Em 25 de janeiro de 2009, o governo da Bolívia, chefiado pelo presidente Evo Morales, realizou uma consulta popular para a aprovação do que viria a se tornar a nova Constituição do país.
Buscando refletir a imensa diversidade étnica e cultural boliviana, o texto é considerado um marco histórico recente e estabeleceu a criação de um Estado plurinacional, reconhecendo a autonomia indígena e seu direito à terra.
Segundo Gladstone Leonel Júnior, professor do programa de pós-graduação em direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em direito pela Universidade de Brasília (UnB), a Constituição boliviana possui "uma carga inovadora que impactou profundamente" o que consistiu o país nesses 10 anos.
Para o professor, a Bolívia desempenha hoje “um papel econômico muito mais preponderante” do que o que tinha antes da promulgação da carta constitucional aprovada em referendo. Em uma nação que "historicamente foi campeã de golpes de Estado, se observa que há uma estabilidade democrática que não havia até então. Tudo isso é fruto da Constituição", afirma.
Além disso, estabelecer o país como um Estado plurinacional, incluindo efetivamente indígenas e camponeses dentro do processo de construção política, trouxe maior representatividade a essas populações.
Gladstone explica que “o Estado passa a reconhecer, a partir da Constituição de 2009, essas comunidades como sujeitos centrais para a construção de um Estado plurinacional. Então o impacto disso na sociedade é de uma maior representatividade, uma vez que 70% da população da Bolívia é de indígenas e mestiços”.
Nesses 10 anos da Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia, o Brasil de Fato selecionou alguns pontos importantes para entender o impacto da aprovação da Carta Magna no país latino-americano.
Referendo
Em julho de 2006, membros de uma assembleia constituinte foram eleitos com a missão de criar a nova Constituição da Bolívia. Aprovado em dezembro de 2007, o texto ainda seria objeto de algumas modificações em outubro de 2008.
Finalmente, em 25 de janeiro de 2009, cerca de 3,5 milhões de bolivianos foram às urnas para decidir se aprovavam ou não a nova Carta Magna.
O novo texto constitucional foi aprovado com 61,43% votos a favor e 38,53% contrários. A participação popular na consulta foi expressiva: mais de 90% dos bolivianos compareceram às urnas.
Em sete de fevereiro de 2009, milhares de pessoas, entre camponeses, indígenas e membros de movimentos sociais, compareceram à cerimônia de promulgação do texto. Durante o ato solene, Morales classificou o momento como “um dia histórico”.
Questão Indígena
Entre outros motivos, o texto foi considerado inovador porque estabeleceu a criação de um Estado plurinacional e intercultural. Isso significa que populações indígenas e camponesas passaram a ter participação ampla e efetiva em todos os níveis do poder estatal.
Além disso, o texto previa a equivalência entre a justiça ordinária e a justiça tradicional indígena. Dessa forma, cada uma das 36 populações reconhecidas pelo Estado plurinacional passaram a ter tribunais com representantes eleitos entre os moradores. As decisões desses tribunais não podem ser revisadas pela justiça comum, desde que não esbarrem em princípios constitucionais. Por exemplo, uma população não pode sentenciar um criminoso à morte, uma vez que a Constituição do país não permite pena capital.
Ao todo, mais de 80 dos 411 artigos da então nova Constituição tratavam de questões relacionadas às populações indígenas.
Segundo Gladstone, que também é membro da Secretaria Nacional do Instituto de Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais (IPDMS), a nova Constituição boliviana foi inovadora, pois “coloca na ordem do dia vários pontos que até então não eram colocados, como a questão da plurinacionalidade, da jurisdição indígena, da reforma agrária, dentre várias outras”.
Limitação das propriedades
Além de votarem pelo “sim” ou pelo “não” à nova Constituição, os bolivianos também foram consultados, naquele 25 de janeiro de 2009, sobre se queriam limitar as propriedades rurais a cinco mil ou dez mil hectares.
Mais de 80% da população optou por limitar as terras a no máximo 5 mil hectares. A medida impede a criação de novos latifúndios no país, sem, no entanto, afetar as propriedades que ultrapassvaam esse limite mas já existiam antes da aprovação do texto constitucional.
Além disso, o texto aprovado no referendo de dez anos atrás estabeleceu que terras com extensão superior a 5 mil hectares que não cumpram sua função social podem ser expropriadas.
Recursos Naturais
A então nova carta constitucional do país andino estipulou que os recursos naturais passariam a ser propriedade dos bolivianos e, a partir dali, caberia ao Estado "administrar [os recursos naturais] em função do interesse público". A Carta Magna também estabeleceu que recursos energéticos podem ser explorados apenas pelo Estado. O gás e os recursos hídricos também não podem ser privatizados.
Edição: Aline Scátola