QUASE TUDO QUE se consome de informação nesse país, algo como 70%, pertence a seis famílias: Marinho (Organizações Globo), Frias (Folha de S. Paulo, UOL), Mesquita (O Estado de S. Paulo), Saad (Bandeirantes), Abravanel (SBT) e Civita (Abril).
Os Civitas, porém, foram engolidos por uma dívida de R$ 1,6 bilhão, e a Abril entrou com pedido de recuperação judicial em agosto. Quase toda essa dívida, mais de R$ 1 bilhão, era com, voilá!, os bancos.
Quem deve R$ 1 bilhão aos bancos, já pertence de corpo e alma a eles. Nesta quinta, porém, fomos informados que a família Civita vendeu 100% da empresa para o investidor Fábio Carvalho.
O empresário, que vem colecionando empresas falimentares na última década é o onipresente BTG Pactual encarnado em carnes, ossos e talão de cheques. De acordo com o Valor Econônico, o BTG buscará comprar a dívida da Abril junto aos seus maiores credores (Bradesco, Itaú e Santander), passando ele mesmo para o lugar de credor único e magnânimo da nova-velha Abril. Com isso, BTG, que tem o futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, como um dos seus fundadores, poderá decidir praticamente sozinho sobre o plano de recuperação judicial do antigo império da família Civita.
Em outras palavras, o BTG pretende e será o senhor dos destinos e da alma da Abril.
Sim, o BTG que já estava mergulhado nos bastidores não republicanos da política nacional, como ficou evidente na prisão de seu ex-presidente, André Esteves em 2015; o BTG que de modo muito heterodoxo passou a realizar e a divulgar pesquisas de intenção de voto para presidente, cujos efeitos sobre o mercado de câmbio, risco e juros é potencialmente forte o bastante para produzir fortunas a partir do éter; o BTG acusado pela CVM de realizar operações pouco cristalinas no mercado de dólar futuro; o BTG que foi casa de Paulo Guedes, Pérsio Arida e de outros tantos economistas pesos pesados por detrás das campanhas presidenciais; o BTG que está sendo acusado de usar informações privilegiadas para dar “o chapéu” na XP Investimentos – esse mesmo BTG quer agora ser o dono de fato de uma das maiores empresas de comunicação do Brasil.
Esse é o passo mais ousado até aqui, de um movimento já em marcha, de empresas do setor financeiro se tornarem donas de empresas da área de informação.
A XP Investimentos, que recentemente recebeu sinal verde do Banco Central para se transformar em banco e anda em conflitos com o BTG, comprou o site Infomoney, em 2011. A Empiricus tem participação nos sites O Antagonista e na revista Crusoé.
Os bancos controlarem a imprensa não é novidade no Brasil. A única novidade é que o domínio, antes feito via empréstimo e gastos com publicidade, agora chega por meio da compra direta.
A antiga estrutura de “empresa familiar, que ainda vigora na grande imprensa brasileira, deverá ceder lugar à estrutura mais moderna, de “sociedades anônimas”, de capital aberto, cujo controle acionário será mais difuso e opaco. Mas que estará, como sempre, nas mãos do grande capital comercial, industrial e financeiro.
Nada disso é novidade. Uma das mais famosas previsões de Marx n’O Capital (1867) era que mesmo que uma economia operasse no mais genuíno sistema laissez-faire (onde reina a liberdade econômica) haveria uma tendência natural de aumento da concentração do capital. Isto é, haveria uma tendência de que um punhado de empresas gigantescas dominassem fatias cada vez maiores de todos os mercados.
David Leonhardt, em coluna recente no New York Times, mostrou dados sobre esse fenômeno para o caso americano, nas últimas duas décadas. A partir do século 19, com o evidente acerto da previsão de Marx, o fenômeno começou a despertar o interesse dos cientistas sociais. Um dos trabalhos mais conhecidos dessa safra é o de Lenin, publicado em 1917, mostrando que esse fenômeno ocorria também no setor financeiro, com os bancos passando a dominar todos os ramos da economia.
O Brasil é, infelizmente, um bom exemplo disso. Nossos cinco maiores bancos (Itaú, Bradesco, Santander, Caixa Econômica e Banco do Brasil) controlam 82% dos depósitos do país. Se somarmos o resto do setor financeiro, banco de investimento e fundos de pensão, temos aí o grande capitalista do Brasil e do mundo.
Se o principal produto do capitalismo da primeira revolução industrial era o tecido de algodão, hoje a principal mercadoria do capitalismo é o dinheiro. Dinheiro que se transforma em mais dinheiro numa espécie de ritual de magia, que causa espanto entre os não-iniciados. O dinheiro acumulado, reproduzido e investido por essas empresas é o verdadeiro centro dinâmico do capitalismo contemporâneo.
O fundo Previ, o maior do Brasil, tem simplesmente R$ 160 bilhões em ativos; o Petros, R$ 60 bilhões. Para se ter uma noção da relevância desses multiplicadores de dinheiro, o valor de mercado da Petrobras, a maior empresa brasileira, é estimado em R$ 300 bilhões.
Os bancos começam controlando as empresas por meio de empréstimos. Se um empresário quer construir uma nova fábrica ou lançar um novo jornal, ele precisa pegar um empréstimo de grande volume junto a um banco. E, como sabemos, se dinheiro no bolso é liberdade, boleto embaixo da porta é servidão.
Num estágio posterior, o banco não só empresta o dinheiro como ganha participação nos empreendimentos. Aí a dependência ou a simbiose se torna ainda mais evidente. E os bancos ganham participações em grandes empresas, e grandes empresas compram participação em outras grandes empresas. Forma-se, assim, a rede de conexões entre os grandes grupos econômicos, como ilustra a imagem abaixo retirada do livro “Capitalismo de laços” de Sérgio Lazzarini. Ela mostra a teia de grupos no Brasil em 2009, o laço entre dois grupos existe quando “um apresenta participações societárias com direito de voto… em uma firma afiliada do outro grupo”.
Essa imagem é apenas o retrato microscópico do fenômeno de inter-relações entre os grandes grupos. Em uma economia capitalista, nenhum setor está totalmente imune a esse processo de concentração, de controle e de inter-relações, inclusive o setor da imprensa e do entretenimento.
Apesar da infinitude de sites na internet, quase 57% de toda a verba publicitária destinada à internet nos EUA acaba nas mãos do Google e do Facebook. No Brasil, Sky e NET controlam mais de 60% do mercado de TV’s por assinatura. Quase metade dos brasileiros assistem a rede Globo todos os dias, um número assustador em qualquer parâmetro internacional.
Os perigos da concentração do poder econômico (e informacional) foi muito bem analisado não só por marxistas, mas por liberais, como Hayek (1944) e Milton Friedman (1962). Esses liberais afirmavam que o socialismo levaria inevitavelmente ao autoritarismo, pois o Estado passaria a ter não só o monopólio da violência, mas também o monopólio da vida econômica. Enquanto no capitalismo, a propriedade dos meios de produção estava dispersa entre um sem número de indivíduos, algo que servia de contrapeso à autocracia completa.
Porém, o lado mais dialético dessa história é que a partir da própria liberdade econômica põem-se em marcha forças concentradoras que criam empresas gigantescas que controlam praticamente todos os ramos de nossa vida cotidiana. A concentração do poder econômico coloca em risco não só a eficiência econômica, mas também a liberdade e a democracia.
No Brasil, vemos ainda uma outra manifestação desse processo: os ricaços cansaram de apenas controlar os títeres dos políticos profissionais, resolveram eles mesmos tomar as rédeas do poder Executivo.
Quase metade dos parlamentares eleitos faz parte do clube dos milionários (valor subestimado, já que diz respeito à renda declarada, não contabilizando os recursos “não contabilizados”). O que é o Partido Novo senão um clube de ricaços com fortes ambições políticas?
Em sua primeira eleição, eles conseguiram conquistar nada menos do que o governo do estado de Minas Gerais, através de Romeu Zema, cuja empresa fatura R$ 4,5 bilhões por ano. João Amoêdo, candidato à Presidência pelo Novo, superou figurões da política tradicional, como Marina Silva, declarou possuir quase meio bilhão de reais de patrimônio pessoal.
A partir de agora, o BTG, que já influi nos rumos de muitas empresas e em políticas, também vai influir no que você pensa sobre eles. O banco dificilmente admitirá que pretende interferir nos rumos editoriais da Abril. Mas quem garante que os editores que tomam decisões sobre capas e reportagens de títulos de prestígio como Veja e Exame não escutarão o sussurro do BTG nos bastidores? Bancos de investimento, como o BTG, e corretoras, com a XP, são mestres em entender os ventos da economia. Mas também parecem estar interessados em provocar as lufadas que podem turbinar seus investimentos. E a imprensa é uma dessas ferramentas.
Essa simbiose entre o grande capital financeiro e os grandes capitais produtivos – inclusive aquele produtores de informação – é algo maléfico do ponto de vista da eficiência econômica, mas também das liberdades políticas.
Esses barões já não agem mais nos bastidores. Eles já mandam e querem mandar ainda mais, controlando o que você come, em quem você vota e, agora, o que você lê.
Edição: The Intercept