Entrevista

Artista visual Andréa Tolaini reflete emoções humanas em seu trabalho

Paulistana fala sobre machismo nas artes, processo criativo e a cruel conjuntura da política nacional

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Andréa Tolaini já expôs seu trabalho em São Paulo, Portugal e Espanha.
Andréa Tolaini já expôs seu trabalho em São Paulo, Portugal e Espanha. - Reprodução

Andréa Tolaini é uma artista visual paulistana. Aos 34 anos, estudou pintura, desenho e ilustração em Londres e também na Escola Panamericana de Arte. Já expôs em São Paulo, Portugal e Espanha.

Em conversa com a Rádio Brasil de Fato, ela fala sobre seu processo criativo, suas insatisfações com a conjuntura política brasileira e sua trajetória profissional. 

Confira o bate-papo:

Brasil de Fato: Andréa, muito obrigada por aceitar o nosso convite. Queria começar te perguntando o seguinte: como você definiria o teu trabalho e também o que você retrata?

Andréa Toalini: É difícil definir um trabalho de artes visuais, né. Mas o que eu posso falar sobre o meu trabalho é que ele tem uma busca constante por compreensão das emoções humanas. Eu tento trazer imagens pra emoções e falar um pouco delas também, através de palavras, de metáforas. Então eu tento clarear as minhas próprias emoções e as emoções das pessoas que estão ao meu redor. Das pessoas que me espelham, através de imagens e textos. Esse é o meu objetivo dentro do meu trabalho, principalmente das mulheres, do feminino, em geral.


E falando um pouquinho do campo pessoal. Como foi a decisão de abandonar o campo corporativo da publicidade e fazer com que a arte se tornasse realmente uma protagonista total na sua vida.

Foi uma decisão super difícil, têm muitas pessoas que me perguntam sobre isso, porque você sai de um mundo que de alguma forma te traz várias garantias e que funciona bem dentro do sistema regente da nossa sociedade. Então eu saí de um emprego fixo e tudo mais, que eu tinha um salário, que eu tinha certezas, pra um mundo que era bem incerto. E isso é um aprendizado, mas eu acho que a minha insatisfação com a sociedade  a minha posição dentro dela foi o que me empurrou pra ter mais coragem em enfrentar as incertezas, mas estar mais alinhada com o que eu acreditava como liberdade. 

Eu tive que fazer várias concessões, claro, principalmente concessões financeiras, estruturais pra conseguir viver minha vida como artista. Mas eu não me arrependo nem um pouco. Foi um passo muito importante pra minha vida, mas ele exige muita coragem mesmo. 

Você comentou sobre insatisfações, as insatisfações frente à sociedade na qual estamos inseridos. Quais seriam elas?

Acho que a principal é essa posição que infelizmente nos colocam como mulheres, na sociedade, de deveres e  de sobrecarga também. A gente vive muito cansada, eu acho que meu trabalho antigo me deixava exaurida. E essas expectativas sobre uma mulher, o que ela deve ser socialmente. Que a gente tenha que obedecer um certo status quo pra ser respeitada socialmente, pra não ser violentada. E nem isso nos garante. Acho que esse é meu principal incômodo. 

Mas eu acredito que essa sociedade ela tá completamente adoentada, a gente infelizmente nasceu numa sociedade completamente adoentada, pra mulheres e pra homens, pra todos os gêneros, aliás. Isso sempre movimentou muito o meu trabalho, esse super questionamento dos nossos papéis aqui na sociedade e o quanto a gente é livre pra escolher, ou não. O quanto realmente escolher se torna um risco quando você começa a fazer isso. Eu senti isso na pele quando eu comecei a escolher, quando eu resolvi a ser protagonista da minha vida e realmente escolher o que eu queria com artista, como  mulher. Eu sentia a pressão do que é o mundo quando uma mulher começa a querer escolher. E a gente precisa começar a reinventar esse novo mundo. 

Eu estou tentando fazer a minha parte reinventando meu próprio mundo. Foi isso que eu fiz quando eu larguei há 7 anos a publicidade e passei a enfrentar o meu medo de ser artista, da vida de artista, do julgamento do que é uma mulher ser artista. Do julgamento do que é ser artista nessa sociedade, porque é esse olhar do "vagabundo", da "vagabunda" e tudo mais.

Como que é o espaço das artes plásticas para as mulheres? E você pessoalmente enfrentou que tipos de desafios por ser mulher, artista e por se posicionar politicamente também?

 Acho que como a maioria das áreas profissionais, a dificuldade pra mulher é sempre em dobro. Enfim, ainda tem camadas que a coisa piora: uma mulher negra é o triplo, o quádruplo. Mas falando do meu lugar como mulher, como mulher branca, as artes visuais são um monopólio ainda muito masculino. 

Se você for em galeria você vai ver que 80% das obras são masculinas, enfim. Questionam o nosso trabalho como mulher, isso é sempre muito questionado. Se você faz algo muito feminino no sentido mais emocional, mais delicado, o que é falado como feminino, apesar de eu não concordar. Mas como dizem que esse lugar emocional e tudo mais é feminino, acham que o seu trabalho é tolo. 

Quando o seu trabalho é muito forte, muito visceral ou traz as coisas muito na cara, ou fala diretamente de sociedade e política, você tá sendo masculinizada. Então é um eterno questionamento, a sociedade está o tempo inteiro de questionando e tentando te tirar do teu eixo, e a gente vai tentando cavar espaço. Eu comecei inclusive um projeto, faz 2 anos, que chama "Marias", que é uma exposição só de mulheres. 

Eu já fiz essa exposição em Portugal, no Porto, em Barcelona, na Espanha e aqui em São Paulo também. E é isso, unir mulheres das artes visuais, em todos os tipos de linguagem, desde o grafite ao bordado, e fazer uma exposição só de mulheres, pra falar do tema "mulher na sociedade". 

Toda vez que a gente tenta se impor é sempre uma grande luta, mas eu estimulo que a gente vá lutando mesmo, pelo espaço nas artes e juntas. Porque a gente só vai conseguir uma apoiando a outra. 

Ainda sobre a sua produção, a gente começou comentando sobre o momento político conturbado que nós vivemos no país, acho que até atípico. E como que os acontecimentos políticos, não só brasileiros, mas latino-americanos ou mesmo mundiais, acabam influenciando no que você produz?

É inevitável. Sou uma pessoa extremamente emocional, quem me conhece sabe. Eu sou sensível a tudo, eu tenho uma "empatização" muito rápida por tudo. Então notícias sociais sempre abalam muito, mesmo que elas não toquem diretamente na minha vida. Até porque eu tenho diversos privilégios que me blindam do pior,né. 

A situação latino-americana acho que tem vários países que estão em extrema dificuldade social, política. E o Brasil em especial tá mexendo com a gente profundamente, porque a gente não sabe se isso é o começo de uma grande mudança, porque  afinal tendo o Bolsonaro como presidente o ridículo tá cada vez mais exposto, o absurdo tá cada vez mais exposto.

O absurdo está cada vez mais exposto, a crueldade tá cada vez mais exposta, a violência tá cada vez mais exposta, o que por um lado eu vejo como uma oportunidade da gente vendo as coisas mais explícitas, quem é o verdadeiro Brasil, quem somos verdadeiramente nós, a gente comece a quem sabe fazer uma transição pra um novo Brasil, pra uma nova América Latina. Porque o Brasil também é uma potência aqui na América do Sul, então ele representa muita coisa. Isso representa sem dúvida ter um impacto latino-americano enorme. 

Inevitavelmente isso acaba saindo no meu trabalho. A tristeza em relação à nossa passagem social, nossa passagem política. Eu acho que todo artista sensível a isso vai acabar colocando muito do que está passando refletido na sua expressão artística também. 

Edição: Guilherme Henrique