam, foi relembrado. “Começaram a plantar alimentos. Começaram a produzir o que realmente sustentam as famílias, o feijão, a batata, a macaxeira, o inhame, o mamão, de tudo essas famílias aqui tinham plantado. Trouxeram muita experiência para as famílias que estavam aqui nessa terra. Gostaria de deixar aqui para todas as famílias, que não vamos jamais desistir da luta, porque somos fortes e juntos uniremos forças para continuar resistindo, não só por nós, mas pela vontade dos companheiros Orlando e Rodrigo”, disse Dona Liu, dirigente do MST da brigada do litoral.

Banda Tia Ciata participou do ato apresentando músicas de luta
Semeado de mística e arte, várias homenagens foram prestadas. Tânia Maria de Sousa, da Comissão Pastoral da Terra, lembrou que Dom José Maria Pires sempre dizia que Deus é o Deus da Vida, não é o Deus da morte e que por esta razão o protetor do acampamento iria honrar seu legado. “Nós viemos aqui para celebrar e dizer que avida dos dois companheiros vale mais que as lamentações e nós temos a responsabilidade de continuar por eles”, falou Tânia.
Também participaram do ato, a família de Rodrigo Celestino. Robson, que era cunhado, disse que “não conhecíamos os detalhes do que Rodrigo fazia aqui, mas posso falar das características dele. Ele ajudava todo mundo, era filho de agricultores, fez apicultura e técnico agrícola. Um dia ele ia fazer uma prova sobre cultivo de abacaxi e foi conversar com o avô, e o avô ensinou o que sabia sobre abacaxis. Rodrigo fez a prova baseada nos conhecimentos do avô e tirou dez. Ele ajudava todo mundo, cuidava de todos e da natureza, na escola do bairro,  ajudou a implantar uma horta, no bairro onde a família dele mora, em João Pessoa, todos da rua gostavam de Rodrigo cuidava dos cachorros, dos gatos de todos e das plantas. Ele não tinha nada a ver com o que esse novo governo prega; era uma pessoa de paz, a família eram pessoas de paz, não concordam com nada do que Bolsonaro prega, de que sem-terra e bandido são a mesma coisa”, relatou Robson que disse que durante o funeral de Rodrigo, a família, mais precisamente a mãe, chorava muito e lamentava o fato de Rodrigo ter morrido para os olhos da sociedade como um bandido. “Ele não morreu como um bandido, morreu como um combatente”, explicou Robson a mãe de Rodrigo naquele momento.

Momento de mística emocionou os militantes
A irmã de Rodrigo, Melina Celestino, falou emocionada sobre a personalidade do irmão. “Meu irmão era um filho amoroso e um grande amigo do meu pai, era um bom pai, era pai de 5 filhos, ele abria a casa para entrar sol, porque ele dizia que a casa dele era de luz porque tinha 5 filhos, cuidava realmente das crianças, levava para a escola, dava banho neles, fazia comida. Para tudo que fazia, antes, ele rezava um pai nosso, todos os dias. Eu imagino o quanto ele amava essa terra, é nisso que a gente se apega. A gente sabe como Rodrigo foi importante não só para a gente, mas para muita gente porque para muita gente, ele era um filho. Espero que cuidem dessa terra de forma ecológica, que não degrade o meio ambiente, que era o que ele sempre dizia para todos nós, que da terra, a gente cuida dela e cuida de tudo que vive nela, que ela dá tudo em dobro para a gente”.

O ato aconteceu no salão do acampamento Dom José Maria Pires e reuniu diversos militantes e amigos.
Osvaldo Bernardo da Silva, irmão de Orlando, que é militante do Movimento dos Atingidos por Barragem, disse que o que está mantendo a família em pé é a solidariedade que tem recebido. “Nossa luta é histórica, ela não vem de hoje, tudo que está acontecendo hoje de violência contra nós, tudo que está acontecendo hoje é uma violação do Estado Brasileiro, porque nós éramos de Aroeiras e vivíamos lá. Quando construíram a barragem de Acauã, nós ficamos sem casa e sem-terra para produzir. Orlando participou da primeira ocupação em Itatuba, foi aí que ele veio a se tornar um dirigente do MST. Orlando era um dirigente que não mandava as pessoas fazerem as tarefas, ele é que estava à frente, ele não era apenas um dirigente político, era um trabalhador. Não tinha terra, era um acampado, as mãos dele, eram mão de trabalhador. Ele produzia em um pequeno pedaço de terra, mas produzia milho, feijão, fava, banana, maracujá, macaxeira, mandioca, tudo isso ele produzia. E a luta dele era para que outros e outras tivessem acesso a um pedaço de terra. Então ele deixa esse legado para a gente. Amava a sua família. A luta vai continuar. A nossa luta vai continuar e que vamos cobrar que a justiça seja feita e que os culpados sejam punidos para que nenhum lutador mais venha a morrer”, desabafou Osvaldo.
Padre Eliezer, presente na celebração, disse que existe um projeto da morte e um projeto da vida e que o assassinato de Orlando e Rodrigo foi uma  tentativa do projeto da morte que quer vencer o da vida, mas assim como na passagem de João, que diz que para esperar o Messias devemos separar assim como um camponês, que ao fazer a colheita separa as sementes das palhas e os grãos guardam no celeiro para semear e as palhas secas, o agricultor queima. “Nós temos que separar o projeto da morte do projeto da vida. Nós temos que desmascarar o projeto da morte do da vida. O assassinato desses companheiros desmascara o projeto da morte, pois eles querem acabar com o projeto da vida, com este acampamento e isso não podemos deixar acontecer. Dom Oscar Romero dizia: se matarem na luta, na luta do povo ressuscitarei. Então nós cremos na ressurreição e eles continuará com a gente, se nós continuarmos na luta”, pregou o padre.
A banda Tia Ciata, composta apenas por mulheres, fez a animação do ato, cantando músicas de luta para quem esteve presente.

Padre Elieser pregando durante a ocasião
Dilei Schiochet, dirigente estadual do MST, lembrou o momento histórico que o Brasil está enfrentando e falou da necessidade dos lutadores do povo reerguerem a cabeça. “O MST está enfrentando um período de intensa perseguição política. Existe na justiça vários processos que criminalizam militantes e dirigentes do MST. A direita vai tentar de todos os jeitos nos intimidar, tentar nos eliminar. A nossa luta tem que ser conjunta da classe trabalhadora brasileira, porque se matam um sem- terra, morrem milhões de LGBTs, de negros, de pessoas na cidade, então temos que nos unir. Não podemos permitir nenhum retrocesso”, discursou a dirigente sem-terra.

Os presentes rezaram o pai nosso em homenagem aos mortos
A ato foi encerrado ao som dos presentes cantando o hino do MST e com o poder da música de Tia Ciata. É a arte se fazendo presente e se afirmando em meio a dor, é a expressão da classe trabalhadora, e uma forma de manter viva a chama da luta.

Edição: Cida Alves