O rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), onde a Samarco armazenava 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos da atividade de mineração, foi analisado por um comitê independente com especialistas brasileiros, americanos e canadenses que concluíram falhas desde a construção, em 2007, e que foram determinadas como causas do rompimento em 2015.
O relatório da Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, publicado em agosto de 2016, revela que aconteceram três incidentes graves, anteriores à ruptura de novembro de 2015, por conta do método de construção da barragem, conhecido como alteamento a montante, quando parte do rejeito tóxico (lama) é utilizado na própria estrutura e ampliação da barragem. Trata-se do método mais barato na construção desse tipo de barragens.
“O primeiro incidente ocorreu em 2009, logo após o término do dique de partida. Devido a defeitos de construção na base do dreno de fundo, a barragem foi tão danificada que o conceito original já não poderia ser implementado”, afirma o texto do relatório feito por especialistas em engenharia geotécnica.
Por conta deste vazamento, ocorrido com um ano de funcionamento da barragem, o projeto original de drenagem teve que ser alterado, aumentando o nível de saturação, que se refere ao nível de água acumulada no interior da barragem.
“Este aumento no grau de saturação introduziu o potencial para liquefação da areia”, registra o relatório. Esse processo de liquefação é o que dá lugar a filtração dos rejeitos e posterior rompimento. Washington Pirete da Silva, funcionário da Vale, alertou em sua dissertação de mestrado em 2010 que a barragem de Brumadinho enfrentava esse mesmo problema de liquefação.
Em sua dissertação de Mestrado Profissional em Engenharia Geotécnica – “Estudo do potencial de liquefação estática de uma barragem de rejeito alteada para montante aplicando a metodologia de Olson (2001)”, Washington afirma que “Os rejeitos dispostos na Barragem I da Mina Córrego do Feijão constituem materiais que tendem a exibir comportamento contrátil sob cisalhamento e, assim, susceptibilidade potencial a mecanismos de liquefação”.
O segundo problema grave na barragem de Fundão perdurou por dois anos. “Em 2011 e 2012, enquanto o novo projeto estava sendo elaborado. Durante a operação, o critério de largura de 200 m de praia de rejeitos muitas vezes não foi executado, com a água chegando a até 60 m da crista. Isto permitiu que a lama se sedimentasse em áreas onde ela não deveria estar presente”, enfatiza a análise técnica.
Por fim, uma “improvisação” feita pela Samarco, em 2012, na ombreira esquerda da barragem, na área onde aconteceu o rompimento, é relacionada às causas da tragédia. A empresa tinha que fechar e concretar um duto, antes de continuar o “alteamento” da barragem (para receber ainda mais rejeitos de minérios), porém, para ganhar tempo e “manter as operações neste período, o alinhamento da barragem na ombreira esquerda foi recuado da sua posição anterior. Isto colocou o aterro diretamente sobre a lama previamente depositada. Com isso, todas as condições necessárias para desencadear a liquefação estavam presentes”, afirma um trecho do relatório que foi assinado por Norbet Morgenstern, Steven Vick, Cássio Viotti e Bryan Watts, referências internacionais em análise de construção de barragens e mineração.
Letícia Oliveira, da coordenação estadual de Minas Gerais do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), destaca a responsabilidade total da Vale no crime: "Não precisa ter provas de que a empresa tinha informações e não impediu o rompimento, só por ela ter construído, ser proprietária e gerir a estrutura, ela é responsável por tudo que essa estrutura venha a causar na vida das pessoas. Então a responsabilidade é da Samarco sim".
Após o crime ambiental em Mariana, que afetou toda a bacia do rio Doce, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a Samarco recebeu 25 multas do Ibama (que somam R$ 346 milhões) e 31 multas da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (que somam R$ 370 milhões).
Além disso, a mineradora foi processada nos EUA e Inglaterra, acusada, por acionistas, de deixar de divulgar informações sobre o risco real da barragem do Fundão.
Em nota ao Brasil de Fato, a Samarco afirma que “em novembro de 2015, mantinha um volume de rejeitos de 55 milhões de metros cúbicos, dentro do limite permitido e licenciado pelo órgão ambiental competente de aproximadamente 112,5 milhões de metros cúbicos”.
Sem comentar as evidências apontadas no relatório da Cleary Gottlieb, a Samarco conclui a nota dizendo que “a empresa reitera que todos os laudos e vistorias, realizados por empresas independentes e órgãos fiscalizadores, atestaram a estabilidade e integridade da barragem”.
Edição: Mauro Ramos