O governo de Minas Gerais determinou, na última quarta-feira (30), a “descaracterização” das barragens de rejeitos construídas com o método de alteamento a montante — o mesmo usado na barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), que rompeu no dia 25 de janeiro e deixou ao menos 110 mortos e 238 desaparecidos.
A medida foi estabelecida por meio de um decreto publicado no Diário Oficial do estado. A iniciativa abrange todas as barragens, inclusive as inativas, que utilizam esse método.
O engenheiro Bruno Milanez, doutor em política ambiental e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nota que o texto não usa em nenhum momento o termo "descomissionamento". O termo técnico é empregado, na indústria, para se referir à desmontagem de locais como plantas nucleares ou campos de petróleo, por exemplo. Outra palavra que não é citada é "esvaziamento".
"[Descaracterização] é um termo muito vago, e a definição que o decreto dá é ambígua", diz o engenheiro.
O decreto considera como descaracterização o "processo no qual a barragem deixa de possuir as características de barragem, ou seja, passa a não operar como estrutura de contenção de rejeito, sendo destinada à outra finalidade".
“É um texto que vai, obviamente, gerar algum impacto nas empresas. Mas é o menor impacto possível. Elas vão ter que, na minha interpretação, fechar as barragens, deixar de operar e fazer uma recuperação ambiental dela. Mas deixando o rejeito lá. Então, ainda vai ter que continuar fazendo monitoramento, ainda vai ter risco de cair; tudo isso vai continuar existindo”, avalia o engenheiro.
Mesmo com a permanência de riscos, a expectativa é que o monitoramento seja ainda mais fraco e afrouxado após a medida, pontua Milanez. “O problema é que as barragens que já estão operando eles [governo] não monitoram, o que vai ser dessas barragens descaracterizadas?”, questiona.
O decreto impõe que os novos projetos para as áreas das barragens à montante sejam executados em até dois anos.
“Eles [governo] não usaram o termo [descomissionamento] aqui porque não querem obrigar as empresas a desmontar as barragens. Se alguém quiser, está ótimo, mas se não quiser, vai estar cumprindo a lei também”, afirma. “Para mim, está parecendo que eles [mineradoras] vão de alguma forma plantar graminha e arvorezinha do lado de fora da barragem, deixar drenar um pouco, jogar terra em cima e está descaracterizado. Poderia ter um campo de futebol em cima, mas deixando o rejeito lá."
O alteamento a montante é o método de construção mais simples, barato e inseguro. Nele, os diques de alteamentos são feitos apoiados nos rejeitos previamente depositados na barragem. O governo mineiro afirma que existem 50 barragens com essas características no estado, em 16 cidades. Cerca de 667 mil pessoas estão vulneráveis nessas regiões.
Promessa antiga
O decreto do governo estadual foi publicado um dia depois do presidente da Vale, Fabio Schvartsman, ter anunciado que vai fechar e descomissionar as dez barragens da empresa feitas pelo método de alteamento a montante, em Minas.
Há 10 anos, a mineradora já havia demonstrado preocupações sobre suas barragens usadas com o mesmo método, mas ainda assim, não implementou medidas por causa da diminuição do lucro da empresa, aponta a militante Carolina de Moura, que acompanha a Assembleia Geral Extraordinária dos Acionistas (AGE) da mineradora há sete anos, pela Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale.
Em 2009, um relatório da Vale recomendou que a companhia realizasse o projeto Barragens Zero para aproveitar os rejeitos por meio da filtragem adicional de minérios.
“Na época, a empresa iria tratar seus rejeitos fazendo um aproveitamento econômico. Só que em 2009, o preço do minério era U$ 180. Depois que o preço despencou, não valia mais a pena recuperar rejeitos. E aí largaram a barragem de rejeitos para lá e fizeram a política de elevar a produção e baixar os custos”, denuncia.
Segundo ela, das 109 barragens da Vale em operação, em Minas Gerais, oito foram selecionadas para esse programa. E dessas oito, duas já romperam — a barragem de Fundão, em Mariana, e a da Mina do Feijão, em Brumadinho.
A Vale afirma que serão necessários três anos e R$ 5 bilhões para "descaracterizar as estruturas como barragens de rejeitos para reintegrá-las ao meio ambiente".
Segundo o presidente da mineradora, a medida vai reduzir a produção em 40 milhões de toneladas de minério de ferro, o que representa 10% da produção anual da empresa.
Edição: Tayguara Ribeiro