Mineração

Decreto de MG sobre barragens é vago e mantém riscos em projetos, diz engenheiro

De acordo com Bruno Milanez, texto ambíguo do governo abre margem para mineradoras não buscarem destino para os rejeitos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bombeiros trabalham na localização de vítimas em Brumadinho (MG), após rompimento da barragem Mina do Feijão
Bombeiros trabalham na localização de vítimas em Brumadinho (MG), após rompimento da barragem Mina do Feijão - Ricardo Stuckert

O governo de Minas Gerais determinou, na última quarta-feira (30), a “descaracterização” das barragens de rejeitos construídas com o método de alteamento a montante — o mesmo usado na barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), que rompeu no dia 25 de janeiro e deixou ao menos 110 mortos e 238 desaparecidos. 

A medida foi estabelecida por meio de um decreto publicado no Diário Oficial do estado. A iniciativa abrange todas as barragens, inclusive as inativas, que utilizam esse método. 

O engenheiro Bruno Milanez, doutor em política ambiental e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nota que o texto não usa em nenhum momento o termo "descomissionamento". O termo técnico é empregado, na indústria, para se referir à desmontagem de locais como plantas nucleares ou campos de petróleo, por exemplo. Outra palavra que não é citada é "esvaziamento". 

"[Descaracterização] é um termo muito vago, e a definição que o decreto dá é ambígua", diz o engenheiro. 

O decreto considera como descaracterização o "processo no qual a barragem deixa de possuir as características de barragem, ou seja, passa a não operar como estrutura de contenção de rejeito, sendo destinada à outra finalidade". 

“É um texto que vai, obviamente, gerar algum impacto nas empresas. Mas é o menor impacto possível. Elas vão ter que, na minha interpretação, fechar as barragens, deixar de operar e fazer uma recuperação ambiental dela. Mas deixando o rejeito lá. Então, ainda vai ter que continuar fazendo monitoramento, ainda vai ter risco de cair; tudo isso vai continuar existindo”, avalia o engenheiro.

Mesmo com a permanência de riscos, a expectativa é que o monitoramento seja ainda mais fraco e afrouxado após a medida, pontua Milanez. “O problema é que as barragens que já estão operando eles [governo] não monitoram, o que vai ser dessas barragens descaracterizadas?”, questiona. 

O decreto impõe que os novos projetos para as áreas das barragens à montante sejam executados em até dois anos.

“Eles [governo] não usaram o termo [descomissionamento] aqui porque não querem obrigar as empresas a desmontar as barragens. Se alguém quiser, está ótimo, mas se não quiser, vai estar cumprindo a lei também”, afirma. “Para mim, está parecendo que eles [mineradoras] vão de alguma forma plantar graminha e arvorezinha do lado de fora da barragem, deixar drenar um pouco, jogar terra em cima e está descaracterizado. Poderia ter um campo de futebol em cima, mas deixando o rejeito lá."

O alteamento a montante é o método de construção mais simples, barato e inseguro. Nele, os diques de alteamentos são feitos apoiados nos rejeitos previamente depositados na barragem. O governo mineiro afirma que existem 50 barragens com essas características no estado, em 16 cidades. Cerca de 667 mil pessoas estão vulneráveis nessas regiões.  

Promessa antiga

O decreto do governo estadual foi publicado um dia depois do presidente da Vale, Fabio Schvartsman, ter anunciado que vai fechar e descomissionar as dez barragens da empresa feitas pelo método de alteamento a montante, em Minas.

Há 10 anos, a mineradora já havia demonstrado preocupações sobre suas barragens usadas com o mesmo método, mas ainda assim, não implementou medidas por causa da diminuição do lucro da empresa, aponta a militante Carolina de Moura, que acompanha a Assembleia Geral Extraordinária dos Acionistas (AGE) da mineradora há sete anos, pela Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale.

Em 2009, um relatório da Vale recomendou que a companhia realizasse o projeto Barragens Zero para aproveitar os rejeitos por meio da filtragem adicional de minérios. 

“Na época, a empresa iria tratar seus rejeitos fazendo um aproveitamento econômico. Só que em 2009, o preço do minério era U$ 180. Depois que o preço despencou, não valia mais a pena recuperar rejeitos. E aí largaram a barragem de rejeitos para lá e fizeram a política de elevar a produção e baixar os custos”, denuncia. 

Segundo ela, das 109 barragens da Vale em operação, em Minas Gerais, oito foram selecionadas para esse programa. E dessas oito, duas já romperam — a barragem de Fundão, em Mariana, e a da Mina do Feijão, em Brumadinho.

A Vale afirma que serão necessários três anos e R$ 5 bilhões para "descaracterizar as estruturas como barragens de rejeitos para reintegrá-las ao meio ambiente". 

Segundo o presidente da mineradora, a medida vai reduzir a produção em 40 milhões de toneladas de minério de ferro, o que representa 10% da produção anual da empresa.

Edição: Tayguara Ribeiro