Um dos principais líderes da oposição, o vice-presidente da Assembleia Nacional em desacato, Edgar Zambrano, apoia o deputado e autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó. No entanto, se diz contrário à intervenção militar estrangeira na Venezuela, ao contrário de Guaidó, que afirma que "todas as cartas estão sobre a mesa" e, no último sábado (2) em um discurso, falou sobre uma possível guerra civil no país.
"Sou um democrata, sou político de ofício. Convencido como estou de que a democracia é a única saída, não posso estar de acordo com uma ação militar. Uma intervenção militar é uma ação violenta, é um luto para o país. É morte. Não há outra expressão", destacou Zambrano, que recebeu o Brasil de Fato na Assembleia Nacional para uma entrevista.
O deputado defende a convocação de novas eleições presidenciais, mas não em 30 dias como querem Guaidó e seus aliados. E afirma que o diálogo é o único caminho pacífico, apesar do fracasso de outras tentativas de chegar a um acordo.
"Diante da possibilidade de violência, qual seria o outro caminho? Contra as balas qual seria a outra tarefa? Se nessas instâncias se prioriza o interesse universal dos cidadãos, esses diálogos poderiam ter sucesso", pontua.
Entre os temas de uma possível agenda de diálogo com o governo, Zambrano acredita que deveria estar a "renovação do Conselho Nacional Eleitoral" e a negociação sobre um "modelo econômico diferente".
Ele afirma que o Poder Executivo venezuelano controla os demais poderes do Estado. "Precisamos de autonomia dos poderes. O Poder Executivo não pode ter o controle de todos os poderes do Estado, porque se deteriora, se obstruiu o império da lei", defende o opositor.
Para Edgar Zambrano, a responsabilidade do fracasso dos últimos diálogos entre governo e oposição não recai apenas sobre uma das forças políticas, mas sobre as duas. "Aceito que exista uma responsabilidade compartilhada entre o governo e a oposição", disse o vice-presidente do Poder Legislativo, de maioria opositora.
Zambrano, disse ainda que "admite que a oposição falhou" ao não oferecer uma saída pacífica aos conflitos políticos a partir de 2015. "Assim como o governo cometeu grandes erros, a oposição também cometeu. Agora, não podemos entrar na dicotomia sobre quem tem razão", afirma.
Novas eleições
Zambrano e Guaidó concordam que devem ser realizadas novas eleições presidenciais, já que, segundo os opositores, uma parte dos partidos, por se opor ao governo e a suas decisões, não participou do último pleito. Porém, a questão não é unânime entre o setor opositor ao governo de Nicolás Maduro, como é o caso do líder do partido Soluções para a Venezuela, Claudio Firmín, que aponta que o as últimas eleições foram válidas.
"As eleições de 20 de maio [de 2018] foram realizadas e isso é um fato. Outras pessoas afirmam que as eleições foram falsas e estão fora da realidade. São as mesmas pessoas que dizem ao país que a razão do triunfo de Maduro foi a fraude, quando nós sabemos que o que causou o triunfo foi a abstenção", disse o líder opositor.
Firmín foi chefe de campanha do candidato opositor Henri Falcón e sua coligação participou de todos os processos de auditorias do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Seu partido registrou junto ao CNE algumas denúncias de irregularidades que ocorreram no dia da eleição fora de alguns centros eleitorais. Contudo, não houve nenhuma denúncia de fraude eleitoral, nem de nenhum tipo de irregularidade envolvendo o Poder Eleitoral.
"Maduro ganhou as eleições de 20 de maio. Eu trabalhei para que não fosse assim. Faço política com os pés no chão, enquanto outros confundem as pessoas com fantasias", escreveu em sua conta no Twitter recentemente.
Ele é crítico ao deputado Juan Guaidó e à sua autoproclamação como presidente da Venezuela. Apesar de opositor ao governo Maduro, Firmín diz que não está de acordo com os métodos de setores da oposição, que, segundo ele, "têm contado muitas mentiras" à população.
"Disseram que com as guarimbas [protestos violentos] em cada esquina, trancando ruas, o governo iria desaparecer e isso não aconteceu. Depois a Assembleia Nacional decretou o vazio de poder do cargo de presidente [2016] e não aconteceu nada, porque era mentira. Depois disseram ao país que iriam derrubar o presidente em seis meses. Contaram muitas mentiras ao país, porque estão buscando aplausos, aprovação de uma país que quer mudança", apontou o líder opositor em um entrevista à página de notícias Sumarium. O Brasil de Fato procurou Claudio Firmín para comentar as declarações, mas não obteve resposta.
Nicolás Maduro afirma que as eleições presidenciais já foram realizadas e que ele foi eleito com 67% dos votos. Mas, em uma entrevista ao jornalista espanhol Jordi Évole, nesta semana, o presidente admitiu que a possibilidade uma nova eleição presidencial "está sobre a mesa". E que estaria disposto a discutir o tema com a oposição em uma mesa de diálogo.
Fracasso da convivência entre os poderes
A deputada e vice-presidenta da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), Tania Díaz, confirmou ao Brasil de Fato que as eleições que serão adiantadas serão às da Assembleia Nacional e não a do Poder Executivo, como quer a oposição.
"O presidente da ANC, Diosdado Cabello, propôs adiantar as eleições do Poder Legislativo. O presidente Maduro disse que também estava de acordo. Esse é um mecanismo mais apropriado e se opõe a uma saída violenta, como às que estão oferecendo a oposição através da Assembleia Nacional", disse Díaz.
Falando em violência, a deputada denunciou que há um risco de intervenção militar no país promovida por nações que apoiam Guaidó, que promovem supostamente a bandeira da democracia e da ajuda humanitária, mas que, na realidade, promovem o envio disfarçado de forças militares. "Estão promovendo a entrada de tropas estrangeiras dentro do território venezuelano, com a desculpa de ajuda humanitária", apontou.
Divergências nos poderes
O conflito entre os poderes do Estado venezuelano começou em 2015, quando a Assembleia Nacional foi eleita com maioria opositora. O então presidente do órgão legislativo, Henry Ramos Allup, em seu discurso de posse, em janeiro de 2016, prometeu destituir o presidente da República em seis meses. Um ano depois, em janeiro de 2017, a Assembleia Nacional realizou um "julgamento político", contra Maduro e o destitui do cargo. Entretanto, o Tribunal Supremo da Justiça anulou a decisão. Estava declarada a guerra entre os poderes.
Desde agosto de 2016, a Assembleia Nacional do país está em desacato por uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, proferida após o Poder Legislativo desacatar uma ordem judicial que negava a posse de três deputados opositores condenados por crimes eleitorais. Os poderes da Assembleia Nacional foram suspensos até que cumprissem à ordem, o que nunca aconteceu.
A oposição foi para as ruas e realizou diversos protestos, entre fevereiro e julho de 2017, muitos deles violentos. Mais de 100 pessoas foram mortas, entre chavistas e opositores. Cerca de 80 militares foram presos e condenados, assim como mais de duzentos militantes opositores.
Com o objetivo de levar o conflito das ruas para às urnas, o presidente Maduro convocou uma eleição da Assembleia Nacional Constituinte. A oposição faz uma chamado à abstenção, mas ainda assim mais de 8 milhões de pessoas, cerca de 40% do eleitorado venezuelano, saíram para votar. Essa participação eleitoral foi considerada por analistas nacionais e estrangeiros como uma vitória do chavismo.
Na sequência, a ANC convocou outras quatro eleições, com sucessivos triunfos das forças políticas chavistas. Dentre essas eleições, os três grandes partidos da oposição decidiram participar de apenas uma: a de governadores em outubro de 2017. O chavismo ganhou em 19 dos 23 estados. Já o partido opositor Ação Democrática ganhou em quatro estados e aceitou os resultados eleitorais. Os partidos Primeiro Justiça e Vontade Popular não reconheceram os resultados, mas não convocaram protestos.
Entretanto, em janeiro deste ano a direita venezuelana voltou a questionar nas ruas a legitimidade dos poderes das instituições do Estado venezuelano, pedir eleições para o Poder Executivo e a reformulação do Conselho Nacional Eleitoral (Poder Eleitoral) e não reconhecer decisões do Tribunal Supremo da Justiça.
A deputada Tania Díaz criticou a oposição e disse que trata-se de uma luta de duas classes opostas. "Neste momento existem duas alternativas políticas. Uma que sempre optou pelo voto, pela decisão popular e o respeito à constitucionalidade, que somos nós, os porta-vozes da Revolução Bolivariana. E do outro lado estão os interesses de uma classe social privilegiada. Eles estão trabalhando para recuperar seus privilégios".
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira