O ativista e escritor Cesare Battisti, de 64 anos, foi entregue às autoridades italianas depois de ser preso na Bolívia pela Interpol. Ele havia solicitado refúgio à Comissão Nacional de Refúgio da Bolívia (Conare) no dia 18 de dezembro, mas não chegou a receber resposta.
O avião com o italiano chegou ao aeroporto de Ciampino, em Roma, nesta segunda-feira (14) por volta das 8h40 (horário de Brasília). Segundo as autoridades da Itália, Battisti será levado para uma prisão em Oristano, na Sardenha.
O ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro “pelo empenho do Brasil em solucionar o caso Battisti”. Segundo nota divulgada pelo Palácio do Planalto, o ministro italiano telefonou para o presidente, a quem afirmou que a extradição do ativista Cesare Battisti “não teria se concretizado” sem a “intervenção” das autoridades brasileiras.
A Defensoria do Povo Boliviano, equivalente à Defensoria Pública no Brasil, havia se posicionado pela permanência do ativista até que se analisasse o pedido de refúgio. Como a extradição violava as normas do Alto Comissariado das Nações Unidas Para Refugiados (ACNUR), o motivo oficial da expulsão de Battisti da Bolívia foi a entrada ilegal no país.
Havia a expectativa de que Battisti fizesse escala no Brasil, antes de seguir para a Itália. O advogado de defesa, Igor Tamasauskas, chegou a impetrar um habeas corpus preventivo, mas o pedido foi negado por Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) – "por contrariar a jurisprudência predominante desta Suprema Corte".
Entenda o caso
Battisti foi preso no final dos anos 1970 por integrar o grupo de extrema esquerda Proletários Armados para o Comunismo (PAC). Condenado a uma pena de treze anos por uma série de delitos políticos, como subversão, fugiu da cadeia e obteve asilo político na França, nos anos 1990. Contrariadas, as autoridades italianas decidiram acusá-lo pelo assassinato de quatro homens – três deles, ligados ao fascismo, durante os "Anos de Chumbo". Aquele processo, baseado em uma delação em troca de benefícios, resultou na condenação do ativista à prisão perpétua.
Em 2004, após mudança de governo na França, Battisti mudou-se para o Brasil para não ser extraditado – ele é casado com uma brasileira. Cinco anos depois, o Ministério da Justiça reconheceu sua condição de refugiado político.
O STF condicionou a decisão da extradição à análise do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no último dia do segundo mandato, garantiu a permanência do ativista no Brasil. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a decisão de Lula e o governo concedeu a ele visto de permanência no país.
Por se tratar de um caso de perseguição política, o caso Battisti está sujeito a mudanças nas esferas de governo. Um ano após o golpe contra Dilma Rousseff (PT), a defesa entrou com um habeas corpus preventivo no STF para evitar a extradição – pretendida por Michel Temer (MDB). Em outubro de 2017, o ativista italiano foi detido em Corumbá (MS), próximo à fronteira com a Bolívia: foi preso por evasão de divisas, mas recebeu habeas corpus dias depois.
No final do ano passado, o ministro do STF Luiz Fux decidiu, de forma monocrática, pela prisão de Battisti. Após um mês foragido, com o decreto de extradição assinado por Temer, o escritor foi preso em Santa Cruz de La Sierra.
Bolívia não poderia extraditar
Conforme nota de orientação do ACNUR, “os solicitantes de refúgio estão protegidos contra a devolução pelo artigo 33 (1) da Convenção de 1951 e pelo direito internacional consuetudinário durante todo o período de reconhecimento da condição de refugiado. O Estado requerido não pode extraditar um solicitante de refúgio ao seu país de origem enquanto seu pedido de reconhecimento da condição de refugiado esteja sendo considerado, inclusive durante a etapa de apelação”.
O mesmo documento aponta que “deve-se prosseguir com o pedido de refúgio e se deve chegar a uma conclusão a respeito uma vez que se tenha promulgado uma sentença, seja condenatória ou pela absolvição. Isto se pode fazer seja no Estado requerido onde se encontrava inicialmente pendente o pedido de refúgio, mediante um acordo de readmissão a esse Estado, ou mediante a transferência da responsabilidade para examinar o pedido de refúgio ao Estado que solicita a extradição, sempre que neste mesmo Estado se apliquem normas processuais similares”.
No pedido de refúgio à Bolívia, em 18 de dezembro, Battisti também cita a Convenção sobre o Protocolo de Refugiados, de 1951, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia e outros tratados e convênios internacionais dos quais o país é signatário.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira